“Qualquer discussão que não coloque em
primeiro plano a questão do endividamento público colocará pobres contra
remediados”
O Opinião
Socialista entrevistou Maria Lúcia Fattorelli, Auditora Fiscal da Receita
Federal, Presidente da Delegacia Sindical do Unafisco em Belo Horizonte, Coordenadora
do Fisco Fórum-MG e da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul,
autora do documento “Mentiras e Verdades sobre a Reforma da Previdência”, que
nos diz porque esta proposta de reforma deve ser rejeitada globalmente e não
emendada.
Fonte:
Portal do PSTU
A proposta
de reforma da Previdência do Governo Lula vem acompanhada de uma campanha
mentirosa na mídia. Quais são, na sua opinião, os pontos centrais que devem ser
esclarecidos junto à população pelos que se contrapõem a tal reforma?
A reforma
previdenciária proposta pelo governo é apresentada pela mídia como resultado de
uma demanda social, mas, na verdade, só atende aos interesses do setor
financeiro e está de acordo com o compromisso firmado na Carta de Intenções
assinada pelo governo Lula com o FMI em 28/2, que antecipou com exatidão os
pontos da reforma apresentados dia 30 de abril.
A propaganda
oficial e a grande mídia também dizem que essa reforma é para combater
privilégios, mas a Reforma afetará principalmente os servidores que ganham
menos. Ao acabar com a aposentadoria integral, pelo último salário, o novo
cálculo para o benefício considerará todos os recebimentos do servidor, desde o
seu primeiro dia de trabalho, décadas atrás. Assim, os mais pobres, que
começaram em postos menos qualificados, serão os mais prejudicados. E há a
possibilidade de que os índices de correção desses salários sejam inadequados,
o que pode fazer com que a aposentadoria vire pó. Esse critério é pior até
mesmo que o do INSS, que considera apenas os salários da pessoa a partir de
1994, quando a pessoa está no final de carreira, geralmente com salários
melhores. Sobre essa média rebaixada ainda incidirá a contribuição dos inativos
(de 11%) e a redução das pensões em, no mínimo, 30%. Haverá também o fim da
paridade e da integralidade, direitos duramente conquistados pelos servidores.
O aumento da idade para se aposentar também penalizará os mais pobres, visto
que esses geralmente entram no mercado de trabalho mais cedo. Além disso, será
criada a previdência complementar para o serviço público, isto é, os recursos
das contribuições previdenciárias irão para o mercado financeiro, que é
extremamente instável, e em nada garante a aposentadoria do servidor.
O governo
diz que o suposto déficit da previdência dos servidores públicos irá explodir
nos próximos anos, e por isso é necessário se fazer essa Reforma, “para que se
possa gastar mais com saúde, educação, etc”. Porém, segundo dados do próprio
governo, esse “déficit” caiu drasticamente no período FHC, e irá cair a um
terço do atual daqui a 30 anos!
Estes
recursos não irão para a educação, saúde, ou qualquer gasto social, mas para
pagar os juros da dívida. A Reforma irá gerar uma economia de R$ 11 bilhões no
governo Lula, e R$ 56 bilhões nos próximos 30 anos. Porém, esse mesmo governo
gasta com juros da dívida pública, apenas nos 3 primeiros meses de 2003, nada
menos que R$ 45 bilhões de reais! Onde está o verdadeiro rombo: na Previdência
ou na Dívida? Uma redução dos juros de 26,5% para, por exemplo, 12% ao ano,
economizaria nada menos que R$ 100 bilhões anuais!
O teto de R$
2.400 para os trabalhadores privados torna esse ataque ao funcionalismo um
“benefício” para os demais trabalhadores?
Não, o único
benefício será para o governo, que arrecadará mais nesse primeiro momento, pois
o aumento do teto apenas aumentará de imediato as contribuições, e não as
aposentadorias. Somos a favor do fim do teto para o INSS, pois o teto significa
arrocho no valor dos benefícios garantidos pelo tesouro e conduz à privatização
da previdência, levando as pessoas a terem de contribuir para fundos privados
de pensão. O teto é um engodo. Começou em 20 salários mínimos na década de 70,
depois caiu para 10, e hoje está em 7,8. A tendência é ele se igualar ao piso,
pois o índice que irá reajustá-lo é o INPC, que sempre indica a menor inflação
(14,7% em 2002), em total incoerência com os índices utilizados pelo governo
para o reajuste, por exemplo, das tarifas públicas e da dívida dos estados (o
IGP-DI, que foi de 26,4% em 2002). Desde junho do ano passado, o salário mínimo
necessário, calculado pelo DIEESE, subiu cerca de 40%, de R$ 1.129,18 para R$
1.557,55, já quase passando o atual teto do RGPS, de R$ 1.561,56. Porém, nesse
período o INPC foi de apenas 18%, o que prova que a instituição do teto é um
engodo.
Não é um
erro setores e entidades do funcionalismo quererem formular emendas que
remendam esta Reforma, aceitando seus pilares centrais?
Entendo que
devemos lutar não apenas pela rejeição da proposta de reforma do governo, mas
também pela recuperação dos direitos dos trabalhadores do setor privado já
quebrados pela Reforma Previdenciária de 1998. As verdadeiras questões que
devemos debater são o endividamento público e o financiamento do estado
brasileiro, hoje feito, em sua maioria, pelos trabalhadores e consumidores,
enquanto os verdadeiros privilegiados desse país continuam sem pagar de acordo
com sua capacidade. O setor financeiro apresenta lucros que não páram de subir
(visto que recebem os escandalosos juros da dívida) ao mesmo tempo em que
reduzem o seu pagamento de impostos. Os grandes devedores do INSS também são
privilegiados pela reabertura do Refis, que, em sua primeira edição, permitiu
às empresas devedoras do Fisco e do INSS renegociarem débitos acumulados em R$
178 bilhões (mais da metade da arrecadação anual do fisco federal) para
pagamento em um prazo médio de 99 anos! Enquanto um desesperado qualquer que
rouba alimentos para matar a fome de sua família é condenado e permanece
durante anos na prisão (ainda que devolva o fruto de seu roubo), aqueles que
cometem crimes contra a ordem tributária sonegam milhões, são apanhados pela
fiscalização e, mesmo assim, podem efetuar o pagamento dos impostos sonegados
em condições privilegiadas e nada lhes acontece!
Sem antes discutirmos
essas grandes questões, qualquer reforma apenas servirá para dividir as
migalhas que sobrarem do pagamento de juros, enquanto a grande massa de
recursos continuará sendo apropriada pelos verdadeiros privilegiados desse
país.
O Senador
Paulo Paim e outros parlamentares estão no centro desse “movimento” pró
emendas. Tal articulação não defende a aposentadoria integral dos servidores,
cuja quebra é o pilar fundamental da reforma. Isso não divide a luta do
funcionalismo?
É
inegociável a defesa dos direitos à paridade e à integralidade, duramente
conquistados pelos servidores. A instituição de previdência complementar
significa a privatização do regime próprio dos servidores públicos e o
enfraquecimento do Estado. Além disso a taxação dos inativos é ilegal.
Como dito
antes, qualquer discussão que não coloque em primeiro plano a questão do
endividamento público não servirá para atender os interesses da população, e
apenas colocará pobres contra remediados, ou seja, dará a falsa impressão de
que alguns trabalhadores devem perder para que outros possam ganhar. Na
verdade, o setor financeiro deve perder para que todos os trabalhadores tenham
acesso a uma previdência pública de qualidade, com reajustes de benefícios que
preservem seu valor real e recuperem as perdas históricas que os trabalhadores
do setor privado sofreram, tendo contribuído sobre o antigo teto de 20 salários
mínimos e ganhando hoje benefícios miseráveis. A saída é a luta conjunta,
esclarecendo a opinião pública e exigindo coerência daqueles que prometeram
defender os direitos dos trabalhadores.
Fonte:
http://artigoseentrevistasdafattorelli.blogspot.com.br/2012/02/entrevista-maria-lucia-fatorelli.html
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