O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro
João Oreste Dalazen, concedeu parcialmente pedido de efeito suspensivo
formulado pela Raízen Combustíveis S.A. (Shell) e pela BASF S. A. para sustar a
obrigação das empresas em depositar ou garantir o valor de indenização por dano
moral coletivo fixado pela Vara do Trabalho de Paulínia, estimado em R$ 1,1
bilhão, até o julgamento, pelo TST, do mérito de recurso contra a condenação,
imposta pela Justiça do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP). A decisão, porém,
preserva o cumprimento da sentença quanto à obrigação das empresas de custear o
tratamento médico das vítimas de contaminação por elementos químicos na antiga
fábrica da Shell em Paulínia (SP).
As empresas foram
condenadas em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho,
pela ACPO - Associação de Combate aos POPs (poluentes orgânicos persistentes),
Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Poluidores e
Maus Fornecedores, Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas
(ATESQ) e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias dos Ramos Químicos,
Farmacêuticos, Plásticos, Abrasivos e Similares de Campinas e Região.
Contaminação
Segundo os
autores, a produção de praguicidas pela Shell em Paulínia, a partir da década
de 70, teria resultado num desastre ambiental que atingiu toda a comunidade
devido à contaminação do solo e dos lençóis freáticos por compostos
organoclorados, devido à inadequação do tratamento biológico dos dejetos
industriais. Apesar de assinar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o
Ministério Público, a empresa teria prosseguido descumprindo a legislação
ambiental.
Em março de 2000,
a fábrica foi alienada para a BASF S. A. Em 2002, a BASF encerrou as atividades
no local, e a planta industrial foi interditada pelo Ministério do Trabalho,
devido à contaminação.
Estudos do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Campinas
(Unicamp) demonstraram que os organoclorados, atuando sobre vários sistemas do
organismo humano, afeta o sistema neurológico, cardiovascular, gastrointestinal
e renal. Os efeitos atingiram não apenas os trabalhadores, mas os moradores das
vizinhanças da fábrica.
Em contestação, a Shell
defendeu a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso, por
entender se tratar de discussão de direito ambiental. Afirmou ainda que sempre
cumpriu a legislação e atendeu a todas as normas de proteção e segurança
vigentes à época, e que não haveria consenso, no meio científico, sobre os
efeitos danosos dos POPs. A BASF, por sua vez, negou ter havido sucessão
trabalhista, e sustentou que seus empregados jamais tiveram contato com os
poluentes manipulados pela Shell. Esta, além de ter assumido o passivo
ambiental, deveria também arcar com eventuais direitos trabalhistas.
Condenação
A sentença
(confira aqui a íntegra) da juíza da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia condenou
as duas empresas, solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo (em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT) de R$ 622,2
milhões; a custear as despesas com assistência médica aos ex-empregados,
inclusive terceirizados e prestadores de serviços, e dos filhos nascidos
durante ou depois das contratações; e a pagar a cada trabalhador e cada
dependente R$ 64,5 mil como indenização substitutiva pelo período decorrido
entre a propositura da ação (2007) e a sentença (2010).
Em outra ação,
movida pela ATESQ e pelo sindicato, as empresas foram condenadas a pagar a cada
um dos trabalhadores ou a seus sucessores reparação por dano moral de R$ 20 mil
por ano trabalhado.
Os recursos
ordinários interpostos pela Shell e pela BASF ao Tribunal Regional do Trabalho
da 15ª Região (Campinas/SP) foram rejeitados, e as duas recorreram, em junho,
ao TST, onde o recurso aguarda distribuição.
Cautelares
Para o custeio dos
tratamentos médicos, a sentença determinou a criação de um comitê, sob a
fiscalização do MPT, para deliberar sobre os pedidos apresentados pelas
supostas vítimas. As empresas afirmam que vêm "cumprindo
rigorosamente" o que foi determinado, e que já desembolsou R$ 681 mil em
mais de 600 requerimentos formulados por ex-empregados e familiares habilitados
pelo comitê entre março e junho de 2012. Em casos que consideraram
"claramente descabidos" - como pedidos de tratamento odontológico, de
saúde capilar, cirurgia plástica pós-bariátrica, tratamento de dependência
química, aplicação de botox e cirurgia ortopédica -, opuseram embargos à
execução, a fim de se isentarem dessas obrigações, e depositaram o valor
correspondente em juízo.
O MPT considerou
tais embargos protelatórios e a juíza da 2ª Vara de Paulínia, atendendo a seu
pedido, determinou, no dia 28/6, que as empresas depositassem o valor ou
garantissem o débito relativo ao dano moral coletivo - que, corrigido, tem
valor estimado de R$ 1,1 bilhão - no prazo de 48h, sob pena de penhora.
Determinou, ainda, que os valores depositados em juízo relativos aos pedidos
considerados duvidosos fossem imediatamente liberados a cada um dos
beneficiários.
Nas cautelares
impetradas no TST com pedido de efeito suspensivo dessa decisão, as empresas
afirmam que ela, ao liberar os valores depositados, torna definitiva a execução
que ainda é provisória, uma vez que o recurso de revista ainda será julgado
pelo TST. Shell e BASF rebatem o entendimento de que estariam protelando o
cumprimento da sentença com o argumento de que, dos mais de 600 pedidos
recebidos desde fevereiro, "não há nem 20 embargos apresentados", e
afirmam que já pagaram diretamente às vítimas mais de R$ 1 milhão.
As empresas
sustentam ainda que a condenação total, em valores atualizados, passa de R$ 1
bilhão, cifra "manifestamente desproporcional" e que "não
encontra nenhum precedente na história da Justiça brasileira", além do
fato de que não será revertida diretamente aos trabalhadores, e sim ao FAT.
"A penhora de valor tão elevado, com imobilização de capital de firo, cria
gravíssimos embaraços para a continuidade de qualquer negócio", afirmam.
Efeito
suspensivo
Ao deferir
parcialmente o pedido de efeito suspensivo, o ministro Dalazen ressalta que a
condenação, ainda provisória, abrange três pontos: o dano moral coletivo, a
obrigação de custeio da assistência médica às vítimas da contaminação e os
danos morais individuais. A retenção do valor expressivo da condenação por dano
moral coletivo, além de retirar do fluxo de caixa das empresas um montante
superior a R$ 1 bilhão, "não beneficiará a tutela das vítimas", pois
sua destinação é o FAT, "o que esvazia, por completo, a utilidade" do
bloqueio. Ao lado disso, a jurisprudência do TST (Súmula 417, item III)
considera incabível o bloqueio de dinheiro em execução provisória.
O presidente do
TST observa que os valores da condenação são justamente o objeto do recurso das
empresas, que apontam violação constitucional na sua fixação. "O
desembolso de vultoso numerário, em fase prematura do cumprimento do título
judicial, tipifica, assim, o justificado receio de dano de difícil
reparação", assinala.
Com relação à
liberação dos valores depositados como garantia nos embargos à execução -
relativos aos casos considerados "descabidos" pelas empresas -, o
ministro destaca que a decisão extrapola os limites legais fixados no artigo 899 da CLT e, por isso, deve ser suspensa até o
trâmite final da ação.
Assistência
médica
Sobre a alegação
da empresa de que estariam ocorrendo abusos nos pedidos de custeio de
tratamentos médicos, o ministro registrou que o ordenamento jurídico prevê os
instrumentos adequados para coibir o exercício abusivo do direito. Da mesma
forma, impugnações procrastinatórias podem justificar o uso de instrumentos
como a antecipação dos efeitos da tutela, de caráter excepcional, "como
garantia contra indevida resistência por parte do obrigado" - inclusive
diante da gravidade potencial dos danos impostos às vítimas no caso específico.
Embora não
considere procrastinatórios os questionamentos nos casos citados (tratamentos
odontológicos e capilares, botox, etc.), Dalazen ressaltou que a pretensão de
suspender o que as empresas definem como "a obrigação de ter de pagar todo
e qualquer pedido feito por trabalhador habilitado ou dependente, sem
possibilidade de discutir a pertinência do pleito", é prematura e suprime
a instância recursal ordinária. Para impugnação de atos da execução, o
instrumento adequado é o agravo de petição ao TRT.
Para o presidente
do TST, o cumprimento da sentença provisória, como vem sendo feito até o
momento, "constitui importante, senão indispensável, elemento da utilidade
do provimento judicial em discussão, e deve, portanto, ser preservado".
Para os valores incontroversos, portanto, "a execução da sentença
provisória não se altera pela concessão do presente efeito suspensivo",
concluiu.
Processos:CauInom-7001-94.2012.5.00.0000,CauInom-6981-06.2012.5.00.0000
e RR 22200-28.2007.5.15.0126
Fonte: TST
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