2. A manifestação da AGU sobre a Portaria 208/2015 MEC e a Ação 5846/2015 da JFCE
Na
audiência, os membros da Advocacia Geral da União (AGU) apresentaram as
disposições da Portaria nº 208/2015 do MEC, que requer que os gestores adotem
as medidas necessárias para substituir os contratados pelas Fundações de Apoio
que prestam serviços em atividade permanente nos Hospitais Universitários
Federais geridos pela EBSERH, de forma a serem extintos os vínculos de
empregados, tidos por precários, com os mencionados hospitais, impondo o prazo
máximo de 31/12/2015.
Ademais,
dispuseram ao Procurador do Trabalho que, além da Portaria 208/2015, a UFC
estava tendo de cumprir decisão judicial da 4ª Vara Federal no Ceará, Processo
nº 0005846-78.2014.4.05.8100, proposta contra a UFC pelo Procurador da
República Marcelo Mesquita Monte (MPF/PR/CE), com trânsito em julgado em
22/10/2014, especificamente, nos seguintes termos:
“Cuida-se de ação civil pública por meio da
qual o Ministério Público Federal requer que a Universidade Federal do Ceará se
abstenha de interromper, suspender ou, de qualquer forma, reduzir as atividades
do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e da Maternidade Escola Assis
Chateaubriand (MEAC), cumprindo o estabelecido no Decreto nº 2.271/1997 e o Acórdão
2681/2011 do TCU, substituindo,
paulatinamente, no prazo máximo de 18 meses, todos os empregados terceirizados
que prestam serviços relacionados à atividade fim do HUWC e da MEAC por servidores concursados
e apresentando cronograma da referida substituição proporcional. Requer, por
fim, que a promovida apresente relatório expositivo de providências sobre a
substituição proporcional de empregados terceirizados por concursados nos
hospitais de que trata a presente ação.
[...]
Citada, a Universidade Federal do Ceará apresentou proposta de acordo para resolução da matéria objeto desta demanda,
[...]: substituição, de forma paulatina, face às peculiaridade (SIC) do serviço
hospitalar, de todos os empregados terceirizados que prestem serviços
relacionados à atividade fim dessas Unidades Gestoras por empregados concursados da EBSERH [...] Aduziu
que o saldo de contrato entre esta autarquia e a SAMEAC tornou-se insuficiente
para o período contratado, diante do crescimento da demanda de recursos humanos
para o bom funcionamento das unidades, fazendo-se necessária a prorrogação da
relação contratual com a SAMEAC durante o período de transição até a completa
substituição de todos os empregados terceirizados que prestam serviços
relacionados à atividade fim do HUWC e da MEAC por servidores concursados.
[...]
O Ministério Público Federal anuiu
com todos os termos da promessa em questão [...]
[...]
Ante o exposto, homologo o acordo firmado
pelas partes para que produza seus jurídicos e legais efeitos [...]” (grifou-se)
3. Pontos problemáticos na Ação Judicial do MPF
Nos termos
apresentados pela AGU, a situação da
dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV,
CF/88) dos obreiros envolvidos sequer foi mencionada, sendo os trabalhadores tornados
invisíveis, ainda que em um contexto de labor que perdura em uma relação jurídica
de 51 (cinquenta e um) anos.
No acordo proposto
e aceito pelo MPF não houve qualquer
menção à condição de possível irregularidade da EBSERH, nos termos propostos
pelo próprio Ministério Público da União na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 4.895) em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF)
ou sobre a viabilidade de realização de convênios envolvendo os empregados da
SAMEAC prejudicados ou de contratação da SAMEAC via EBSERH, nos termos das
parcerias que já estão sendo firmados pela EBSERH.
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Esclarecimentos aos trabalhadores após a audiência |
Os trabalhadores, simplesmente, foram
desconsiderados, tornados inexistentes, invisibilizados, com prejuízos inquestionáveis
para a Dignidade da Pessoa Humana, para o Valor Social do Trabalho, para os
Direitos Humanos, em sua maioria (60% a 70%) com possibilidade de aposentadoria
próxima.
Há trabalhadores que laboram no Complexo Hospitalar
em condições insalubres há mais de trinta anos, estando prevista a
possibilidade de aposentadoria especial aos 25 (vinte e cinco) anos de
trabalho/contribuição.
Assim, o Poder Judiciário, o MPF/CE, a
AGU e a UFC desconsideraram totalmente a dignidade das pessoas.
Questiona-se
como o Poder Judiciário aceitou que fosse trocado
o objeto da ação que propunha contratação de servidores públicos concursados
por empregados públicos, celetistas, sem estabilidade e em relação
pejutizada, que continua a terceirizar atividade fim dos Hospitais Públicos
(HUWC e MEAC).
Houve grande
prejuízo à legalidade (art. 37, CF/88) e ao Devido Processo Legal (art. 5º, LIV,
CF/88), com a modificação do objeto (servidores concursados/estatutários/estáveis
por celetistas/concursados/não estáveis), e perecimento da imposição da prestação
de serviços públicos por servidores estatutários.
Manteve-se a
situação nos mesmos moldes com a EBSERH, como enfrentado pelo Procurador Geral da
República na ADI 4.895/2013, aliviando aparentemente a situação de reconhecida
ilegalidade pela União (demarcada na proposta de acordo), sem, contudo,
considerar os trabalhadores históricos da SAMEAC, os quais estão sendo
ameaçados de despedida coletiva até 31 de dezembro.
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Esclarecimentos aos trabalhadores no Complexo Universitário |
O valor
social do trabalho e a dignidade da pessoa humana foram ignorados, incluindo-se
a Ordem Social (art. 193, CF/88), a Ordem Econômica e os direitos fundamentais
dos trabalhadores (art. 7º, CF/88):
“Art. 1º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
[...]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais.” (grifou-se)
Relembre-se
que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), como o próprio nome
ressalta, é uma “empresa” integrante da Ordem Econômica e, como o tipo de
prestação de serviços pela SAMEAC, encontra-se questionada quanto à sua
constitucionalidade.
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Trabalhadores atentos sobre ações que possam visibilizar e sensibilizar a sociedade e o Poder Público |
Nesse
compasso, a União e a UFC continuam praticando terceirização em atividade fim,
engendraram a EBSERH, com constitucionalidade questionada no STF, e estão a
destruir a vida de trabalhadores e trabalhadoras que prestaram serviços por
mais de cinquenta anos, como no caso da SAMEAC.
Em tal
contexto, concorda-se com o Procurador Geral da República, nos moldes propostos
da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4.895/2013 manejada pelo PGR junto
ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a EBSERH, especialmente ao afirmar que
“A saúde pública é serviço a ser executado pelo Poder Público, mediante Sistema
Único de Saúde, com funções distribuídas entre União, Estados, Municípios e
Distrito Federal. A Iniciativa Privada está fora do SUS”, como se observa:
“Na ação, a Procuradoria Geral da República
sustenta que a Lei 12.550/2011 é
inconstitucional por violar os artigos 37, caput, inciso II e XIX; 39; 173,
parágrafo 1º; 198; e 207, todos da Constituição da República. A PGR explica que
a lei em questão repete, quase que integralmente, o texto da Medida Provisória
nº 520/2010, que perdeu sua eficácia por decurso de prazo em junho de 2011. A
PGR destaca que foram propostas duas ADIs contra a MP 520 (Medida Provisória no
520, de 3 de junho de 1994 - Dá nova redação a dispositivos das Leis nºs 8.849,
de 28 de janeiro de 1994, e 8.541, de 23 de dezembro de 1992, que alteram a
legislação do Imposto de Renda, e dá outras providências).
[...]
No parecer pela procedência, a PGR
argumenta que só caberia à Constituição promover restrição legal e
administrativa à organização e funcionamento das universidades públicas. No
documento, a Procuradoria Geral da República afirma que criou-se um híbrido
funcional, sem qualquer sentido, em que técnicos administrativos poderão se
sobrepor a acadêmicos altamente titulados no exercício mister que envolve
preponderantemente atividades de ensino.
Para a PGR, na prática a atuação da EBSERH
avoca a administração de hospitais universitários, interferindo diretamente no
perfil dos cursos de medicina e no direcionamento das suas atividades de
ensino, pesquisa e extensão. No caso dos hospitais universitários, estes têm
função primordial o ensino da prática da medicina aos estudantes e
transferindo-se a gestão das mãos dos acadêmicos para os técnicos
administrativos celetistas, a tendência é que as práticas dos hospitais
universitários sofram uma guinada em sua finalidade, criando-se um descompasso
entre o ensino teórico e as práticas da medicina.”[3] (grifou-se)
Diante de
tal contexto, visualiza-se a manutenção da situação anterior, estando a EBSERH
e a SAMEAC prestando serviços, em verdade, nas mesmas proporções, o que se
agrava diante do descarte que a Portaria nº 208/2015 pretende dar nos mais de
setecentos trabalhadores da SAMEAC, sem proposta de qualquer manutenção dos vínculos
celetistas.
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Clovis Renato informa a problemática aos empregados da SAMEAC na UFC |
4. Possibilidades jurídicas favoráveis aos trabalhadores da SAMEAC no caso da Ação Judicial da 4ª Vara Federal do Ceará
Com relação a Ação
na JFCE, percebe-se que ainda há vias processuais manejáveis, para anular a decisão, tais como a ação declaratória de nulidade e a Ação Rescisória, nos
termos do Código de Processo Civil, destaca-se sobre a possibilidade de rescisão:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada
em julgado, pode ser rescindida quando:
[...]
V - violar literal disposição de lei;
[...]
Art. 487. Tem legitimidade para propor a
ação:
[...]
II - o terceiro juridicamente interessado;
[...]
§ 2o É indispensável, num como
noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial
sobre o fato.
[...]
Art. 489. O ajuizamento da ação rescisória
não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a
concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de
medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tutela.
[...]
Art. 495. O direito de propor ação
rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da
decisão.”
Ademais, não consta na decisão a imposição de custas, honorários ou penalizações por descumprimento, o que dá uma margem de negociação com o autor da ação, MPF, uma vez que, em regra, a execução das decisões é uma faculdade da parte vencedora (MPF/Procurador da República), bem como não se trata de obrigação de pagar, mas de fazer (art. 461, § 3º a 6º, Código de Processo Civil) para a qual o juiz ou as partes não fixaram multa por descumprimento na decisão.
Outro ponto importante, é o Princípio da Unidade, que, conforme
definição do próprio MPF (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. Membros do MPF. Net: http://www.pgr.mpf.mp.br/conheca-o-mpf/procuradores-e-procuradorias),
pelo princípio da unidade, os procuradores integram um só órgão e a manifestação de qualquer membro vale como
posicionamento de todo o Ministério Público. Ao mesmo tempo, o princípio da
indivisibilidade assegura que os membros não fiquem vinculados aos processos
nos quais atuam, podendo ser substituídos por outros, nos termos postados na
Constituição de 1988 e da LC 75/93:
“CF/88
Art. 127. O Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - São princípios
institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional.
Lei Complementar nº 75, de
20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto
do Ministério Público da União.
Art. 4º São princípios
institucionais do Ministério Público da União a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional.”
O Procurador da República deveria ter
negado o acordo da UFC, substituindo o pedido inicial de substituição dos
integrantes da SAMEAC por servidores públicos concursados, estatutários, por
concursados da Empresa (EBSERH), celetistas, nos mesmos moldes dos
trabalhadores da SAMEAC, em atendimento
ao Princípio da Unidade, uma vez que o Procurador Geral da República, Chefe do
Ministério Público da União (art. 25, Lei Complementar nº 75/93 – Lei
Orgânica do MP), está combatendo a EBSERH, questionando sua constitucionalidade
no STF, desde 2013, tendo, inclusive, pedido liminar, com efeitos contra todos,
para suspender a implantação da EBESERH até decisão final (o acordo firmado pelo MPF/Ceará foi em 2014).
Nesse passo,
torna-se clara mais uma incongruência do acordo firmado na 4ª Vara Federal e
homologado pelo magistrado, sendo passível de questionamentos, também, no
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Destacando-se que tal Unidade deve ser seguida por todos os membros do Ministério Público, em especial, os do MPU, compreendido pelos Ministério Público Federal; Ministério Público do Trabalho; Ministério Público Militar; Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Ressalta-se,
importante o papel da SAMEAC e dos Sindicatos Representativos, tanto dos servidores públicos,
diante da modificação do objeto com prejuízo para novos concursos públicos para
servidores estatutários, quanto das entidades representativas dos empregados celetistas
integrantes da SAMEAC, diante dos inquestionáveis prejuízos para seus
representados, rudemente desconsiderados na decisão. A decisão mencionada teve trânsito
em julgado em 22/10/2014, estendendo-se o prazo até 2016.
5. Encaminhamentos finais da Audiência no MPT/MPU
Quanto ao
correr da audiência no MPT, dia 24/04, após certa celeuma quanto à aceitação da
participação dos advogados, com procuração de dezenas de trabalhadores, em face
das entidades representativas, encaminhou-se que tal participação constaria em
ata, respeitando as falas dos advogados que assinaram, inclusive, o documento,
e a atuação seria melhor definida pelo Procurador do Trabalho na audiência
seguinte, marcada para o dia 05/06/2015, às 14h.
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Luta até o fim pelos trabalhadores |
Restou claro
que a SAMEAC não tem capital, nem patrimônio, para quitar eventuais verbas
rescisórias, que giram em torno de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), estando
a depender totalmente da UFC.
A AGU demarcou,
nos termos da Ata de Audiência do MPT, que “[...] a União vem acompanhando o desenrolar dos fatos advindos da substituição
da prestação de serviços do modelo em que está inserida a SAMEAC pelo modelo de
gestão hospitalar que será executada pela EBSERH; que a União sabe da problemática
que envolve a ausência de recursos por parte de entidades como a SAMEAC,
contudo a representação ora presente não tem como dispor que providências serão
realizadas pelo Estado neste tocante [...]”.
O Procurador
afirmou que iria acompanhar de perto as demissões e o aporte de recursos, para
evitar maiores prejuízos aos trabalhadores.
Por fim,
restou o temor quanto à questão do fim dos contratos da UFC com a SAMEAC,
previstos para julho e agosto de 2015, especialmente, quanto a manutenção dos vínculos
com a SAMEAC, que não tem condições de arcar com as rescisões e a
responsabilidade da União/UFC quanto a tais términos dos contratos de trabalho.
Os advogados
contratados para agir extrajudicialmente, de forma direta pelos trabalhadores, Clovis Renato e Thiago Pinheiro,
uniram-se aos pleitos das entidades sindicais, acrescentando que acham
imprescindível a afirmação da tese de responsabilização da União e da UFC por
danos que estão a causar a toda a coletividade de trabalhadores da SAMEAC.
Clovis Renato Costa Farias
Doutorando em Direito pela UFC
Advogado dos Trabalhadores
Bolsista da CAPES
Professor Universitário
Membro do GRUPE