Universidades
no mundo todo se reinventam. Mas na maior do Brasil falta aula e sobra gritaria
São Paulo
- Nunca tantas pessoas frequentaram universidades. um antigo sonho das classes
emergentes está se tornando realidade para milhões de estudantes de todo o
mundo. Cerca de 3,5 milhões de americanos e 5 milhões de europeus acabaram de
receber seu diploma.
Segundo a
revista britânica The Economist, 30 milhões de chineses ingressaram no ensino
superior nos últimos 20 anos. No Brasil,
o número de universitários dobrou em uma década, superando os 7 milhões. A
democratização do acesso à universidade é o lado bom da história.
O ruim é
que esses muitos milhões de jovens
esperançosos no futuro passaram a fazer parte de uma instituição do passado.
Assim como a indústria da música, o mercado de filmes e o de jornais, a
universidade passa por um momento crítico de ruptura.
O conteúdo
e a forma do que vem sendo ensinado hoje aos profissionais do amanhã estão,
rapidamente, tornando-se anacrônicos. A velha cátedra está desmoronando.
Pode
culpar a tecnologia. Vai ficar cada vez mais difícil convencer alguém a pagar
uma fortuna por um curso universitário, ministrado por professores
desconhecidos, em salas de aula lotadas, quando é possível frequentar
remotamente as aulas de estrelas de Harvard, de Oxford e do MIT.
A educação superior está se tornando um
negócio global — e pode até ser bem barata. A plataforma digital de distribuição de cursos universitários Coursera
foi criada há dois anos por professores de computação de Stanford, na
Califórnia. Hoje, oferece cursos de mais de 80 instituições de primeira linha
espalhadas pelo mundo e tem 8 milhões de usuários registrados.
Os cursos são gratuitos. Mas, por taxas de 30 a 100 dólares, os alunos
recebem certificados oficiais. A Harvard Business School, uma das mais
reputadas escolas de negócios do mundo, já oferece MBA online por 1 500 dólares.
Pode culpar, também, os altos custos do setor.
Nos Estados Unidos, a inflação da educação superior ficou 1,6 ponto percentual
acima da inflação anual nas duas últimas décadas. Está ficando caro demais para
os emergentes de lá, que, após a formatura, não conseguem emprego com salário
suficientemente alto para pagar o financiamento estudantil.
Vale a pena? É a pergunta que cada vez mais se
escuta.
A última, e não menos devastadora, das pragas do Egito a recair sobre o mundo
universitário é a mudança radical no mercado de trabalho. Profissões surgem e
desaparecem sem que os currículos e os cursos consigam se adaptar.
Ninguém arrisca dizer que essas mudanças serão
fortes o suficiente para matar as melhores universidades do mundo, instituições
em que a possibilidade de construir uma rede de contatos de alta qualidade
talvez seja um benefício maior do que o conteúdo disseminado. O maior perigo recai sobre as instituições ruins, onde ensinar e
aprender são práticas quase irrelevantes.
Nessa
matéria, o Brasil, embora esteja num
estágio anterior ao dos países desenvolvidos, vem gabaritando. As universidades
— sobretudo as públicas, antigos orgulhos nacionais — desconectaram-se do
tempo.
Basta ver
o que acontece, hoje, com a maior e mais importante instituição de ensino
superior do país, a Universidade de São Paulo. No momento em que este artigo era redigido, a USP completava 80 dias de
paralisação, com direito a cenas explícitas de pancadaria num enfrentamento
entre policiais e funcionários grevistas.
A USP tem 92 000 alunos, 6 000 professores e 17 000 funcionários “técnico-administrativos”, que pedem salários maiores e
aproveitam para exercitar um ativismo modelo anos 70 que nunca sai de moda na
Cidade Universitária.
Se fosse uma empresa, estaria falida.
Sua folha de pagamentos corresponde a 105% de um orçamento que, neste ano,
deverá chegar a 5 bilhões de reais.
São
recursos que saem do bolso de todos os paulistas — ricos ou pobres, doutores ou
analfabetos. A USP sobrevive graças a um
repasse de 5% do ICMS arrecadado. É um monte de dinheiro, que tem sido
insuficiente para manter a qualidade do que é ensinado.
A USP é a única sul-americana na lista das 100
melhores do mundo no ranking da revista britânica especializada Times Higher
Education — mas sua reputação internacional segue uma trajetória
consistentemente decadente.
Enquanto a
instituição universidade tenta se reinventar e se adaptar ao século 21, num
mundo em que qualquer pessoa com um computador pode ter aulas grátis com os
melhores mestres, na USP o primeiro semestre letivo ainda não terminou. Falta
aula, falta dinheiro e sobram gritaria e jogo político. A tragédia está
anunciada.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1072/noticias/uma-tragedia-anunciada
Nenhum comentário:
Postar um comentário