Muito se
falou, após os protestos de junho de 2013, da emergência de novos setores
sociais no país, com uma nova agenda de demandas e de lutas. Esses setores
seriam resultado, em larga medida, do sucesso das políticas econômicas e
sociais implementadas na última década. E desempenhariam um papel essencial no
processo eleitoral deste ano, oferecendo um enigma a ser desvendado pelos
projetos políticos em disputa. A Boitempo Editorial está lançando um livro que
pode ajudar a reflexão sobre esse debate
O economista
Marcio Pochmann, professor titular do Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), é o autor desse livro dedicado a analisar a
suposta emergência de uma nova classe média no Brasil, a partir,
principalmente, do sucesso das políticas de distribuição de renda implementadas
no Brasil desde o governo Lula. Crítico da ideia da emergência de uma nova
classe média, o hoje presidente da Fundação Perseu Abramo analisa em “O mito da
grande classe média: capitalismo e estrutura social” (Boitempo Editorial) como,
nos últimos anos, vem se difundindo mundo afora a ideia de uma “medianização”
das sociedades, com o surgimento de novos setores médios da população.
Pochmann faz uma historiografia do conceito de
classe média e reflete sobre a evolução e as mudanças pelas quais passou a
classe assalariada brasileira. Essas mudanças, defende, apontam para o crescimento e o fortalecimento, não da classe média, mas
sim da classe trabalhadora brasileira. O mito da grande classe média, uma noção heterogênea e não unívoca,
sustenta o autor, está impregnado de ideologia e voluntarismo teórico. Para
Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua determinação
concreta ou segundo as condições reais de sua base material redunda em “um
voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo interesses
específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.
A síntese de mais de dez anos de implantação
dessas políticas passaria não pela emergência de uma nova classe média, mas sim
pela ascensão e o fortalecimento de setores ligados à classe trabalhadora. Não se trata, para
Pochmann, de uma mera diferença de nomenclatura, mas sim de uma visão
ideológica a respeito da natureza dessas politicas e de seus resultados em
termos de mobilidade social.
Em seu livro
anterior “Nova classe média?”, Pochmann analisou as recentes transformações na
sociedade brasileira e refutou a ideia
de surgimento de uma nova classe no País, muito menos a de uma nova classe
média. O resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de
consumo, defendeu o autor, não tiram a maioria da população emergente da classe
trabalhadora. Para Pochmann, é preciso realizar “a
politização classista do fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura
social, sem a qual a massa popular em emergência ganha um caráter
predominantemente mercadológico, individualista e conformista sobre a natureza
e a dinâmica das mudanças socioeconômicas no Brasil”.
A melhora dos indicadores na distribuição da
renda do trabalho e de seu aumento na participação da riqueza gerada
concentra-se, fundamentalmente, na base da pirâmide social, o que revela também
os seus limites, observa ainda Pochmann. O economista aponta que no Brasil as ocupações formais cresceram fortemente durante a primeira
década de 2000, especialmente nos setores que têm uma remuneração muito próxima
ao salário mínimo: 94% das vagas criadas entre 2004 e 2010 foram de até 1,5
salário mínimo. A partir desses dados, ele conclui que, juntamente com as políticas de apoio às rendas na base da pirâmide
social brasileira, como elevação do valor real do salário mínimo e massificação
da transferência de renda, houve o fortalecimento das classes populares
assentadas no trabalho.
“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o
contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova
classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas
expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das
políticas públicas atuais”, escreve Pochmann na apresentação do livro. A perspectiva fundamentalmente mercantil, baseada na ideia de uma nova
classe média, aponta, segundo o autor, para o fortalecimento dos planos
privados de saúde, educação, assistência e previdência, entre outros.
Contra isso, defende, recoloca-se a necessidade de
construir serviços públicos de qualidades e de uma efetiva estruturação do
mercado de trabalho, com empregos de qualidade e protegidos no Brasil, medidas
fundamentais para enfrentar a precariedade no setor.
Pochmann
resume assim a sua posição acerca desse fenômeno e dos desafios políticos que
ele coloca:
“Mesmo com o contido nível educacional e a limitada experiência
profissional, as novas ocupações de serviços, absorvedoras de enormes massas
humanas resgatadas da condição de pobreza, permitem inegável ascensão social,
embora ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora.
Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de
ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população
emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser
claramente identificados como classe média. Associam-se, sim,
às características gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento,
ampliam imediatamente o padrão de consumo”.
“Não há, nesse sentido, qualquer novidade,
pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que trabalhador não poupa, e sim gasta tudo o que ganha.
Em grande medida, o segmento das classes populares em
emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional
à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. (…)
Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de
segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de
instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações
de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações
estudantis e de bairros, das comunidades e base, dos partidos políticos, entre
outros”.
Reside aí um
dos desafios que o processo eleitoral de 2014 oferece: como enfrentar essa despolitização em um cenário marcado crescentemente
por um discurso que é criminalizador da política?
Fonte:
http://www.sul21.com.br/jornal/marcio-pochmann-o-mito-da-nova-classe-media-e-um-desafio-das-eleicoes-de-2014/
Nenhum comentário:
Postar um comentário