O debate foi proporcionado pela diretoria do SINTUFCe, que
representa os servidores Técnico Administrativos em Educação (TAE), no Ceará,
em evento que reuniu trabalhadores e trabalhadoras no Pátio das Mangueiras da
Universidade Federal do Ceará, Complexo Universitário próximo ao Hospital
Universitário Walter Cantídio (HUWC) e à Maternidade Escola Assis
Chateaubriand, no Rodolfo Teófilo, Fortaleza.
O tema teve como provocação aspectos históricos e sociais
que envolvem a temática da greve, com condução pelo advogado sindical Clovis
Renato Costa Farias, que seguiu pelas abordagens abaixo enunciadas.
“As
leis não são capazes de obstacularizar os fatos.” (Luciano Martinez)
Greve
Palavra de origem latina que remete a peso, relutância,
resistência;
Liga-se ao termo francês
greve que significa saibro,
areia. Decorre do hábito dos trabalhadores reunirem-se no pátio da Place de L’Hotel de Ville na França, às
margens do rio para aguardarem o chamado para o trabalho, momentos em que,
também, tinham a oportunidade de trocarem experiências, se organizarem e
efetivarem manifestações conjuntas, quando necessário, daí a origem do termo
greve ligado a ajuntamento, paralisação.
Conforme Martinez (2012): na Espanha: huelga (folga, sem trabalho);
na Itália: sciopero (derivada de scioperare ou ex operari sem operários); nos países de língua inglesa: strike (golpe, investida); na Alemanha: streik.
1. Referenciais históricos mundiais
FASE DA
CRIMINALIZAÇÃO
ü
França, Lei de Chapelier (1791): impede o
associacionismo laboral;
ü
Inglaterra, Combination Act (1799): impede o associacionismo laboral;
ü
França, Código de Napoleão (1810): criminalização das coalizões operárias;
ü
Inglaterra, Sedition Meeting Act (1817): tipificação do sindicalismo como crime de sedição (conspiração);
APESAR DE TUDO, O ASSOCITIVISMO LABORAL PERMANECEU
ENFRENTANDO SEUS OBSTÁCULOS E MANIFESTANDO SUAS REIVINDICAÇÕES...
“O Estado entendeu que seria melhor disciplina o
associativismo que simplesmente negá-lo.” (Martinez, 2010, p. 688)
FASE DA
TOLERÂNCIA
ü
Inglaterra, Lei de Francis Place (1824): fim do
caráter delituoso do associacionismo operário e da greve;
ü
Inglaterra, Trade Union Act (1871): atribuição de personalidade jurídica às entidades patronais e laborais,
outorgando-lhes autonomia organizacional interna;
ü
França, Lei Waldeck-Rousseau (1884): revogação
da Lei de Chapelier e regulamentação
do associacionismo;
FASE DA
AFIRMAÇÃO SINDICAL
ü
Constituição do México de 1917
ü
Constituição de Weimar de 1919
ü
Convenção n º 11 da OIT/1921 (Direito
de Sindicalização na Agricultura)
ü
Convenção nº 87 da OIT/1948 (Liberdades
Sindicais)
ü
Convenção nº 98 da OIT/1949 (Negociação
Coletiva)
ü
Convenção nº151 da OIT/1978 (Direito de
organização dos trabalhadores na Administração Pública)
2. Referenciais históricos brasileiros
No Brasil também houve fases de proibição, tolerância e
reconhecimento.
ü
Constituição de 1824: proibia as
corporações de ofício (art. 179, XXV);
ü
Código Penal de 11.10.1890, art. 206:
prisão cautelar de 1 a 3 meses para quem causasse
ou provocasse a cessação do trabalho, para impor aos operários ou patrões
aumento ou diminuição de serviço ou salário. Contudo, ante as manifestações
dos trabalhadores, já em 12 de dezembro de 1890 (dois meses depois), sai o
Decreto 1.162, descriminalizando a conduta, salvo no tocante às manifestações
violentas delas decorrentes;
ü
Constituição de 1891 e Constituição de
1934 não trataram especificamente sobre o tema;
ü
Constituição de 1937, art. 139: “Para dirimir os
conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na
legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei
e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à
competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum. A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos
ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da
produção nacional.”
3. Definição
ü
Greve X Paragrevismo X Boicote X Sabotagem
ü
É o recurso de que se valem os
trabalhadores quando lhes faltam alternativas de diálogo.
ü
Greve: direito
fundamental; legitima a paralisação coletiva do trabalho; realizada de modo
concentrado, pacífico e provisório; instrumento anunciado de pressão para
alcançar melhorias sociais ou para manter cumpridas as conquistas normatizadas.
Há a suspensão coletiva temporária e pacífica da prestação pessoal de serviços;
total ou parcial; abusos sujeitam os responsáveis a penas;
5. Disciplinamento Legal
ü
Constituição de 1988: art. 9º (geral – direito social); art. 37,
VII (servidores públicos civis); art. 142, IV (veda ao militar a sindicalização
e a greve).
ü
Lei 7.783 de 28 de junho de 1989
6. Características
Conforme
Tarso Genro, a greve é formada por um trinômio:
1) Ruptura da
normalidade da produção;
2) Prejuízo
para o capitalista;
3) Proposta de
restabelecimento da normalidade rompida.
Para
Martinez:
a) É uma
paralisação coletiva;
b) De
trabalhadores;
c) Realizada de
modo concentrado (atos racionais, organização, fins racionais, existência de
pauta de reivindicação e de balizas para a negociação; deve sempre ter um
comando ou centro de direção – eleita pela Assembleia Geral de Trabalhadores,
conforme estatuto da entidade);
d) De modo
pacífico;
e) Provisória;
f) Funciona
como instrumento anunciado de pressão;
g) Para
alcançar melhorias sociais ou para fazer com que as conquistas normatizadas
sejam mantidas e cumpridas;
7. Sujeitos
Sujeito
ativo: categoria profissional, em regra representada por sua associação
sindical; na falta de entidade sindical, a Assembleia Geral de Trabalhadores
atuará excepcionalmente para fins de deliberação sobre a greve, constituindo
comissão de negociação;
Sujeito
passivo: o empregador ou o grupo de empregadores, diretamente ou por meio de
representação sindical.
8. Representação
dos trabalhadores (art. 5º)
Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita
representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do
Trabalho.
9. Direitos
dos grevistas (art. 6º)
Art. 6º São assegurados aos grevistas,
dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos
tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre
divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios
adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os
direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios
para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de
frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de
persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho
nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
II. Greve
no Serviço Público
Adequações
pelo STF da Lei 7.783/1989
|
a) Serviço
público é naturalmente atividade essencial, a ele se
aplicando os regramentos da lei próprios deste tipo de atividade:
a.1.
Notificação da greve com
antecedência mínima de 72h, pelo
sindicato;
a.2.
Possibilidade de contratação pela
Administração Pública, de pessoal temporário
para assegurar a regular continuidade do serviço;
(Gérson
Marques critica: “Ora, a permissão para
a contratação temporária pode vir a esvaziar o movimento paredista” – O STF e a crise institucional brasileira,
p. 589)
|
b) Sendo
essencial o serviço público não pode ser totalmente paralisado.
Um percentual razoável de servidores deve
assegurar a continuidade regular, em resguardo da
sociedade.
(Gérson
Marques alerta: “O percentual, porém,
não é fixado, ficando para as situações concretas, dependendo da natureza do
serviço. De seu turno, não dá para assegurar a continuidade regular do
serviço público numa greve, a não ser que haja prejuízo do movimento
paredista, fragilizando o direito coletivo da categoria.” – O STF e a crise institucional brasileira,
p. 589)
|
c) Constitui
abuso do direito de greve a paralisação que comprometa
a regular continuidade na prestação do serviço público.
(Gérson Marques alerta: “Como se
vê esta é uma colocação muito subjetiva, pois não há critérios objetivos que
possam identificar quando ocorrerá o comprometimento da prestação do serviço
público ou em que grau ele se manifeste.” – O STF e a crise institucional brasileira, p. 589)
|
d) Os
salários dos grevistas poderão ser descontados
pelos dias da paralisação (art. 7º).
|
e) Possível
a contratação temporária de servidores substitutos;
|
f) Possível
a demissão dos envolvidos em greve ilícita;
(Gérson Marques alerta: “Essas
inseguranças comprometem o trabalho de arregimentação e convencimento dos
grevistas, submetendo-os à vontade ou tirania do administrador.” – O STF e a crise institucional brasileira,
p. 589)
|
g) Competência
processual (Aplicação análoga da Lei nº 7.701/1988 - Competência dos Tribunas do Trabalho):
Serviço público federal
g.1. Paralisação de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal
ou mais de uma unidade da Federação:
Superior Tribunal de Justiça (STJ);
g.2. Greve ligada a uma única
região da Justiça Federal: Tribunal Regional Federal
respectivo;
Serviço público estadual ou municipal
g.3. Controvérsia sujeira a uma unidade da Federação: Tribunal de Justiça;
(Gérson Marques alerta: “Vale
dizer, mesmo no âmbito da Justiça Comum, a competência originária para julgar
o conflito é dos tribunais, e não o primeiro grau de
jurisdição.” – O STF e a
crise institucional brasileira, p. 589)
g.4. Há jurisprudências (da
primeira instância) que consideram possível o julgamento pelas varas
respectivas, com relações a questões pontuais, decorrentes do movimento
paredista, tais como o corte de ponto e os respectivos descontos:
PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO -
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Processo N°
0035442-20.2014.4.01.3800 - 5ª VARA
FEDERAL Nº de registro e-CVD 00030.2014.00053800.1.00119/00136.
Julgamento em Belo Horizonte, 30 de abril de 2014. SINDIFES – SINDICATO TRABALHADORES INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE
ENSINO SUPERIOR DE BELO HORIZONTE-SIND-IFES, devidamente qualificado nos
autos, impetrou o presente MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, com pedido de
concessão de medida liminar, contra ato praticado pelo Magnífico REITOR DO
INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS e PRO-REITORA DE GESTÃO DE PESSOAS DO IFMG.
Do inteiro teor da decisão liminar:
[...] Impõe-se destacar que, no
presente caso, não há indicação de que o movimento grevista tenha sido
declarado ilegítimo pelo Tribunal competente de sorte que por se tratar de
verba de caráter alimentar, destinada à sobrevivência dos servidores, não
pode a Administração simplesmente adotar o corte do ponto, com o consequente
desconto dos dias paralisados, como meio coercitivo para esvaziar o movimento
paredista, sob pena de violar o princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana já que não há vida digna sem meios para a subsistência de cada um
dos substituídos do sindicato.
Desse modo, os descontos
fustigados, se revelam abusivos.
No caso concreto, ainda que assim não fosse, para realizar os descontos em vencimentos há necessidade de
instauração de processo administrativo, no qual seja garantido o
contraditório e a ampla defesa.
Na hipótese sob apreciação, não
há notícia de que tenha existido procedimento nesse sentido, o que torna os
descontos realizados arbitrários e ilegais.
Defiro, com estas considerações, a medida liminar postulada na petição
inicial para determinar às autoridades
apontadas como coatoras que se abstenham de efetuar corte de vencimentos dos
seus substituídos, em razão da adesão à greve, ou de a eles aplicar outras
penalidades pelo mesmo fundamento e, ainda, para os casos em que já foi dado
o comando de supressão, como se verifica dos contracheques disponibilizados
na internet, deverá ser determinada a retificação dos atos de pagamento, a
fim de que este se faça na data regular, sem cortes, decorrentes do movimento
grevista ou mediante folha suplementar.
|
Aplicação
direta da Lei 7.783/1989
(Dispõe sobre o exercício do direito de greve,
define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade, e dá outras providências)
|
Art. 4º Caberá à entidade sindical
correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações da
categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação
de serviços.
§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as
formalidades de convocação e o quórum para a deliberação, tanto da
deflagração quanto da cessação da greve.
§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembleia
geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins
previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.
|
Art. 5º A entidade sindical ou comissão
especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas
negociações ou na Justiça do Trabalho.
|
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos
tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores
a aderirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados
por empregados e empregadores poderão violar ou constranger
os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao
comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do
movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas
não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade
ou pessoa.
|
Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em
greve suspende o contrato de trabalho, devendo as
relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo,
convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
|
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os
empregadores e os trabalhadores ficam obrigados,
de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas
que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a
segurança da população.
|
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve
a inobservância das normas
contidas na presente Lei, bem como a manutenção da
paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do
Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo,
convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito
de greve a paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de
cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência
de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a
relação de trabalho.
|
Clovis
Renato Costa Farias
Doutorando em Direito
Bolsista da CAPES
Programa de Pós Graduação em Direito da
UFC
Advogado Sindical e Trabalhista do
SINTUFCe
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