Ensinar
democracia e seus valores num país que ainda tem fortes resquícios de modelos
de repressão é algo ainda não muito claro
Por
Leonardo França*
Os modelos políticos institucionais adotados a
partir de 1985 encontraram nas manifestações de junho uma de suas crises mais
agudas.
Entre toda a sorte de pautas e demandas que se sobrepuseram às do Movimento
Passe Livre, a luta pela participação democrática parecia de longe um ponto de
convergência. Da parte do Estado e de
seus aparelhos, repressão violenta e outras barbáries mostram que as raízes da
ditadura permanecem sólidas e não se contentam com o subsolo da política.
Lembremo-nos
de que um dos principais objetivos da
ditadura era a extinção do pensamento político, seja por meio da suspensão de
direitos, seja da eliminação física da dissidência. E isso estende-se à
produção intelectual, artística e científica.
Ensinar democracia e seus valores num país que
ainda tem fortes resquícios de modelos de repressão é algo ainda não muito
claro.
Como resposta ao novo contexto histórico pós-ditadura, mantivemo-nos no plano
da simulação. De fato, para muitos,
ensinar às crianças e aos adolescentes os valores democráticos e suas
possibilidades ainda consiste em simular, em condições controladas, modelos
limitados de participação, diálogo e decisão coletiva. A simulação de processos
eleitorais é a mais óbvia delas, mas há outras mais sutis. Trata-se de criar
situações que impelem ao diálogo, mas que ao mesmo tempo o aprisionam num
simulacro de participação, evitando, por exemplo, que as decisões tomadas nesse
processo tenham consequências reais na vida escolar.
A escola
brasileira não sofre de problema diferente do que está posto nas ruas, nem em
proporção nem em complexidade, talvez por isso não deva ficar tão distante de
seus apontamentos. Construir a
democracia no Brasil passa pelas questões de como construí-la na escola e pela
revisão do modelo e da função da própria escola diante das expectativas
democráticas. O paradigma da simulação chegou ao seu limite, pois democracia
não consiste apenas em uma série de regras e normas de conduta.
Não se pode criar um ambiente democrático de
aprendizado em condições de autoritarismo e burocratização extrema, situação de
grande parte das escolas brasileiras. Igualmente, democracia não pode ser um discurso, mas uma prática efetiva,
contraditória, conflituosa, dialógica, que coloca em xeque as relações de poder
na própria escola, na própria sala de aula. O grande desafio é sensibilizar-se a isso. Pensar na consolidação de um
sistema democrático é pensar na consolidação de uma vivência democrática na
escola e vice-versa. •
*Filho de
professor, educador na rede pública de SP, integrante do coletivo organizador
do Simpósio dos Pensadores Periférico
Publicado
na edição 60, de agosto de 2014
Fonte: http://www.cartafundamental.com.br/single/show/260
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