por Luiz
Carlos Azenha
As cenas
acima são um registro do cotidiano numa ocupação do Jardim Wilma Flor, em
Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste de São Paulo.
Um lembrete
de uma realidade registrada assim no livro Qual desenvolvimento?, do economista
Marcio Pochmann:
A concentração da renda e da riqueza é uma marca
inalienável do Brasil. De acordo com o Atlas de exclusão social — Os ricos no Brasil (Campos, 2004), somente 5 mil clãs apropriam-se de 45% de
toda a riqueza e renda nacional, embora o país tenha mais de 51 milhões de
famílias.
Quando o autoritarismo predominou, os ricos foram
os mais beneficiados, mantendo inalterado o padrão distributivo excludente no
país.
… a composição fundiária segue muito
concentrada. A estrutura tributária permanece regressiva, com a população pobre
pagando mais impostos e os ricos quase que incólumes, enquanto a estrutura
social permanece distante das possibilidades governamentais de garantia da
universalidade e qualidade necessária dos bens, serviços e equipamentos sociais
básicos para toda a população.
… perceber
que a distância da separação entre o
menor e o maior salário no país chega a atingir quase 2 mil vezes parece
inacreditável nesse início de terceiro milênio.
Os avanços
registrados ao longo dos mandatos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff
tangenciaram o problema. A insatisfação popular não deveria surpreender
ninguém.
As
manifestações de junho e julho, que levaram às ruas uma ampla pauta de
reivindicações, foram em certa medida uma expressão disso. Nos protestos
verificados no entorno de estádios de que sediaram jogos da Copa das
Confederações — Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e
Brasília — falou-se muito em hospitais, creches e escolas padrão FIFA.
De onde virá
o dinheiro?
A resposta
surpreendente de Marcio Pochmann é que o
Estado brasileiro já dispõe de uma carga tributária adequada para oferecer ao
País serviços como aqueles que marcaram o padrão de civilização europeu e que,
lá, diante da crise financeira, tem sido dilapidados.
A carga tributária brasileira saltou de 22 a 23%
do Produto Interno Bruto (PIB), nos anos 80, para cerca de 35% agora.
O problema
é que ela foi colocada nas costas dos pobres e da classe média, que
proporcionalmente pagam mais impostos que os ricos.
De um lado o
ex-presidente do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, defende
rever isenções e desonerações.
Por exemplo,
os descontos dados no Imposto Renda para gastos com saúde, educação e
assistência social privada. Na opinião de Pochmann, os incentivos do Estado
deveriam ser no sentido de incentivar a saúde, a educação e a assistência
social públicas.
Outras características injustas do sistema
tributário brasileiro são amplamente conhecidas. Faz tempo. Tem sido denunciadas, por exemplo, por Pedro
Delarue, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil, o Sindifisco. Ao Viomundo, ele lembrou que os ricos não pagam imposto sobre a
propriedade de veículos automotores (IPVA) para lanchas, jatinhos e
helicópteros particulares. O Supremo Tribunal Federal considerou que o IPVA
sucedeu o imposto rodoviário e, portanto, só autorizou o imposto para veículos
terrestres.
Delarue
lembrou, também, que desde 1995, por
decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, empresários não pagam
imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.
Como o
emblemático episódio de sonegação da Globo deixou claro — perdão, foi
“planejamento tributário” –, o Estado fala grosso com a
Bolívia e fala fino com os Estados Unidos.
Voltamos ao
livro de Marcio Pochmann:
De acordo
com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, o trabalhador que recebe mensalmente até dois salários mínimos
mensais tem uma carga tributária de até 48% do seu rendimento. [...] Já o trabalhador com remuneração superior a 30
salários mínimos mensais, deixa para os impostos somente 26% de sua renda.
Hoje
presidente da Fundação Perseu Abramo, Pochmann nos disse em entrevista que outra mudança absolutamente necessária
é a redução do pagamento de juros da dívida interna, que saltaram de 1,8% do
PIB em 1980 para 5 a 6% atualmente.
O sifão por onde escoam os juros é estrutural à
economia brasileira,
sustenta Pochmann. Foi instalado no
Tesouro para servir à elite.
…constata-se
a existência de um elemento de ordem
estrutural na dinâmica capitalista atual que transforma o setor público no
comandante da produção de uma nova riqueza financeirizada, apropriada
privadamente na forma de direitos de propriedade dos títulos que carregam o
endividamento público.
… parte dos ricos abandonou o compromisso com
a expansão produtiva, o que levou ao parasitismo e às ações anti-republicanas
contaminadas pela improdutiva rentabilidade financeira.
Atualmente o peso da dívida líquida do setor público
corresponde a cerca de 50% do PIB, praticamente mesma situação verificada na
segunda metade da década de 1980.
As exigências das famílias ricas, ao
disponibilizarem seus patrimônios na compra dos títulos públicos que lastreiam
o endividamento financeiro do Estado são cada vez maiores, fazendo com que o
objetivo perseguido pela política econômica seja, muitas vezes, atendê-las,
tão-somente. Não sem motivo, o Ministério
da Fazenda transformou-se no ministério dos juros.
É uma forma mais diplomática de dizer o mesmo que
a ex-auditora Maria Lucia Fatorelli disse, em entrevista ao Viomundo: os banqueiros sequestraram o
Estado brasileiro.
Desfazer
este nó é absolutamente essencial para que o pessoal do Jardim Wilma Flor
ganhe, afinal, uma ponte de acesso ao bairro, que depende de investimento
público:
Na
entrevista abaixo, Marcio Pochmann fala sobre alguns dos desafios diante do
Brasil, dentre os quais os serviços ruins, caros e concentrados nas metrópoles,
a educação inadequada e o surgimento de um novo segmento social, os agregados
modernos, que representam 35% das famílias brasileiras e, apesar de pobres,
desenvolvem identidade ideológica com os mais ricos por prestar serviços gerais
a eles.
Veja a entrevista: https://soundcloud.com/azenha/pochmann-o-bolsa-fam-lia-dos
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