Em reunião com deputados relatores do projeto do novo Código
de Processo Civil (NCPC), 20 dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) indicaram os pontos que consideram críticos do texto em tramitação na
Câmara dos Deputados. Um dos principais alertas foi em relação à expectativa de
que o NCPC venha a ser um instrumento de agilização processual, que não seria
realista.
"Não acredito que a simples mudança na lei
processual possa representar uma mudança significativa em termos de duração do
processo. O que precisa ocorrer é uma redução no número de litígios, criar
mecanismos judiciais que tornem desnecessário repetir tantas vezes o mesmo
julgamento. Isso sim reduz o tempo da prestação jurisdicional e inibe a
judicialização demasiada que ocorre hoje", alertou o ministro Teori
Zavascki.
Autoridade dos julgados
Zavascki também apontou que a oportunidade de elaborar um
código legal é rara, já que essas normas são feitas para durar e dar novos
caminhos para o futuro. Segundo o ministro, o texto, até o momento, preocupa-se
mais em consolidar do que em renovar o sistema.
"O projeto atende em parte a essa necessidade de
redução dos litígios, mas nós podemos avançar mais. Tivemos hoje aqui várias
ideias nesse sentido, de prestar mais autoridade às decisões já tomadas e
inibir o aparecimento de novas ações", avaliou. "Não dá para pensar
em processo atualmente sem considerar as ações coletivas", concluiu.
Ações coletivas
A preocupação com os processos de massa também foi
tratada pelo ministro Sidnei Beneti. Ele apontou que uma questão sobre planos
econômicos soma milhares de ações individuais e centenas de coletivas. Para o
ministro, é preciso avançar para procedimentos que inibam o ingresso de outras
ações individuais ou coletivas sobre os mesmos temas e que formem teses em
tribunais superiores de forma rápida, definitiva e por salto.
Segundo Beneti, é necessário "desjudicializar"
processos como execução e vincular de forma capilar a administração pública às
decisões jurisprudenciais, de modo a evitar, também, a dispersão
jurisprudencial. Para ele, ao evitar abordar as ações repetitivas, o texto do
NCPC corre o risco de não dar celeridade aos procedimentos nem limpar a massa
de lides "a varejo".
Garantismo fiscal
O ministro Cesar Asfor Rocha ressaltou sua preocupação
com o excesso de poder do estado contra o contribuinte. Para o decano do STJ,
nem tudo que o estado postula traduz interesse público, e há distorções claras
no sistema.
Ele, que considera as regras constitucionais uma
conquista da civilização, sustentou que a fazenda pública, hoje, não precisa de
benefícios de prazo, por exemplo. Em sua avaliação, o estado já é poderoso, e
quem precisa de proteção é a pessoa.
Paridade de armas
Preocupação similar esteve presente nas observações do
ministro Herman Benjamin. "A proteção dos sujeitos vulneráveis define o
estado social", afirmou. "Portanto, o NCPC, ao contrário do vigente,
não pode tratar as partes como se fossem iguais. É fundamental que isso esteja
reproduzido no ônus da prova e na paridade de armas", completou.
"Via de regra, o processo só é benéfico para quem
tem recursos financeiros, bons advogados, uma banca de advocacia à sua
disposição 24 horas por dia, todos os dias do ano. É fundamental essa mudança
de perspectiva, no sentido de assegurar a paridade de armas", afirmou.
"É uma aberração da liberdade processual a juntada
de cinco pareceres, dos melhores especialistas do país, em um processo em que a
outra parte sequer tem um advogado para fazer sustentação oral. Ou que
memoriais sejam apresentados no último momento, sem conhecimento da parte
contrária, e esses memoriais e pareceres sejam citados nas sustentações orais e
nos votos dos relatores", criticou Benjamin.
"Isso desestrutura a paridade e o próprio sentido de
justiça da processualística, que deve gerir a prestação jurisdicional",
asseverou. "O texto do NCPC está passando por um debate amplo e essa
questão da paridade de armas e proteção aos vulneráveis está muito clara no
encaminhamento dado pela comissão", concluiu o ministro.
Litígio e conciliação
O relator geral da Comissão Especial da Câmara para o
CPC, deputado Sérgio Barradas Carneiro, apresentou, ao lado do relator
substituto, deputado Paulo Teixeira, os principais pontos alterados pelos
deputados em relação à proposta aprovada no Senado Federal.
Para Carneiro, o texto traz celeridade sem atropelar
direitos. Ele acredita que a mudança legislativa é só uma parte das medidas a
serem tomadas pela sociedade, que precisa enfrentar as dificuldades de
infraestrutura da primeira instância da Justiça e a mentalidade dos operadores
do direito, que ainda se focam, desde a graduação, no litígio e não na
conciliação. Ele apontou ainda que uma lei nunca é a ideal, mas a possível.
O deputado Teixeira afirmou que o NCPC precisa se adequar
a uma sociedade contemporânea e complexa, em que mais de 40 milhões de pessoas
ascenderam socialmente, fenômeno que deve pressionar ainda mais a demanda
judicial. Ele apontou como alterações necessárias, mas ainda não contempladas,
a remuneração dos advogados pelas conciliações e não só pelos litígios. Para
Teixeira, o Judiciário é responsabilizado por falhas que não são dele.
"Eu esperava uma posição mais defensiva da Corte,
mas encontramos uma exigência forte por instrumentos modernos para o
Judiciário. Saio muito realizado daqui. Espero que consigamos convencer a todos
da adoção desses mecanismos no NCPC", afirmou Teixeira.
Destaques
Entre os destaques eleitos por Carneiro, estão a criação
de um incidente para resolução de lides repetitivas, em que um único processo
representativo da questão é submetido às instâncias superiores para fixação de
tese, o prestígio de meios eletrônicos - inclusive videoconferências em ações
civis -, limitação ao número de testemunhas e aumento da multa para recursos
protelatórios.
O texto também fixa o caráter alimentício dos honorários,
regulamenta a força normativa da jurisprudência, o amicus curiae e as
astreintes (multa para forçar o cumprimento de decisão), e faz com que a
sentença gere um título passível de protesto. Outras mudanças são a abordagem
do ônus da prova, que passa a não ser confundido com encargos financeiros de
produção de prova, e a instituição do regime inicial semiaberto para a prisão
civil do devedor de alimentos.
Segundo o relator geral, o trâmite do NCPC na comissão
especial deve se encerrar em 18 de setembro, com a aprovação dos destaques.
Depois, a matéria segue ao plenário da Câmara, antes de ser devolvido ao Senado
em razão das diversas alterações que o texto deve sofrer.
A ministra Nancy Andrighi celebrou a iniciativa dos
deputados. Ela afirmou que, apesar de atuar diariamente com processos há mais
de 30 anos, é a primeira vez que soube da presença de parlamentares no STJ para
ouvir os seus membros em um debate aberto.
Participaram da reunião o presidente do STJ, ministro Ari
Pargendler, e os ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Teori Zavascki,
Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Herman Benjamin, Humberto Martins, Sidnei
Beneti, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Raul Araújo, Mauro Campbell,
Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva, Antonio Carlos Ferreira, Sebastião Reis
Júnior, Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi, além do desembargador
convocado Adilson Macabu e dos professores Paulo Lucon (USP) e Daniel Mitidiero
(UFRGS).
Fonte: STJ
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