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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Democracia: Historicamente houve um declínio do status do trabalho e uma invisibilização do trabalho livre (Wood)

“Os gregos não inventaram a escravidão, mas, em certo sentido, inventaram o trabalho livre. Embora a escravidão tenha chegado a níveis sem precedentes na Grécia clássica, particularmente em Atenas, não havia no mundo antigo nada de novo acerca do trabalho não livre ou da relação entre senhor e escravo. Mas o trabalhador livre, com status de cidadão numa cidade estratificada, especificamente o cidadão camponês com a liberdade jurídica e política implícita e a liberação de várias formas de exploração por coação direta dos donos da terra ou dos Estados, era certamente uma formação distintiva que indicava uma relação única entre as classes apropriadoras e produtoras.
[...] As tradições políticas e culturais da Antiguidade clássica que chegam até nós estão, portanto, imbuídas do espírito do cidadão trabalhador e da vontade antidemocrática que ele inspirou e que informou os textos de grandes filósofos. [...]
[...] temos muito a aprender com a ruptura radical que, sob esse aspecto, separa o capitalismo moderno da democracia ateniense. Isso é verdade não apenas no sentido óbvio de a escravidão, depois de um papel renovado e proeminente na ascensão do capitalismo moderno, ter sido eliminada, mas no sentido de o trabalho livre, apesar de se tornar a forma dominante, ter perdido grande parte do status político e cultural que tinha a democracia grega. [...]
[...] a evolução das antigas sociedades escravagistas até o capitalismo liberal moderno ter sido marcada pelo declínio do status do trabalho. [...]
[...] o trabalho livre nunca teve a importância histórica geralmente atribuída à escravidão no mundo antigo. Quando chegam a tocar na questão do trabalho e de seus efeitos culturais, os historiadores da Antiguidade dão prioridade absoluta à escravidão. É consenso geral que a escravidão foi responsável pela estagnação tecnológica da Grécia e Roma antigas. A associação de trabalho com escravidão, segundo esse seguimento, produziu um desprezo geral pelo trabalho na cultura grega antiga. No curto prazo, a escravidão aumentou estabilidade da pólis democrática ao unir cidadãos ricos e pobres, mas causou no longo prazo o declínio do império romano – seja por sua presença (como obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas) ou por sua ausência (à medida que o declínio na oferta de escravos impôs pressões terríveis sobre o Estado romano imperial). E assim por diante.”

(WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. Trad. Paulo César Castanheira. São Paulo: Editora Boitempo, 2011. p. 157-158)

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