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domingo, 27 de abril de 2014

A praça no meio do caminho

Nos últimos meses, a preservação da Praça Portugal tem motivado acalorados debates. Apesar da falta de consenso, a opção pela destruição da praça parece fato consumado: fora tomada em gabinete, com base no Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito, e comunicada publicamente às vésperas do início das obras de engenharia na avenida Dom Luís.
Essa decisão política, da maneira que aconteceu, cria um péssimo precedente para a tutela de espaços públicos destinados à cultura ou ao lazer em Fortaleza. Por isso, não se pode esquecer os argumentos expostos, já que estas discussões contribuirão de algum modo para reflexão sobre a proteção futura de outros tantos bens de uso comum que estejam no “meio do caminho”.

A busca de equilíbrio na valorização da arquitetura doméstica e da memória coletiva, representada por edificações e marcos urbanos que espelham a vida dos diferentes grupos formadores da população não é tema novo. Esse debate começa a ser defendido com fundamento teórico na Europa, a partir de 1850, por Ruskin e Morris. Durante o século XX, foi consolidada a concepção de que a idealização, a implantação e o teor de políticas públicas de reabilitação urbana devem ter como pressuposto a valorização e o fortalecimento da cidadania, em seus diversos aspectos. Daí porque a indicação de nova vocação de espaço cultural deve ser sempre discutida com a comunidade.
Seguindo essa linha, a Constituição brasileira de 1988 trouxe uma verdadeira revolução para a dimensão e a gestão dos bens culturais, indicando um novo signo de regência pautado na ideia de democracia pluralista. Assim, sob o viés da proteção jurídica do patrimônio cultural, a supressão da Praça Portugal sem um processo decisório democrático e participativo é uma afronta a pilares constitucionais como: patrimônio cultural como bem de todos; respeito à diversidade de conteúdos culturais; oferta de instrumentos preventivos para proteção dos bens culturais materiais e imateriais; dever de informação estatal sobre usos dos bens culturais; e responsabilidade partilhada entre Estado, sociedade, comunidades e indivíduos.
A previsão constitucional não foi suficiente para proteger a Praça Portugal. Faltou à administração municipal um olhar dedicado ao valor cultural do bem que será aniquilado. E o que predominou foi a decisão tomada a “portas fechadas” por autoridades executivas, ancorada em estudos técnicos que contemplam a perspectiva da melhor forma de ganhos de velocidade e fluidez no trânsito.

Não deveria ser assim... A importância dada aos bens culturais que servem de referência e estão ligados à memória de uma comunidade é tal que a Constituição dispensa formalismos tradicionais e admite outras formas de acautelamento e preservação (art. 216,§ 1° da Constituição). Estas formas de tutela podem ser escolhidas com criatividade e liberdade pelo Poder Público. E o constituinte municipal de Fortaleza não fugiu da tarefa de proteger as praças e outros espaços públicos: na Lei Orgânica do município é previsto que “qualquer alteração do projeto arquitetônico ou de denominação das praças será submetida à apreciação da Câmara Municipal”.
A legislação municipal evidencia que a praça é um bem cultural que goza de proteção diferenciada. Por isso, a lei indica a necessidade de controle prévio sobre como (e quando) as alterações em sua concepção, nomenclatura e destinação originais podem ocorrer. O objetivo é levantar e avaliar os impactos que as mudanças provocam tanto no acervo cultural e simbólico da cidade (e aí devem pesar aspectos urbanísticos, paisagísticos, turísticos), como no acervo efetivo da comunidade (valores de referência e sua importância para memória coletiva).
As praças, deste modo, possuem um simbolismo duplo: são ao mesmo tempo patrimônio cultural - genérica e legalmente protegidas como logradouros históricos - e ambiente de democracia (um patrimônio comum a todos!).
Inês Virgínia Prado Soares é doutora em Direito e autora de Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro.
Humberto Cunha é doutor em Direito, professor da Unifor e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2014/04/26/noticiasjornalvidaearte,3241629/a-praca-no-meio-do-caminho.shtml

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