Madalena
Guasco *
Quando
derrubamos a ditadura militar, em meados da década de 1980, apenas 11% dos jovens de 18 a 24 anos estavam na
educação superior. Durante a década de 1990, as instituições de educação
superior pública passaram por enormes dificuldades, diminuindo inclusive o seu
montante.
A oferta da educação superior ficou nas mãos
do setor privado, principalmente mercantil e lucrativo, que, com a ajuda dos
privatistas do governo FHC, ficou durante dez anos sem a mínima regulamentação,
liberado para obter lucro em detrimento da qualidade.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) aprovada em
1996, já sob influência do neoliberalismo, colocou determinações diferentes
para a educação pública e a privada, como, por exemplo, a exigência de plano de
carreira apenas para os profissionais da educação pública e regras democráticas
e participativas apenas nas instituições públicas.
A LDB criou ainda o contrassenso de
universidades por área de saber, sem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão. Criou também a possibilidade de cinco tipos de instituições de
educação superior: universidades, centros universitários, faculdades isoladas,
faculdades integradas e institutos superiores, exigindo ainda que apenas um
terço do corpo docente das instituições universitárias tivessem titulação e
apenas um terço com contrato de período parcial e integral.
A autonomia universitária, por portaria
ministerial, no período FHC, foi estendida aos centros universitários; a
avaliação se restringia ao provão e não havia qualquer regulamentação quanto à
relação mantenedora/ mantida.
Foram regulamentados vários tipos de cursos de
curta duração, com ampla atuação dos representantes do governo para diminuir
também as exigências regulatórias das várias graduações e licenciaturas. O
ensino a distância proliferava, sem que existisse a mínima regulação.
Todas
estas medidas foram tomadas tendo como política o incentivo à proliferação das instituições privadas. O próprio PNE
2000/2010 previa a ampliação de 30% das vagas para o ensino superior,
principalmente pela expansão da educação privada.
Logo no
início do governo Lula, tendo à frente do Ministério da Educação (MEC) o
ministro Tarso Genro, iniciou-se um diálogo com as entidades nacionais de
educação para elaborar um projeto de reforma da educação superior. O PL 7.200/2006, construído de forma
democrática – mas hoje engavetado no Congresso Nacional –, propunha uma
modificação no capítulo de educação superior da LDB.
Destaco
desse projeto os seguintes pontos: regulamentação
da relação entre mantenedoras e mantidas, com exigências específicas para as
mantenedoras (como, por exemplo, não poder ter mais que 30 % de capital
internacional); instauração de um conselho para todas as mantenedoras,
estabelecendo o perfil dos conselheiros; regras democráticas para as
instituições públicas e privadas; fim das universidades sem pesquisa e sem
extensão e que não tivessem, pelo menos, quatro cursos de pós-graduação stricto
sensu; retirada da autonomia dos centros universitários e exigência de, pelo
menos, duas pós-graduações stricto sensu; aumento dos índices de qualificação
docente – através do número de docentes titulados, aumentando a proporção de
doutores – bem como de contratos de tempo integral.
No
primeiro mandato do presidente Lula, foi aprovado o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). Muito mais
completo do que o anterior, o qual só avaliava os alunos (provão), o sistema
representou um avanço na concepção de avaliação, porque envolve todos os
elementos da educação superior: curso, alunos (através do Enade), além de
avaliação constitucional e autoavaliação.
A lei do
Sinaes garante participação democrática no processo de elaboração dos
instrumentos, dos critérios de avaliação e no acompanhamento dos seus
resultados trienais, criando a Conaes (Comissão Nacional de Avaliação da
Educação Superior), constituída por representante de docentes, estudantes,
técnicos administrativos, pesquisadores na área da avaliação e representantes
das secretarias do MEC e do Inep.
O Sinaes
vem sendo colocado em prática e aperfeiçoado desde então e tem trazido certa
regulamentação, principalmente da educação superior privada. À medida que
estabelece elementos na avaliação que acarretam necessidades de investimento em
pessoal e critérios de qualidade que precisam ser observados, o Sinaes gera
processos para supervisão e termos de compromisso assinados pelas instituições,
podendo levar ao descredenciamento e à proibição de vestibular dos cursos
mal-avaliados.
Durante os dois mandatos de Lula, a rede privada
continuou crescendo. No entanto, a rede pública de educação superior também
aumentou consideravelmente. O Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais) trouxe um expressivo crescimento não
somente das universidades federais, mas também de campi no interior do país. De 2003 a 2010 houve um salto de 45 para 59
universidades federais, o que representa a ampliação de 31%, e de 148 campi
para 274 campi/unidade, crescimento de 85%. A interiorização também proporcionou uma expansão no país quando se
elevou de 114 para 272 o número de municípios atendidos por universidades
federais, um crescimento de 102%.
Através das universidades federais, a
Universidade Aberta do Brasil oferece cursos superiores a distância,
principalmente de licenciatura.
Mesmo
assim, o índice de inclusão de jovens de
18 a 24 anos no ensino superior é muito baixo no Brasil. E em 2012, quase três
décadas após a derrubada da ditadura e depois de toda a expansão privatista da
década de 1990 e da expansão da educação pública realizada durante as duas
gestões de Lula, incluímos ainda cerca de apenas 15% dos jovens nessa faixa
etária.
Fez parte
da campanha de Lula a criação de programas de inclusão na educação superior.
Logo no
início de seu mandato, entrou em tramitação o ProUni. Inicialmente com bolsa
integral em qualquer curso nas instituições filantrópicas, o projeto foi
alterado para um programa que oferece a possibilidade de bolsas integrais e
parciais em qualquer curso, tanto em instituições filantrópicas como com fins
lucrativos, sendo destinado a pessoas de baixa renda que estudaram em escola
pública e realizaram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
O Enem passou a ser utilizado para o ingresso
na educação superior pública, o que democratizou o acesso a essas instituições
através do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), contribuindo também para
terminar com as vagas ociosas até então existentes.
A política de cotas também passou a ser
implementada em várias instituições durante as gestões de Lula, o que
fortaleceu a participação dos movimentos sociais, em particular o movimento
negro.
Têm enorme
importância essas políticas de inclusão
para a educação superior brasileira, assim como é inegável a relevância do ProUni para a democratização do acesso, em que
pese, contraditoriamente, ter contribuído também para o aumento da margem de
lucro das instituições empresariais que passaram a ter isenção dos impostos.
O mesmo
acontece com o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que foi ampliado e
facilitado, garantindo a milhares de pessoas a possibilidade de frequentar um
curso superior. Todavia, para a rede
privada mercantil, o Fies representa inadimplência próxima a zero e, portanto,
contribui para tornar o negócio da educação atrativo.
Não foi ao
acaso que, a partir de 2005, grupos
internacionais de capital aberto passaram a adquirir instituições de educação
superior no Brasil, atraídos pelos incentivos e pelo baixo risco do “negócio”.
A gestão Dilma Rousseff continuou desenvolvendo o
ProUni e o Fies, mas, buscando melhorar a capacidade de regulação e supervisão
da educação superior privada, criou no MEC uma Secretaria de Regulação. Por
iniciativa do Executivo, está tramitando no Congresso Nacional um projeto de
lei que busca criar uma autarquia – o Insaes (Instituto Nacional de Supervisão
e Avaliação da Educação Superior) – cujo objetivo é fortalecer a avaliação, a
regulação e a supervisão desse nível de ensino, aumentando a capacidade de
atuação do Estado no sistema.
No início
de sua gestão, após o término da 1ª Conferência Nacional de Educação, foi
instituído o Fórum Nacional de Educação, órgão amplo e democrático cuja
finalidade é acompanhar a tramitação das políticas públicas em educação, em
particular a tramitação do PNE, e posterior implementação de suas metas.
Durante a
gestão Dilma, foi aprovado o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego), que amplia o acesso à educação profissional e tecnológica.
Faz parte do Pronatec a ampliação e o fortalecimento da educação tecnológica
pública, embora também represente um aporte enorme de recursos públicos para o
setor privado. O programa envolve o chamado Sistema S, que conseguiu, durante a
tramitação do projeto, retirar as principais regulamentações quanto à exigência
da contratação de professores/as e a prévia aprovação dos projetos pedagógicos
dos cursos.
Atualmente,
Dilma ampliou ainda mais o programa, abrindo-o para instituições que oferecem
cursos profissionalizantes e também para instituições de educação superior. A
ampliação ocorre por pressão do empresariado de educação e não garante formação
de qualidade ou tampouco está ligada a projetos de desenvolvimento local.
Todavia, o mérito do Pronatec é propiciar a ampliação das vagas públicas de
educação profissional e técnica e o atendimento desse tipo de formação aos
estudantes do ensino médio público, abrindo a possibilidade de, em convênio com
o Ministério da Educação, as secretarias estaduais oferecerem em suas redes
educação profissionalizante que de fato auxilie o desenvolvimento local e seja
de qualidade.
Foi criado
ainda o programa Ciência Sem Fronteiras, que oferece a oportunidade aos jovens
de estudarem graduação e pós-graduação em instituições estrangeiras, visando
formar quadros e pesquisadores, principalmente em áreas de ponta.
No governo
Dilma também tem sido feito um esforço por parte do MEC para a indução de
criação de novos cursos de engenharia e de medicina e licenciatura em áreas de
exatas, que passaram a ser oferecidos também nos institutos federais.
Diante
desse quadro, é nítida a preocupação com a educação superior e
técnico-profissionalizante como instrumento de desenvolvimento estratégico do
Brasil, algo que havia sido banido durante o período neoliberal. Também são
evidentes os esforços para expandir o acesso ao setor, fazendo jus à máxima
constitucional de que a educação é um direito de todos.
Ainda
assim, é preciso lutar para eliminar o
pensamento mercantilista em torno da educação, que tenta transformá-la em
mercadoria, fortalecendo a educação pública, gratuita e de qualidade e garantindo
a regulamentação da educação privada, com as mesmas exigências legais aplicadas
à educação pública.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/mg/coluna.php?id_coluna_texto=6229&id_coluna=96
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