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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Dez ameaças aos norte-americanos...

Submissão dos Estados a um direito feito sob medida pelas transnacionais por meio do dispositivo de regulamentação das diferenças entre Estados e empresas
1.                 Não respeito dos direitos fundamentais do trabalho. Os Estados Unidos ratificaram apenas duas das oito normas fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que visam proteger os trabalhadores. Por sua vez, todos os países-membros da União Europeia adotaram as regulamentações promovidas pelo organismo das Nações Unidas. A história sugere que a “harmonização” à qual conduzem os tratados de livre-comércio tende a se fazer na base do menor denominador comum. Os trabalhadores europeus podem então temer uma erosão dos direitos dos quais se beneficiam atualmente.

2. Degradação dos direitos de representação coletiva dos trabalhadores. A lógica do GMT é erradicar as “barreiras” que atrapalham os fluxos de mercadorias entre os dois continentes. Isso facilitará para as empresas escolher os locais de introdução de seus postos de produção em função dos “custos”, principalmente sociais. Já os direitos de participação dos trabalhadores – como a informação e a consulta dos comitês de empresa – continuarão a parar nas fronteiras. A aproximação transatlântica equivaleria então a um enfraquecimento do direito dos trabalhadores, que é garantido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
3. Suavização das normas e padrões técnicos. Nessa área, o estilo europeu de normalização se distingue amplamente do dos Estados Unidos. Na Europa, o princípio da precaução se impõe: a colocação de um produto no mercado depende de uma avaliação prévia dos riscos que ele apresenta. Os Estados Unidos procedem ao contrário: a avaliação acontece posteriormente e se acompanha de uma garantia de responsabilização pelas consequências de qualquer problema encontrado depois da colocação do produto no mercado (possibilidade de recursos coletivos ou class action, indenização pecuniária). Isso não é tudo: na Europa, os riscos tomados em consideração não se limitam aos perigos incorridos pelos consumidores. Eles incluem os ligados às condições de trabalho, assim como à saúde e à segurança profissional, mesmo se estes nem sempre são respeitados. Os Estados Unidos por sua vez, os ignoram completamente.
A harmonização que encanta tanto os lobbies patronais comporta diversos perigos: o enfraquecimento do princípio de precaução (sem responsabilização posterior); a possibilidade do surgimento de um duplo sistema no qual as empresas poderiam escolher tal ou tal dispositivo de normalização; a diminuição da proteção aos trabalhadores em seu local de trabalho. A perspectiva da criação de um “conselho de cooperação regulamentar” transatlântico que escape amplamente ao controle democrático e ao olhar dos sindicatos não tem nada de tranquilizador.
4. Restrição da liberdade de circulação de pessoas. A circulação das pessoas é encarada apenas sob forma de prestação de serviços chamada “modo 4”, quer dizer, “pela presença de pessoas físicas de um país no território de outro país”.1 É um dispositivo também chamado “destacamento de trabalhadores”, o que contribui com o dumping social no seio da União Europeia.2
Nas negociações em andamento, a mobilidade e a migração são consideradas apenas do ponto de vista do interesse econômico; o direito fundamental à liberdade de circulação não aparece. Poderíamos imaginar que uma harmonização do direito e das legislações do trabalho permite às pessoas se beneficiar das mesmas liberdades e garantias que as mercadorias e os capitais...
5. Ausência de sanções contra os abusos. Os tratados de livre-comércio comportam tradicionalmente um capítulo chamado “desenvolvimento sustentável”, que engloba disposições acerca do direito social e do trabalho, da ecologia, da proteção ao meio ambiente e do direito dos animais, assim como do mundo rural. Diferentemente dos outros, esses capítulos não preveem em geral nenhum mecanismo de resolução de conflitos nem nenhuma possibilidade de sanção em caso de violação. Os artigos que tratam de assuntos econômicos e técnicos se caracterizam por jurisdições muito precisas e pela possibilidade de sanções, aqueles que dizem respeito ao direito social são vagos e as sanções previstas oferecem apenas poucas possibilidades de invocação diante das jurisdições.
6. Desaparecimento progressivo dos serviços públicos. As negociações se orientam para uma abertura à privatização dos serviços públicos pela técnica chamada “lista negativa”, que consiste em repertoriar o conjunto dos serviços públicos fechados à privatização, subentendendo que o caso contrário é a norma. Mais uma vez, a experiência sugere que problemas de definição ou de formulação abrem portas, facilitando as privatizações para além daquilo que tinha sido previsto inicialmente. Além disso, qualquer tipo de serviço que surgiria para responder às necessidades novas seria automaticamente considerado pertencente ao setor privado.
7. Aumento do desemprego. No seio da União Europeia, as empresas não europeias podem se beneficiar de mercados públicos. Isso acontece muito menos nos Estados Unidos, onde as regras que visam garantir um mínimo de “conteúdo local” são muito populares. Resultado: uma ampliação dos mercados acessíveis às empresas norte-americanas, sem contrapartida para suas homólogas europeias, com consequências nefastas sobre o emprego no seio da União.
8. Perda da confidencialidade dos dados pessoais. Os povos europeus tradicionalmente dão importância à proteção de seus dados pessoais. As regulamentações norte-americanas sugerem uma ligação menor da população do outro lado do Atlântico... Em um contexto de liberalização dos serviços, a garantia dessa proteção se torna hipotética: como determinar o “local” do estoque e o direito aplicável, quando os dados se encontram em uma “nuvem”?
9. Submissão das populações à defesa da propriedade intelectual. O que um esforço concentrado dos sindicatos e das organizações políticas ou associativas europeias conseguiu evitar durante o debate sobre o Acordo Comercial Antifalsificação (Acta) corre o risco de voltar à discussão com o GMT. As disposições de proteção da propriedade intelectual e industrial são atualmente objeto de negociação e poderiam ameaçar a liberdade da internet, privar os autores da liberdade de escolha de difusão de suas obras ou ainda limitar o acesso aos remédios genéricos...
10. Submissão dos Estados a um direito feito sob medida pelas transnacionais por meio do dispositivo de regulamentação das diferenças entre Estados e empresas
Lori Wallach
Diretora do Public Citizen’s Global Trade Watch.
Ilustração: Rodrigo Leão
07 de Julho de 2014
Palavras chave: GMT, Grande Mercado Transatlântico, Estados Unidos, EUA, NAFTA, Transnacionais, livre-mercado, bancos

Fonte: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1688

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