“Os gregos não inventaram a escravidão, mas, em
certo sentido, inventaram o trabalho
livre. Embora a escravidão tenha chegado a níveis sem precedentes na Grécia
clássica, particularmente em Atenas, não havia no mundo antigo nada de novo
acerca do trabalho não livre ou da relação entre senhor e escravo. Mas o trabalhador livre, com status de cidadão numa cidade
estratificada, especificamente o cidadão
camponês com a liberdade jurídica e política implícita e a liberação de
várias formas de exploração por coação direta dos donos da terra ou dos
Estados, era certamente uma formação distintiva que indicava uma relação única
entre as classes apropriadoras e produtoras.
[...] As tradições políticas e culturais da Antiguidade
clássica que chegam até nós estão, portanto, imbuídas do espírito do cidadão trabalhador e da vontade antidemocrática que
ele inspirou e que informou os textos de grandes filósofos. [...]
[...] temos muito a aprender com a ruptura radical
que, sob esse aspecto, separa o capitalismo moderno da democracia ateniense. Isso
é verdade não apenas no sentido óbvio de a escravidão, depois de um papel
renovado e proeminente na ascensão do capitalismo moderno, ter sido eliminada,
mas no sentido de o trabalho livre,
apesar de se tornar a forma dominante, ter perdido grande parte do status político e cultural que tinha a
democracia grega. [...]
[...] a evolução das antigas sociedades
escravagistas até o capitalismo liberal moderno ter sido marcada pelo declínio do status do trabalho. [...]
[...] o
trabalho livre nunca teve a importância histórica geralmente atribuída à
escravidão no mundo antigo. Quando chegam a tocar na questão do trabalho e
de seus efeitos culturais, os historiadores
da Antiguidade dão prioridade absoluta à escravidão. É consenso geral que a
escravidão foi responsável pela estagnação tecnológica da Grécia e Roma
antigas. A associação de trabalho com
escravidão, segundo esse seguimento, produziu um desprezo geral pelo trabalho
na cultura grega antiga. No curto
prazo, a escravidão aumentou estabilidade da pólis democrática ao unir cidadãos
ricos e pobres, mas causou no longo
prazo o declínio do império romano – seja por sua presença (como obstáculo
ao desenvolvimento das forças produtivas) ou por sua ausência (à medida que o
declínio na oferta de escravos impôs pressões terríveis sobre o Estado romano
imperial). E assim por diante.”
(WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. Trad. Paulo César Castanheira. São Paulo: Editora Boitempo, 2011. p. 157-158)
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