quarta-feira, 31 de julho de 2019
A História de Mushkil Gusha
Era uma vez, a menos de mil milhas daqui, um pobre lenhador viúvo, que vivia com sua pequena filha. Todos os dias costumava ir às montanhas cortar lenha, que levava para casa e atava em feixes. Depois da primeira refeição, caminhava até o povoado mais próximo, onde vendia a lenha e descansava um pouco antes de voltar para casa. Um dia, ao chegar em casa, já muito tarde, a menina lhe disse:
- Pai, de vez em quando gostaria de ter uma comida melhor, em maior quantidade e mais variada.
- Está bem, minha filha - disse o velho -, amanhã levantarei mais cedo do que de costume, irei mais alto nas montanhas, onde há mais lenha, e trarei uma quantidade maior do que a habitual. Voltarei mais cedo para casa, atarei os feixes mais depressa e irei logo ao povoado vendê-los para conseguirmos mais dinheiro. E lhe trarei uma porção de coisas deliciosas.
Na manhã seguinte, o lenhador levantou-se antes da aurora e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando lenha e fez um feixe enorme, que carregou nos ombros até sua casa.
Ao chegar era ainda muito cedo. Então, colocou a carga no chão e bateu à porta, dizendo:
- Filha, filha, abra a porta. Estou com sede e fome; preciso comer alguma coisa antes de ir para o mercado.
Mas a porta continuou fechada. O lenhador estava tão cansado que se deitou no chão, ao lado do feixe de lenha, e logo adormeceu. A menina, esquecida da conversa da noite anterior, dormia profundamente.
Quando o lenhador acordou, algumas horas depois, o sol já estava alto. Bateu novamente à porta e disse:
- Filha, filha, abra logo. Preciso comer alguma coisa antes de ir ao mercado vender a lenha, pois já é muito mais tarde do que de costume.
Mas a menina que tinha esquecido completamente a conversa da noite anterior, tinha se levantado, arrumado a casa e safra para dar um passeio. Em seu esquecimento, e supondo que o pai já tivesse ido para o povoado, deixou a porta da casa fechada.
Assim, o lenhador disse a si mesmo:
- Já é muito tarde para ir à cidade. Voltarei para as montanhas e cortarei outro feixe de lenha, que trarei para casa, e amanhã terei carga em dobro para levar ao mercado.
O lenhador trabalhou duro aquele dia, cortando e enfeixando lenha nas montanhas. Já era noite quando chegou em casa com a lenha nos ombros.
Pôs o feixe atrás da casa, bateu à porta e disse:
- Filha, filha, abra a porta. Estou cansado e não comi nada o dia todo. Trago uma dupla carga de lenha, que espero levar ao mercado amanhã. Preciso dormir bem esta noite para recuperar minhas forças.
Mas não houve resposta, pois a menina, sentindo muito sono ao voltar do passeio, preparou sua comida e foi para a cama. A princípio, ficara preocupada com a ausência do pai, mas tranqüilizou-se logo, pensando que ele passaria a noite no povoado.
Cansado, faminto e com sede, vendo que não podia entrar em casa, o lenhador deitou-se novamente ao lado da lenha. Apesar de preocupado com o que poderia estar acontecendo com a filha, não conseguiu ficar acordado: adormeceu logo. Mas, como estava com muito frio, muita fome e muito cansado, acordou bem cedo na manhã seguinte, antes mesmo de o dia clarear.
Sentou-se, olhou ao redor, mas não conseguiu ver nada. Mas, nesse momento, aconteceu uma coisa estranha. Pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia:
- Depressa! depressa! Deixa tua lenha e vem por aqui. Se necessitas muito e desejas o suficiente, terás uma refeição deliciosa.
O lenhador levantou-se e caminhou na direção de onde vinha a voz. Andou, andou e andou, mas não encontrou nada.
Então sentiu mais cansaço, frio e fome do que antes e, além do mais, estava perdido. Tivera muitas esperanças, mas isso não parecia tê-lo ajudado. Ficou triste, com vontade de chorar, mas percebeu que chorar também não o ajudaria. Assim, deitou-se e adormeceu. Logo depois acordou novamente. Sentia frio e fome demais para poder dormir. Foi então que lhe ocorreu narrar a si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que a filha lhe pedira um tipo de comida diferente.
Mal terminou sua história, pareceu-lhe ouvir outra voz, vinda de algum lugar no alto, como se saísse do amanhecer, que dizia:
- Velho homem, velho homem, que fazes sentado aqui?
- Estou me contando minha própria história - respondeu o lenhador.
- E qual é?
O lenhador repetiu sua narração.
- Muito bem - disse a voz, e a seguir lhe pediu que fechasse os olhos e subisse um degrau.
- Mas não vejo degrau algum - disse o velho.
- Não importa, faz o que te digo - ordenou a voz.
O homem fez o que lhe fora ordenado. Mal fechou os olhos, descobriu que estava de pé e, levantando o pé direito, sentiu que debaixo dele havia algo semelhante a um degrau.
Começou a subir o que parecia ser uma escada. De repente os degraus começaram a mover-se - moviam-se muito rapidamente - e a voz lhe disse:
- Não abra os olhos até que eu ordene.
Não se passara muito tempo, quando a voz mandou que o velho abrisse os olhos. Ao fazê-lo, o lenhador achou-se num lugar que parecia um deserto, com um sol escaldante acima dele. Estava rodeado de montes e montes de pedrinhas de todas as cores: vermelhas, verdes, azuis, brancas. Mas parecia estar só; olhou em volta e não conseguiu ver ninguém. Então, a voz começou a falar de novo:
- Apanha todas as pedras que puderes, fecha os olhos e desce os degraus.
O lenhador fez o que lhe mandavam e, quando a voz ordenou que abrisse os olhos novamente, encontrou-se diante da porta de sua própria casa. Bateu à porta, e a sua filha veio atender. Ela lhe perguntou por onde ele tinha andado, e o pai lhe contou o ocorrido, embora a menina mal entendesse o que ele dizia, porque tudo lhe parecia muito confuso.
Entraram em casa e a menina e o seu pai repartiram a última coisa que lhes restava para comer: um punhado de tâmaras secas. Quando terminaram a comida, o velho achou que estava novamente ouvindo uma voz, uma voz igual àque-la que o mandara subir os degraus.
- Embora ainda não o saibas - disse a voz - foste salvo por Mushkil Gusha. Lembra-te: Mushkil Gusha está sempre aqui. Promete a ti mesmo que todas as quintas-feiras, à noite, comerás umas tâmaras, e darás outras a alguma pessoa necessitada, a quem contarás a história de Mushkil Gus-ha. Ou darás um presente, em seu nome, a alguém que ajude os necessitados. Promete que a história de Mushkil Gusha nunca, nunca será esquecida. Se fizeres isso, e o mesmo fizerem as pessoas a quem contares a história, os que tiverem verdadeira necessidade sempre encontrarão seu caminho.
O lenhador então colocou todas as pedras que havia trazido do deserto num canto do casebre. Pareciam simples pedras, e ele não soube o que fazer com elas. No dia seguinte, levou seus dois enormes feixes de lenha ao mercado e os vendeu facilmente, por ótimo preço. Ao voltar para casa, levava para sua filha uma porção de iguarias deliciosas que ela jamais havia provado antes. Quando terminaram de comer, o velho lenhador disse:
- Agora vou lhe contar a história de Mushkil Gusha. Mushkil Gusha significa "O dissipador de todas as dificuldades". Nossas dificuldades desapareceram por intermédio de Mushkil Gusha, e devemos lembrá-lo sempre.
Durante uma semana o homem seguiu sua rotina. Ia às montanhas, trazia lenha, comia alguma coisa, levava a lenha ao mercado e a vendia. Sempre encontrava comprador, sem dificuldade.
Mas chegou a quinta-feira seguinte e, como é comum entre os homens, o lenhador se esqueceu de contar a história de Mushkil Gusha. Nessa noite, já tarde, apagou-se o fogo na casa dos vizinhos. E, como não tinham com que voltar a acendê-lo, foram à casa do lenhador e disseram:
- Vizinho, vizinho, por favor, dê-nos um pouco de fogo dessas suas lâmpadas maravilhosas que vemos brilhar através da janela.
- Que lâmpadas? - perguntou o lenhador.
- Venha cá e veja - responderam.
O lenhador saiu e viu claramente a variedade de luzes que, vindas de dentro, brilhavam através de sua janela. Entrou e viu que a luz saía do monte de pedras que havia posto num canto. Mas os raios de luz eram frios e era impossível usá-los para acender fogo. Então, tornou a sair e disse:
- Sinto muito, vizinhos, não tenho fogo - e bateu-lhes a porta no nariz.
Os vizinhos ficaram aborrecidos e surpresos e voltaram para casa resmungando. E aqui eles abandonam nossa história.
Rapidamente, o lenhador e sua filha, com medo que alguém visse o tesouro que possuíam, cobriram as brilhantes luzes com todos os trapos que encontraram. Na manhã seguinte, ao destampar as pedras, descobriram que eram gemas luminosas e preciosas.
Uma a uma, levaram-nas às cidades dos arredores, onde as venderam por um preço enorme. Então, o lenhador decidiu construir um esplêndido palácio para ele e sua filha.
Escolheram um lugar que ficava exatamente na frente do castelo do rei de seu país. Pouco tempo depois, um edifício maravilhoso estava construído.
O rei tinha uma filha muito bonita que uma manhã, ao acordar, viu o castelo, que parecia de contos de fadas, bem em frente ao de seu pai. Muito surpresa, perguntou a seus criados:
- Quem construiu esse castelo? Com que direito fazem uma coisa dessas tão perto do nosso lar?
Os criados saíram e investigaram. Ao regressar, contaram à princesa tudo o que conseguiram saber.
A princesa, muito zangada, mandou chamar a filha do lenhador. Porém, quando as duas meninas se conheceram e se falaram, logo tornaram-se boas amigas. Encontravam-se todos os dias e iam nadar e brincar juntas num regato que o rei mandara fazer para a princesa.
Alguns dias depois do primeiro encontro, a princesa tirou um colar lindo e valioso e pendurou-o numa árvore à beira do regato. Na volta, esqueceu-se de apanhá-lo e, ao chegar em casa, pensou que o tinha perdido. Refletindo melhor, porém. concluiu que tinha sido roubado pela filha do lenhador.
Contou tudo ao pai, que mandou prender o lenhador e confiscou-lhe todos os bens. O homem foi posto na prisão, e sua filha levada para um orfanato.
Como era costume no país, depois de algum tempo o lenhador foi retirado de sua cela e levado para praça pública, onde o acorrentaram a um poste, tendo pendurado ao pescoço um cartaz onde se lia:
"E isto que acontece a quem rouba dos reis."
A princípio, as pessoas juntavam-se à sua volta zombando dele e atirando-lhe coisas. O lenhador estava muito infeliz. Porém, como é comum entre os homens, logo se acostumaram com o velho sentado junto ao poste e lhe prestavam cada vez menos atenção. Às vezes lhe atiravam restos de comida, às vezes nem mesmo isso.
Uma tarde, ouviu alguém dizer que era quinta-feira. De imediato veio-lhe à mente o pensamento de que logo seria a noite de Mushkil Gusha, "O dissipador de todas as dificuldades", a quem há tanto tempo se esquecera de comemorar. No mesmo instante em que esse pensamento lhe chegou à mente, um homem caridoso que passava jogou-lhe uma moeda.
- Generoso amigo - chamou-o o lenhador - você me deu dinheiro que para mim não tem utilidade alguma. Mas se, em sua generosidade, puder comprar uma ou duas tâmaras e vir sentar-se comigo para comê-las, eu lhe ficaria eternamente grato.
O homem saiu e comprou algumas tâmaras, sentou-se a seu lado e comeram juntos. Ao terminar, o lenhador contou-lhe a história de Mushkil Gusha.
- Acho que você deve estar louco - disse-lhe o homem generoso.
Mas era uma pessoa compreensiva e também enfrentava muitas dificuldades. Ao chegar em casa, depois desse incidente, percebeu que todos os seus problemas estavam resolvidos. Isto o fez pensar mais seriamente a respeito de Mush-kil Gusha. Mas aqui ele deixa nossa história.
No dia seguinte, pela manhã, a princesa voltou ao lugar onde se banhara e, quando ia entrar na água, viu, no fundo do regato, uma coisa que parecia ser seu colar. Porém, no momento em que ia pegá-lo, espirrou, jogou a cabeça para trás, e viu que o que tomara por seu colar era apenas o reflexo dele na água. O colar estava pendurado no galho de uma árvore, no mesmo lugar onde o tinha deixado há muito tempo. Emocionada, apanhou-o e foi correndo contar ao rei o acontecido. Este ordenou que o lenhador fosse posto em liberdade e que lhe pedissem desculpas em público. Tiraram a menina do orfanato e todos viveram felizes para sempre.
Estes são alguns dos episódios da história de Mushkil Gusha. E uma história muito longa, que nunca termina. Tem muitas formas. Algumas nem sequer se intitulam A história de Mushkil Gusha. Por isso as pessoas não as reconhecem como tal.
Mas é por causa de Mushkil Gusha que esta história, em qualquer de suas formas, é lembrada por alguém, em algum lugar do mundo, dia e noite, onde quer que exista gente. Tal como sempre tem sido contada, assim continua-rá a ser contada eternamente.
Você quer repetir a história de Mushkil Gusha nas noites de quinta-feira e ajudar, assim, o trabalho de Mushkil Gusha?
História da Tradição Sufi - da Tradição Oral
- Pai, de vez em quando gostaria de ter uma comida melhor, em maior quantidade e mais variada.
- Está bem, minha filha - disse o velho -, amanhã levantarei mais cedo do que de costume, irei mais alto nas montanhas, onde há mais lenha, e trarei uma quantidade maior do que a habitual. Voltarei mais cedo para casa, atarei os feixes mais depressa e irei logo ao povoado vendê-los para conseguirmos mais dinheiro. E lhe trarei uma porção de coisas deliciosas.
Na manhã seguinte, o lenhador levantou-se antes da aurora e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando lenha e fez um feixe enorme, que carregou nos ombros até sua casa.
Ao chegar era ainda muito cedo. Então, colocou a carga no chão e bateu à porta, dizendo:
- Filha, filha, abra a porta. Estou com sede e fome; preciso comer alguma coisa antes de ir para o mercado.
Mas a porta continuou fechada. O lenhador estava tão cansado que se deitou no chão, ao lado do feixe de lenha, e logo adormeceu. A menina, esquecida da conversa da noite anterior, dormia profundamente.
Quando o lenhador acordou, algumas horas depois, o sol já estava alto. Bateu novamente à porta e disse:
- Filha, filha, abra logo. Preciso comer alguma coisa antes de ir ao mercado vender a lenha, pois já é muito mais tarde do que de costume.
Mas a menina que tinha esquecido completamente a conversa da noite anterior, tinha se levantado, arrumado a casa e safra para dar um passeio. Em seu esquecimento, e supondo que o pai já tivesse ido para o povoado, deixou a porta da casa fechada.
Assim, o lenhador disse a si mesmo:
- Já é muito tarde para ir à cidade. Voltarei para as montanhas e cortarei outro feixe de lenha, que trarei para casa, e amanhã terei carga em dobro para levar ao mercado.
O lenhador trabalhou duro aquele dia, cortando e enfeixando lenha nas montanhas. Já era noite quando chegou em casa com a lenha nos ombros.
Pôs o feixe atrás da casa, bateu à porta e disse:
- Filha, filha, abra a porta. Estou cansado e não comi nada o dia todo. Trago uma dupla carga de lenha, que espero levar ao mercado amanhã. Preciso dormir bem esta noite para recuperar minhas forças.
Mas não houve resposta, pois a menina, sentindo muito sono ao voltar do passeio, preparou sua comida e foi para a cama. A princípio, ficara preocupada com a ausência do pai, mas tranqüilizou-se logo, pensando que ele passaria a noite no povoado.
Cansado, faminto e com sede, vendo que não podia entrar em casa, o lenhador deitou-se novamente ao lado da lenha. Apesar de preocupado com o que poderia estar acontecendo com a filha, não conseguiu ficar acordado: adormeceu logo. Mas, como estava com muito frio, muita fome e muito cansado, acordou bem cedo na manhã seguinte, antes mesmo de o dia clarear.
Sentou-se, olhou ao redor, mas não conseguiu ver nada. Mas, nesse momento, aconteceu uma coisa estranha. Pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia:
- Depressa! depressa! Deixa tua lenha e vem por aqui. Se necessitas muito e desejas o suficiente, terás uma refeição deliciosa.
O lenhador levantou-se e caminhou na direção de onde vinha a voz. Andou, andou e andou, mas não encontrou nada.
Então sentiu mais cansaço, frio e fome do que antes e, além do mais, estava perdido. Tivera muitas esperanças, mas isso não parecia tê-lo ajudado. Ficou triste, com vontade de chorar, mas percebeu que chorar também não o ajudaria. Assim, deitou-se e adormeceu. Logo depois acordou novamente. Sentia frio e fome demais para poder dormir. Foi então que lhe ocorreu narrar a si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que a filha lhe pedira um tipo de comida diferente.
Mal terminou sua história, pareceu-lhe ouvir outra voz, vinda de algum lugar no alto, como se saísse do amanhecer, que dizia:
- Velho homem, velho homem, que fazes sentado aqui?
- Estou me contando minha própria história - respondeu o lenhador.
- E qual é?
O lenhador repetiu sua narração.
- Muito bem - disse a voz, e a seguir lhe pediu que fechasse os olhos e subisse um degrau.
- Mas não vejo degrau algum - disse o velho.
- Não importa, faz o que te digo - ordenou a voz.
O homem fez o que lhe fora ordenado. Mal fechou os olhos, descobriu que estava de pé e, levantando o pé direito, sentiu que debaixo dele havia algo semelhante a um degrau.
Começou a subir o que parecia ser uma escada. De repente os degraus começaram a mover-se - moviam-se muito rapidamente - e a voz lhe disse:
- Não abra os olhos até que eu ordene.
Não se passara muito tempo, quando a voz mandou que o velho abrisse os olhos. Ao fazê-lo, o lenhador achou-se num lugar que parecia um deserto, com um sol escaldante acima dele. Estava rodeado de montes e montes de pedrinhas de todas as cores: vermelhas, verdes, azuis, brancas. Mas parecia estar só; olhou em volta e não conseguiu ver ninguém. Então, a voz começou a falar de novo:
- Apanha todas as pedras que puderes, fecha os olhos e desce os degraus.
O lenhador fez o que lhe mandavam e, quando a voz ordenou que abrisse os olhos novamente, encontrou-se diante da porta de sua própria casa. Bateu à porta, e a sua filha veio atender. Ela lhe perguntou por onde ele tinha andado, e o pai lhe contou o ocorrido, embora a menina mal entendesse o que ele dizia, porque tudo lhe parecia muito confuso.
Entraram em casa e a menina e o seu pai repartiram a última coisa que lhes restava para comer: um punhado de tâmaras secas. Quando terminaram a comida, o velho achou que estava novamente ouvindo uma voz, uma voz igual àque-la que o mandara subir os degraus.
- Embora ainda não o saibas - disse a voz - foste salvo por Mushkil Gusha. Lembra-te: Mushkil Gusha está sempre aqui. Promete a ti mesmo que todas as quintas-feiras, à noite, comerás umas tâmaras, e darás outras a alguma pessoa necessitada, a quem contarás a história de Mushkil Gus-ha. Ou darás um presente, em seu nome, a alguém que ajude os necessitados. Promete que a história de Mushkil Gusha nunca, nunca será esquecida. Se fizeres isso, e o mesmo fizerem as pessoas a quem contares a história, os que tiverem verdadeira necessidade sempre encontrarão seu caminho.
O lenhador então colocou todas as pedras que havia trazido do deserto num canto do casebre. Pareciam simples pedras, e ele não soube o que fazer com elas. No dia seguinte, levou seus dois enormes feixes de lenha ao mercado e os vendeu facilmente, por ótimo preço. Ao voltar para casa, levava para sua filha uma porção de iguarias deliciosas que ela jamais havia provado antes. Quando terminaram de comer, o velho lenhador disse:
- Agora vou lhe contar a história de Mushkil Gusha. Mushkil Gusha significa "O dissipador de todas as dificuldades". Nossas dificuldades desapareceram por intermédio de Mushkil Gusha, e devemos lembrá-lo sempre.
Durante uma semana o homem seguiu sua rotina. Ia às montanhas, trazia lenha, comia alguma coisa, levava a lenha ao mercado e a vendia. Sempre encontrava comprador, sem dificuldade.
Mas chegou a quinta-feira seguinte e, como é comum entre os homens, o lenhador se esqueceu de contar a história de Mushkil Gusha. Nessa noite, já tarde, apagou-se o fogo na casa dos vizinhos. E, como não tinham com que voltar a acendê-lo, foram à casa do lenhador e disseram:
- Vizinho, vizinho, por favor, dê-nos um pouco de fogo dessas suas lâmpadas maravilhosas que vemos brilhar através da janela.
- Que lâmpadas? - perguntou o lenhador.
- Venha cá e veja - responderam.
O lenhador saiu e viu claramente a variedade de luzes que, vindas de dentro, brilhavam através de sua janela. Entrou e viu que a luz saía do monte de pedras que havia posto num canto. Mas os raios de luz eram frios e era impossível usá-los para acender fogo. Então, tornou a sair e disse:
- Sinto muito, vizinhos, não tenho fogo - e bateu-lhes a porta no nariz.
Os vizinhos ficaram aborrecidos e surpresos e voltaram para casa resmungando. E aqui eles abandonam nossa história.
Rapidamente, o lenhador e sua filha, com medo que alguém visse o tesouro que possuíam, cobriram as brilhantes luzes com todos os trapos que encontraram. Na manhã seguinte, ao destampar as pedras, descobriram que eram gemas luminosas e preciosas.
Uma a uma, levaram-nas às cidades dos arredores, onde as venderam por um preço enorme. Então, o lenhador decidiu construir um esplêndido palácio para ele e sua filha.
Escolheram um lugar que ficava exatamente na frente do castelo do rei de seu país. Pouco tempo depois, um edifício maravilhoso estava construído.
O rei tinha uma filha muito bonita que uma manhã, ao acordar, viu o castelo, que parecia de contos de fadas, bem em frente ao de seu pai. Muito surpresa, perguntou a seus criados:
- Quem construiu esse castelo? Com que direito fazem uma coisa dessas tão perto do nosso lar?
Os criados saíram e investigaram. Ao regressar, contaram à princesa tudo o que conseguiram saber.
A princesa, muito zangada, mandou chamar a filha do lenhador. Porém, quando as duas meninas se conheceram e se falaram, logo tornaram-se boas amigas. Encontravam-se todos os dias e iam nadar e brincar juntas num regato que o rei mandara fazer para a princesa.
Alguns dias depois do primeiro encontro, a princesa tirou um colar lindo e valioso e pendurou-o numa árvore à beira do regato. Na volta, esqueceu-se de apanhá-lo e, ao chegar em casa, pensou que o tinha perdido. Refletindo melhor, porém. concluiu que tinha sido roubado pela filha do lenhador.
Contou tudo ao pai, que mandou prender o lenhador e confiscou-lhe todos os bens. O homem foi posto na prisão, e sua filha levada para um orfanato.
Como era costume no país, depois de algum tempo o lenhador foi retirado de sua cela e levado para praça pública, onde o acorrentaram a um poste, tendo pendurado ao pescoço um cartaz onde se lia:
"E isto que acontece a quem rouba dos reis."
A princípio, as pessoas juntavam-se à sua volta zombando dele e atirando-lhe coisas. O lenhador estava muito infeliz. Porém, como é comum entre os homens, logo se acostumaram com o velho sentado junto ao poste e lhe prestavam cada vez menos atenção. Às vezes lhe atiravam restos de comida, às vezes nem mesmo isso.
Uma tarde, ouviu alguém dizer que era quinta-feira. De imediato veio-lhe à mente o pensamento de que logo seria a noite de Mushkil Gusha, "O dissipador de todas as dificuldades", a quem há tanto tempo se esquecera de comemorar. No mesmo instante em que esse pensamento lhe chegou à mente, um homem caridoso que passava jogou-lhe uma moeda.
- Generoso amigo - chamou-o o lenhador - você me deu dinheiro que para mim não tem utilidade alguma. Mas se, em sua generosidade, puder comprar uma ou duas tâmaras e vir sentar-se comigo para comê-las, eu lhe ficaria eternamente grato.
O homem saiu e comprou algumas tâmaras, sentou-se a seu lado e comeram juntos. Ao terminar, o lenhador contou-lhe a história de Mushkil Gusha.
- Acho que você deve estar louco - disse-lhe o homem generoso.
Mas era uma pessoa compreensiva e também enfrentava muitas dificuldades. Ao chegar em casa, depois desse incidente, percebeu que todos os seus problemas estavam resolvidos. Isto o fez pensar mais seriamente a respeito de Mush-kil Gusha. Mas aqui ele deixa nossa história.
No dia seguinte, pela manhã, a princesa voltou ao lugar onde se banhara e, quando ia entrar na água, viu, no fundo do regato, uma coisa que parecia ser seu colar. Porém, no momento em que ia pegá-lo, espirrou, jogou a cabeça para trás, e viu que o que tomara por seu colar era apenas o reflexo dele na água. O colar estava pendurado no galho de uma árvore, no mesmo lugar onde o tinha deixado há muito tempo. Emocionada, apanhou-o e foi correndo contar ao rei o acontecido. Este ordenou que o lenhador fosse posto em liberdade e que lhe pedissem desculpas em público. Tiraram a menina do orfanato e todos viveram felizes para sempre.
Estes são alguns dos episódios da história de Mushkil Gusha. E uma história muito longa, que nunca termina. Tem muitas formas. Algumas nem sequer se intitulam A história de Mushkil Gusha. Por isso as pessoas não as reconhecem como tal.
Mas é por causa de Mushkil Gusha que esta história, em qualquer de suas formas, é lembrada por alguém, em algum lugar do mundo, dia e noite, onde quer que exista gente. Tal como sempre tem sido contada, assim continua-rá a ser contada eternamente.
Você quer repetir a história de Mushkil Gusha nas noites de quinta-feira e ajudar, assim, o trabalho de Mushkil Gusha?
História da Tradição Sufi - da Tradição Oral
terça-feira, 30 de julho de 2019
segunda-feira, 29 de julho de 2019
A MP 881/2019 e a manutenção das leis municipais e negociações coletivas para o funcionamento do comércio nos domingos e feriados
A MP 881/2019 e a manutenção
das leis municipais e negociações coletivas para o funcionamento do comércio
nos domingos e feriados
Demítrius Bruno Farias Valente*
Clovis Renato Costa Farias*
RESUMO: O presente trabalho aborda
a influência da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, que trata
sobre a liberdade econômica, com artigo específico acerca do funcionamento dos
empreendimentos nos domingos e feriados, o que tem gerado impasses nas negociações
coletivas para a formação de acordos e convenções coletivas de trabalho que regulam
a matéria, obedecendo às competência local e leis municipais, conforme
jurisprudência pacífica em âmbito nacional. Demonstra-se que interpretações
divergentes, com preponderância da liberdade ampla para o funcionamento,
independente de observação sistemática da normatização pátria, lesa o direito
dos trabalhadores, entidades representativas e a negociação coletiva no Estado
Democrático de Direito como um todo, nos termos do art. 1º, da Constituição de
1988. Situação que tem travado mesas de negociação em curso e ensejado
interpretações de descumprimento de acordos e convenções coletivas já
negociados entre os sindicatos e as empresas com a representação dos
trabalhadores por meio sindical. Assim, o presente escrito visa refletir sobre
a matéria, trazer a normatização nacional e internacional sobre o tema, assim
como a jurisprudência brasileira, para fins de melhor apreciação do tema, evitando-se
lesões a direitos consolidados e regulamentados, com consequente busca do Poder
Judiciário para resolver a questão.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Competência
Municipal. Negociação coletiva. Sindicatos
I.
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em 30 de abril de 2019, foi editada a
Medida Provisória 881, conhecida como “PEC da liberdade econômica”, que prevê
em seu artigo 1º o objetivo de instituir
“a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas
de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica
e disposições sobre a atuação do Estado
como agente normativo e regulador, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no
parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição Federal”.[1]
[2]
[3]
Ao presente estudo importa
especificamente o seu art. 3º, II, especialmente diante das diversas
interpretações conflitantes decorrentes do direito de “produzir,
empregar e gerar renda, assegurada a liberdade para desenvolver atividade
econômica em qualquer horário ou dia da semana”, como se transcreve:
[4]DA DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE
ECONÔMICA
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica,
essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado
o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição:
(...)
II - produzir, empregar e gerar renda,
assegurada a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário
ou dia da semana, observadas:
a) as normas de proteção ao meio
ambiente, incluídas as de combate à poluição sonora e à perturbação de sossego;
b) as restrições advindas de obrigações
do direito privado, incluídas as situações de domínio de um determinado bem ou
de partes de um bem por mais de uma pessoa simultaneamente;
(...)
O contexto de liberalização adotado pelo atual
governo, inclusive assoberbando o Poder Legislativo e a sociedade em geral com
a chuvas de medidas provisórias impróprias, tem gerado forte insegurança jurídica
e precarizando as relações econômicas que a conjuntura afirma pretender
aprimorar, como se demonstrará, no caso exemplificativo constante no presente
artigo.
domingo, 28 de julho de 2019
sábado, 27 de julho de 2019
sexta-feira, 26 de julho de 2019
Confusão entre renúncia e inércia (Lucia Helena Galvão)
"Existe uma confusão muito grande entre renúncia e inércia. Quando alguém diz 'eu sou uma pessoa que renunciou a matéria', mas como renuncia se não tinha? Não se pode renunciar aquilo que não se tem. Existe uma parábola orientral de um rei que é recebido Nirvana e muito bem recebido, mas quando entra um mendigo, este é rejeitado. Mendigo reclama dizendo que só aceitam poderosos. Respondem que O rei renunciou a tudo para entrar, mas o mendigo não tinha, não buscou e não renunciou a nada. Daí, quer entrar por interesse, não por renuncia. Vá conquistar o mundo, depois renuncia a ele, para, em seguida, vir aqui. A impotência não é virtude. A incapacidade não é virtude. Isso é a confusão da espiritualidade com aquele ser fraco, débil, que não tem nada, porque não soube conquistar nada. A renúncia exige saber conquistar as coisas do mundo e entregá-las. Nisso ela é grandiosa." (Lucia Helena Galvão)
terça-feira, 23 de julho de 2019
domingo, 21 de julho de 2019
Meu papel no mundo (Lucia Helena Galvão)
"Se você é capaz de gerar algum momento de luz, pode contar que alguém vai alcançar também essa luz graças a esse seu ato.
A evolução faz com que as faculdades humanas despertem para expressar a ideia divina na vida. A evolução é perceber que você tem uma essência e que essa essência tem que atuar no mundo. É a mão que entra na luva e tem que se expressar no mundo. A luva tem que ser flexível para permitir esse movimento na vida. A medida que você vai desenvolvendo as ferramentas que são inteligência, vontade, imaginação, criatividade e amor, vários elementos vão fazendo com que o espírito, cada vez mais, tenha ferramentas para atuar no mundo. A evolução nada mais é do que desobstruir o caminho e desenvolver ferramentas para que o teu espirito diga ao mundo qual é a tarefa dele. Parece que cada um de nós tem um recado a dar ao mundo. Tua essência veio cumprir algum papel no mundo. Veio dizer algo que só você pode dizer." (Lucia Helena Galvão)
A evolução faz com que as faculdades humanas despertem para expressar a ideia divina na vida. A evolução é perceber que você tem uma essência e que essa essência tem que atuar no mundo. É a mão que entra na luva e tem que se expressar no mundo. A luva tem que ser flexível para permitir esse movimento na vida. A medida que você vai desenvolvendo as ferramentas que são inteligência, vontade, imaginação, criatividade e amor, vários elementos vão fazendo com que o espírito, cada vez mais, tenha ferramentas para atuar no mundo. A evolução nada mais é do que desobstruir o caminho e desenvolver ferramentas para que o teu espirito diga ao mundo qual é a tarefa dele. Parece que cada um de nós tem um recado a dar ao mundo. Tua essência veio cumprir algum papel no mundo. Veio dizer algo que só você pode dizer." (Lucia Helena Galvão)
sexta-feira, 19 de julho de 2019
quinta-feira, 18 de julho de 2019
quarta-feira, 17 de julho de 2019
segunda-feira, 15 de julho de 2019
sexta-feira, 12 de julho de 2019
quinta-feira, 11 de julho de 2019
terça-feira, 9 de julho de 2019
Brasil na “lista suja” dos países que descumprem normas da OIT
Guy Rider (Diretor Geral da OIT) e Clovis Renato (Assessor Técnico na OIT) |
O Comitê de Aplicação
de Normas inseriu, novamente, o Brasil na “lista suja”, após denúncia, defesa e
análise do caso, na 108ª Conferência Internacional do Trabalho, na Suíça.
Na Conferência
Internacional, seguindo-se à leitura do relatório dos técnicos da OIT que
analisaram o caso Brasil, houve a intervenções da representação dos
trabalhadores, empregadores e governo, bem como de 47 países integrantes da OIT
sobre o caso.
Ao final, com o
julgamento, houve a aceitação da denúncia com recomendações ao Estado parte. Verificaram-se
indícios de inexistência de tripartismo real, em desatendimento à Convenção nº
98 da OIT, de modo foi solicitado ao governo brasileiro que continuasse a analisar,
em cooperação e em consonância com as organizações mais representativas dos
empregadores e dos trabalhadores, o impacto das reformas e decidir se são
necessárias adaptações adequadas.
Ainda, como forma de
comprovar à OIT a existência de tripartismo efetivo, o Comitê impôs ao Brasil
que preparasse, em consulta com as organizações de empregadores e trabalhadores
mais representativas, um relatório a ser submetido ao Comitê de Peritos, para
posterior análise da entidade internacional.
O Governo Brasileiro,
presente na ocasião da divulgação dos resultados, reagiu contra o sistema
tripartite e o multilateralismo, desconsiderando o representante brasileiro
que, tanto a inclusão na “lista suja” quanto o relatório final de conclusão são
tomados por consenso tripartite e conforme relatório dos peritos da OIT.
A insurgência do
Brasil se deu por querer demonstrar, sem sucesso, o cumprimento integral das
normas da OIT, o respeito ao movimento sindical e aos trabalhadores, de modo
que apresentou tese de que a “Reforma trabalhista”, com a Lei nº 13.467/2017 e
normas subsequente, veio a aprimorar as relações de trabalho em atendimento das
normas internacionais. Para o governo, a questão estaria encerrada, nacional e
internacionalmente, e, a contragosto, terá de reabrir a discussão se quiser ser
considerado um país cumpridor dos pactos internacionais junto à OIT.
O Brasil segue em
observação até o cumprimento das recomendações, a serem analisadas nas próximas
conferências, a partir de 2020. Caso se confirme a inexistência de tripartismo
e o descumprimento da recomendação sobre a Convenção nº 98 da OIT, podem
ocorrer penalidades.
A Constituição da
OIT, após a reforma de 1946, não estabelece especificamente as sanções que
devem ser aplicadas aos Estados-membros, mas estipula, art. 33, que “Se um Estado-Membro não se conformar, no
prazo prescrito, com as recomendações eventualmente contidas no relatório da
Comissão de Inquérito, ou na decisão da Corte Internacional de Justiça, o
Conselho de Administração poderá recomendar à Conferência a adoção de qualquer
medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das mesmas
recomendações.”
Não há um rol
taxativo de sanções, mas a inobservância das obrigações internacionais impostas
pela OIT costuma ensejar “Advertência” por parte da Conferência aos
descumpridores de suas normas. Em regra, trata-se de sanção de ordem moral, com
impactos sociais e econômicos em âmbito internacional.
Em termos históricos,
o mecanismo sancionatório de ordem moral tem se mostrado bastante eficaz, como destaca
Süssekind (Direito internacional do trabalho, LTr, 2006, v.2, p. 1552), uma vez
que os delegados governamentais procuram defender os seus países das acusações
ou dúvidas arguidas sobre o descumprimento das referidas obrigações e da
divulgação internacional de seus países na lista de descumpridores. Algo que
ocorreu na 107 e na 108 CIT, com clara movimentação da Missão Brasileira na ONU
e do Secretário de Trabalho e Previdência, representantes do Brasil.
Há, ainda, a
possibilidade de a Conferência representar o Brasil à ONU, uma vez que o
Estado, de forma grave ou reiteradamente, encontra-se em desacordo e violando as
obrigações contraídas internacionalmente. Viola a Constituição da OIT e se
expõe a aplicação de outras sanções pelas Nações Unidas, conforme disposto nos
artigos 5º e 6º da Carta das Nações Unidas:
“Artigo 5º. O membro
das Nações Unidas contra o qual for levada a efeito qualquer ação preventiva ou
coercitiva por parte do Conselho de Segurança poderá ser suspenso do exercício
dos direitos e privilégios de membro pela Assembleia Geral, mediante
recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e
privilégios poderá ser restabelecido pelo Conselho de Segurança.
Artigo 6º. O membro
das Nações Unidas que houver violado persistentemente os princípios contidos na
presente Carta poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante
recomendação do Conselho de Segurança.”
De acordo com a Carta
da ONU, a Assembleia Geral é o órgão encarregado de discutir e fazer
recomendações sobre qualquer questão dentro das finalidades da ONU; considerar
princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e segurança
internacionais; elaborar recomendações sobre a solução pacífica de qualquer
litígio internacional; aprovar o orçamento da ONU; e eleger os membros não-permanentes
do Conselho de Segurança da ONU. Entidade que pode aprofundar a questão, caso o
Brasil resolva não cumprir a recomendação do Comitê de Aplicação de Normas da
OIT.
Ficou claro no
contexto que para os 183 países que integram a OIT, o descumprimento de normas
pelos estados que firmam tratados gera impactos econômicos e concorrência
desleal, viabilizando instabilidade econômica internacional e prejudicando os
países que mantêm seus pactos, conforme acordado na OIT. Algo confirmado pela
votação e consenso entre empregadores, trabalhadores e governos que inseriram o
Brasil na “lista suja”, maculando a imagem do governo e, também, prejudicando o
desenvolvimento nacional.
Clovis Renato Costa Farias
(Advogado, Professor Universitário, Assessor Técnico na OIT, membro do GRUPE e da EXCOLA)
segunda-feira, 8 de julho de 2019
domingo, 7 de julho de 2019
sexta-feira, 5 de julho de 2019
quarta-feira, 3 de julho de 2019
terça-feira, 2 de julho de 2019
Amor por J. Krishnamurti
"A necessidade de segurança nas relações gera inevitavelmente o sofrimento e o medo. Essa busca de segurança atrai a insegurança." (79)
"Em todo o mundo, certos homens chamados "santos" sempre sustentaram que olhar para uma mulher é pecaminoso; dizem que não podemos aproximar-nos de Deus se nos entregamos ao sexo e, por conseguinte, o negam, embora eles próprios se vejam devorados por ele. Mas,
negando o sexo, esses homens arrancam os próprios olhos, decepam a própria língua, uma vez que estão negando toda a beleza da Terra. Deixaram famintos os seus corações e a sua mente; são entes humanos "desidratados"; baniram a beleza, porque a beleza está ligada à mulher." (80)
"Assim, para examinarmos a questão do amor o que é o amor devemos primeiramente libertar-nos das incrustações dos séculos, lançar fora todos os ideais e ideologias sobre o que ele deve ou não deve ser. Dividir qualquer
coisa em o que deveria ser o que é é a maneira mais ilusória de enfrentar a vida.
Ora, como iremos saber o que é essa chama que denominamos amor - não a maneira de expressa-lo a outrem, porém o que ele próprio significa? Em primeiro lugar, rejeitarei tudo o que a Igreja, a sociedade, meus pais e amigos, todas as pessoas e todos os livros disseram a seu respeito, porque desejo descobrir por mim mesmo o que ele é. Eis um problema imenso, que interessa a toda a humanidade; há milhares de maneiras de defini-lo e eu próprio me vejo todo enredado neste ou naquele padrão, conforme a coisa que, no momento, me dá gosto ou prazer. Por conseguinte, para compreender o amor, não devo em primeiro lugar libertar-me de minhas inclinações e preconceitos? Vejo-me
confuso, dilacerado pelos meus próprios desejos e, assim, digo entre mim: "Primeiro, dissipa a tua confusão. Talvez
tenhas possibilidade de descobrir o que é o amor através do que ele não é." (81)
"O governo ordena: "Vai e mata, por amor à pátria!" Isso é amor? A religião preceitua: "Abandona o sexo, pelo amor de Deus". Isso é amor? O amor é desejo? Não digais que não. Para a maioria de nós, é; desejo acompanhado de prazer, prazer derivado dos sentidos, pelo apego e o preenchimento sexual. Não sou contrário ao sexo, mas vede o que ele implica. O que o sexo vos dá momentaneamente é o total abandono de vós mesmos, mas, depois, voltais à vossa agitação; por conseguinte, desejais a constante repetição desse estado livre de preocupação, de problema, do "eu". Dizeis que amais vossa esposa. Nesse amor está implicado o prazer sexual, o prazer de terdes uma pessoa em
casa para cuidar dos filhos e cozinhar. Dependeis dela; ela vos deu o seu corpo, suas emoções, seus incentivos, um certo sentimento de segurança e bem-estar. Um dia, ela vos abandona; aborrece-se ou foge com outro homem, e eis destruído todo o vosso equilíbrio emocional; essa perturbação, de que não gostais, chama-se ciúme. Nele existe sofrimento, ansiedade, ódio e violência. Por conseguinte, o que realmente estais dizendo é: "Enquanto me pertences, eu te amo; mas, tão logo deixes de pertencer-me, começo a odiar-te. 'Enquanto posso contar contigo para satisfação de minhas necessidades sociais e outras, amo-te, mas, tão logo deixes de atender às minhas necessidades, não gosto mais de ti'. Há, pois, antagonismo entre ambos, há separação, e quando vos sentis separados um do outro, não há amor. Mas, se puderdes viver com vossa esposa sem que o pensamento crie todos esses estados contraditórios, essas intermináveis contendas dentro de vós mesmos, talvez então - talvez- sabereis o que é o amor. Sereis então completamente livre, e ela também; ao passo que, se dela dependeis para os vossos prazeres, sois seu escravo. Portanto, quando uma pessoa ama, deve haver liberdade a pessoa deve estar livre, não só da outra, mas também de si própria.
No estado de pertencer a outro, de ser psicologicamente nutrido por outro, de outro depender em tudo isso existe sempre, necessariamente, a ansiedade, o medo, o ciúme, a culpa, e enquanto existe medo, não existe amor. A mente que se acha nas garras do sofrimento jamais conhecerá o amor; o sentimentalismo e a emotividade nada, absolutamente nada, têm que ver com o amor. Por conseguinte, o amor nada tem em comum com o prazer e o desejo." (82)
"O amor não é produto do pensamento, que é o passado. O pensamento não pode de modo nenhum cultivar o amor. O amor não se deixa cercar e enredar pelo ciúme; porque o ciúme vem do passado. O amor é sempre o presente ativo. Não é "amarei" ou "amei". Se conheceis o amor, não seguireis ninguém. O amor não obedece. Quando se ama, não há respeito nem desrespeito." (83)
"Não sabeis o que significa amar realmente alguém - amar sem ódio, sem ciúme, sem raiva, sem procurar interferir no que o outro faz ou pensa, sem condenar, sem comparar não sabeis o que isso significa? Quando há amor, há comparação? Quando amais alguém de todo o coração, com toda a vossa mente, todo o vosso corpo, todo o vosso ser, existe comparação? Quando vos abando-
nais completamente a esse amor, não existe "o outro".
O amor tem responsabilidades e deveres, e emprega tais palavras? Quando fazeis alguma coisa por dever, há nisso amor? No dever não há amor. A estrutura do dever, na qual o ente humano se vê aprisionado, o está destruindo. Enquanto sois obrigado a fazer uma coisa, porque é vosso dever fazê-la, não amais a coisa que estais fazendo. Quando há amor, não há dever nem responsabilidade." (83)
" Zelar, com efeito, é cuidar como se cuida de uma árvore ou de uma planta, regando-a, estudando as suas necessidades, escolhendo o solo mais adequado, trata-la com carinho e ternura; mas quando preparais os vossos filhos para se adaptarem à sociedade, os estais preparando para serem mortos. Se amásseis vossos filhos, não haveria guerras." (84)
"Mas, se desejais continuar a descobrir, vereis que o medo não é amor, a dependência não é amor, o ciúme não é
amor, a posse e o domínio não são amor, responsabilidade e dever não são amor, autocompaixão não é amor, a agonia de não ser amado não é amor, que o amor não é o oposto do ódio, como também a humildade não é o oposto da vaidade. Dessarte, se fordes capaz de eliminar tudo
isso, não à força, porém lavando-o assim como a chuva fina lava a poeira de muitos dias depositada numa folha, então, talvez, encontrareis aquela flor peregrina que o homem sempre buscou sequiosamente.
Se não tendes amor não em pequenas gotas, mas em abundância; se não estais transbordando de amor, o mundo irá ao desastre. Intelectualmente, sabeis que a unidade humana é a coisa essencial e que o amor constitui o único caminho para ela, mas quem pode ensinar-vos a amar?
Poderá uma autoridade, um método, um sistema ensinarvos a amar? Se alguém vo-lo ensina, isso não é amor." (85)
"Podeis dizer: "Eu me exercitarei para o amor. Sentar-me-ei todos os dias para refletir sobre ele. Exercitar-me-ei para ser bondoso, delicado e me forçarei a ser atencioso com os outros"? Achais que podeis disciplinar-vos para amar, que
podeis exercer a vontade para amar? Quando exerceis a vontade e a disciplina para amar, o amor vos foge pela janela. Pela prática de um certo método ou sistema de amar, podeis tornar-vos muito hábil, ou mais bondoso, ou entrar num estado de não-violência, mas nada disso tem algo em comum com o amor." (86)
"Neste mundo tão dividido e árido não há amor, porque o prazer e o desejo têm a máxima importância, e, todavia sem amor, vossa vida diária é sem significação. Também, não podeis ter o amor se não tendes a beleza. A beleza não é uma certa coisa que vedes - não é uma bela árvore, um belo quadro, um belo edifício ou uma bela mulher; só há beleza quando o vosso coração e a vossa mente sabem o que é o amor. Sem o amor e aquele percebimento da beleza, não há virtude, e sabeis muito bem que tudo o que fizerdes - melhorar a sociedade, alimentar os pobres - só criará mais malefício, porque, quando não há amor, só há fealdade e pobreza em vosso coração e vossa mente. Mas, quando há amor e beleza, tudo o que se faz é correto,
tudo o que se faz é ordem. Se sabeis amar, podeis fazer o que desejardes, porque o amor resolverá todos os outros problemas.
Alcançamos, assim, este ponto, poderá a mente encontrar o amor sem precisar de disciplina, de pensamento, de coerção, de nenhum livro, instrutor ou guia - encontra-lo assim como se encontra um belo por-de-sol?" (86)
"Uma coisa me parece absolutamente necessária: a paixão sem motivo, a paixão não resultante de compromisso ou ajustamento, a paixão que não é lascívia. O homem que não sabe o que é paixão jamais conhecerá o amor, porque o amor só pode existir quando a pessoa se desprende totalmente de si própria.
A mente que busca não é uma mente apaixonada, e não buscar o amor é a única maneira de encontra-lo; encontra-lo inesperadamente e não como resultado de qualquer esforço ou experiência. Esse amor, como vereis, não é do tempo; ele é tanto pessoal como impessoal, tanto um só como multidão. Como uma flor perfumosa, podeis aspirar-Ihe o perfume, ou passar por ele sem o notardes. Aquela
flor é para todos e para aquele que se curva para aspira-la profundamente a olha-la com deleite. Quer estejamos muito perto, no jardim, quer muito longe, isso é indiferente à flor, porque ela está cheia de seu perfume e pronta a reparti-lo com todos.
O amor é uma coisa nova, fresca, viva. Não tem ontem, nem amanhã. Está além da confusão do pensamento. Só a mente inocente sabe o que é o amor, e a mente inocente pode viver no mundo não inocente. Só é possível encontra-la, essa coisa maravilhosa que o homem sempre buscou sequiosamente por meio de sacrifícios, de adoração, das
relações, do sexo, de toda espécie de prazer e de dor, só é possível encontra-la quando o pensamento, alcançando a compreensão de si próprio, termina naturalmente. O amor não conhece oposto, não conhece conflito." (86)
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