Para
aqueles que não estão preocupados apenas em melhorar esta forma de sociedade,
mas querem construir um mundo livre das desigualdades sociais, participar ou
não do processo eleitoral não é uma questão de princípio. O importante é
analisar a situação concreta e verificar se a participação pode ser um
instrumento, ainda que indireto, nessa luta pela transformação radical do
mundo.
A situação
concreta
Como
resultado da trajetória histórica dos últimos cento e cinqüenta anos, a luta
pela mudança do mundo encontra-se, hoje, em uma situação extremamente difícil.
Ao longo destes anos, muitas foram as batalhas travadas entre o capital e o
trabalho. Infelizmente, não obstante vitórias pontuais do trabalho, o que
predominou foram as vitórias do capital.
Porém, algo
mais grave aconteceu. Ao longo dessa trajetória, a perspectiva do trabalho, que
é a de superar inteiramente o capital, foi perdendo, cada vez mais, a sua
especificidade, o seu caráter radicalmente revolucionário e se tornando sempre
mais reformista.
Para os
revolucionários socialistas, Marx à frente, era claro que a tarefa de mudar o
mundo repousava sobre os ombros das classes subalternas. Essas, reunidas ao
redor da classe trabalhadora, deveriam organizar-se de maneira independente do
Estado, lançar-se à luta e nesse processo ir criando uma consciência cada vez
mais clara dos seus objetivos. Para eles, estava meridianamente claro que a
transformação do mundo seria obra das classes subalternas organizadas e
conscientes e jamais do Estado. Portanto, que o eixo da luta revolucionária
nunca poderia ser o parlamento e o Estado. O objetivo não poderia ser a tomada
do poder, para, por meio dele, conduzir a mudança do mundo. A tomada do poder
seria apenas um primeiro momento, que criaria as condições para que a “alma
social”, ou seja, as mudanças concretas nas relações de trabalho – a
instauração de uma forma de trabalho comandada de modo consciente, livre e
coletivo pelos próprios trabalhadores – pudesse se manifestar plenamente.
Eles
sabiam que o Estado sempre seria, em essência, um instrumento das classes
dominantes e que, portanto, jamais poderia ser simplesmente conquistado,
reformado e posto a serviço das classes subalternas. Sabiam que, por mais
desenvolvido que fosse o sistema democrático, ele só poderia admitir a
participação dos trabalhadores na medida em que aceitassem os limites impostos
pela propriedade privada. Sabiam, também, que o Estado não é composto apenas do
legislativo e do executivo, mas também do sistema judiciário, administrativo e
repressivo. Que, portanto, mesmo se houvesse possibilidade de ocupar o
executivo e ter maioria no legislativo, ainda assim, os trabalhadores estariam
longe de ter efetivamente o poder do Estado em suas mãos. Sabiam, além disso,
que o sistema político-eleitoral é a melhor forma de iludir e desmobilizar a
população, pois a leva a acreditar que o poder está em suas mãos, quando, de
fato, ele jamais escapa ao controle das classes dominantes. No entanto, embora
não tendo ilusões quanto ao sistema democrático burguês, tinham claro que a
democracia é o melhor espaço para levar a luta do trabalho contra o capital até
o seu fim. Por isso mesmo, para eles, a democracia jamais poderia ser suprimida
por decreto. A democracia só poderia extinguir-se quando entrasse em cena uma forma
superior de liberdade. E esta seria, necessariamente, fundada no trabalho
associado. Assim como o trabalho abstrato é o fundamento do modo de produção
capitalista, o trabalho associado é o fundamento da livre associação dos
trabalhadores associados, outro nome para o modo de produção comunista.