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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Aspectos históricos da Paralisação Coletiva do Trabalho: Imagens do debate com os TAE no Complexo Universitário da UFC

O debate foi proporcionado pela diretoria do SINTUFCe, que representa os servidores Técnico Administrativos em Educação (TAE), no Ceará, em evento que reuniu trabalhadores e trabalhadoras no Pátio das Mangueiras da Universidade Federal do Ceará, Complexo Universitário próximo ao Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e à Maternidade Escola Assis Chateaubriand, no Rodolfo Teófilo, Fortaleza.
O tema teve como provocação aspectos históricos e sociais que envolvem a temática da greve, com condução pelo advogado sindical Clovis Renato Costa Farias, que seguiu pelas abordagens abaixo enunciadas.
As leis não são capazes de obstacularizar os fatos.” (Luciano Martinez)
Greve
Palavra de origem latina que remete a peso, relutância, resistência;
Liga-se ao termo francês  greve que significa saibro, areia. Decorre do hábito dos trabalhadores reunirem-se no pátio da Place de L’Hotel de Ville na França, às margens do rio para aguardarem o chamado para o trabalho, momentos em que, também, tinham a oportunidade de trocarem experiências, se organizarem e efetivarem manifestações conjuntas, quando necessário, daí a origem do termo greve ligado a ajuntamento, paralisação.
Conforme Martinez (2012): na Espanha: huelga (folga, sem trabalho); na Itália: sciopero (derivada de scioperare ou ex operari sem operários); nos países de língua inglesa: strike (golpe, investida); na Alemanha: streik.

1.  Referenciais históricos mundiais
FASE DA CRIMINALIZAÇÃO
ü França, Lei de Chapelier (1791): impede o associacionismo laboral;
ü Inglaterra, Combination Act (1799): impede o associacionismo laboral;
ü França, Código de Napoleão (1810): criminalização das coalizões operárias;
ü Inglaterra, Sedition Meeting Act (1817): tipificação do sindicalismo como crime de sedição (conspiração);
APESAR DE TUDO, O ASSOCITIVISMO LABORAL PERMANECEU ENFRENTANDO SEUS OBSTÁCULOS E MANIFESTANDO SUAS REIVINDICAÇÕES...
“O Estado entendeu que seria melhor disciplina o associativismo que simplesmente negá-lo.” (Martinez, 2010, p. 688)

FASE DA TOLERÂNCIA
ü Inglaterra, Lei de Francis Place (1824): fim do caráter delituoso do associacionismo operário e da greve;
ü Inglaterra, Trade Union Act (1871): atribuição de personalidade jurídica às entidades patronais e laborais, outorgando-lhes autonomia organizacional interna;
ü França, Lei Waldeck-Rousseau (1884): revogação da Lei de Chapelier e regulamentação do associacionismo;

FASE DA AFIRMAÇÃO SINDICAL
ü Constituição do México de 1917
ü Constituição de Weimar de 1919
ü Convenção n º 11 da OIT/1921 (Direito de Sindicalização na Agricultura)
ü Convenção nº 87 da OIT/1948 (Liberdades Sindicais)
ü Convenção nº 98 da OIT/1949 (Negociação Coletiva)
ü Convenção nº151 da OIT/1978 (Direito de organização dos trabalhadores na Administração Pública)

2.  Referenciais históricos brasileiros
No Brasil também houve fases de proibição, tolerância e reconhecimento.
ü Constituição de 1824: proibia as corporações de ofício (art. 179, XXV);
ü Código Penal de 11.10.1890, art. 206: prisão cautelar de 1 a 3 meses para quem causasse ou provocasse a cessação do trabalho, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário. Contudo, ante as manifestações dos trabalhadores, já em 12 de dezembro de 1890 (dois meses depois), sai o Decreto 1.162, descriminalizando a conduta, salvo no tocante às manifestações violentas delas decorrentes;
ü Constituição de 1891 e Constituição de 1934 não trataram especificamente sobre o tema;
ü  Constituição de 1937, art. 139:  “Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.  A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.”

3.  Definição
ü Greve X Paragrevismo X Boicote X Sabotagem
ü É o recurso de que se valem os trabalhadores quando lhes faltam alternativas de diálogo.
ü Greve: direito fundamental; legitima a paralisação coletiva do trabalho; realizada de modo concentrado, pacífico e provisório; instrumento anunciado de pressão para alcançar melhorias sociais ou para manter cumpridas as conquistas normatizadas. Há a suspensão coletiva temporária e pacífica da prestação pessoal de serviços; total ou parcial; abusos sujeitam os responsáveis a penas;


5. Disciplinamento Legal
ü Constituição de 1988: art. 9º (geral – direito social); art. 37, VII (servidores públicos civis); art. 142, IV (veda ao militar a sindicalização e a greve).
ü Lei 7.783 de 28 de junho de 1989

6.  Características
Conforme Tarso Genro, a greve é formada por um trinômio:
1)     Ruptura da normalidade da produção;
2)   Prejuízo para o capitalista;
3)   Proposta de restabelecimento da normalidade rompida.

Para Martinez:
a)    É uma paralisação coletiva;
b)   De trabalhadores;
c)    Realizada de modo concentrado (atos racionais, organização, fins racionais, existência de pauta de reivindicação e de balizas para a negociação; deve sempre ter um comando ou centro de direção – eleita pela Assembleia Geral de Trabalhadores, conforme estatuto da entidade);
d)    De modo pacífico;
e)    Provisória;
f)      Funciona como instrumento anunciado de pressão;
g)    Para alcançar melhorias sociais ou para fazer com que as conquistas normatizadas sejam mantidas e cumpridas;

7.  Sujeitos
Sujeito ativo: categoria profissional, em regra representada por sua associação sindical; na falta de entidade sindical, a Assembleia Geral de Trabalhadores atuará excepcionalmente para fins de deliberação sobre a greve, constituindo comissão de negociação;
Sujeito passivo: o empregador ou o grupo de empregadores, diretamente ou por meio de representação sindical.
8. Representação dos trabalhadores (art. 5º)
Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.

9. Direitos dos grevistas (art. 6º)
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

II. Greve no Serviço Público

Adequações pelo STF da Lei 7.783/1989
a)     Serviço público é naturalmente atividade essencial, a ele se aplicando os regramentos da lei próprios deste tipo de atividade:
a.1. Notificação da greve com antecedência mínima de 72h, pelo sindicato;
a.2. Possibilidade de contratação pela Administração Pública, de pessoal temporário para assegurar a regular continuidade do serviço;
(Gérson Marques critica: “Ora, a permissão para a contratação temporária pode vir a esvaziar o movimento paredista”O STF e a crise institucional brasileira, p. 589)
b)     Sendo essencial o serviço público não pode ser totalmente paralisado. Um percentual razoável de servidores deve assegurar a continuidade regular, em resguardo da sociedade.
(Gérson Marques alerta: “O percentual, porém, não é fixado, ficando para as situações concretas, dependendo da natureza do serviço. De seu turno, não dá para assegurar a continuidade regular do serviço público numa greve, a não ser que haja prejuízo do movimento paredista, fragilizando o direito coletivo da categoria.”O STF e a crise institucional brasileira, p. 589) 
c)      Constitui abuso do direito de greve a paralisação que comprometa a regular continuidade na prestação do serviço público.
(Gérson Marques alerta: “Como se vê esta é uma colocação muito subjetiva, pois não há critérios objetivos que possam identificar quando ocorrerá o comprometimento da prestação do serviço público ou em que grau ele se manifeste.”O STF e a crise institucional brasileira, p. 589) 
d)     Os salários dos grevistas poderão ser descontados pelos dias da paralisação (art. 7º).
e)     Possível a contratação temporária de servidores substitutos;
f)       Possível a demissão dos envolvidos em greve ilícita;
(Gérson Marques alerta: “Essas inseguranças comprometem o trabalho de arregimentação e convencimento dos grevistas, submetendo-os à vontade ou tirania do administrador.”O STF e a crise institucional brasileira, p. 589) 
g) Competência processual (Aplicação análoga da Lei nº 7.701/1988  - Competência dos Tribunas do Trabalho):
Serviço público federal
g.1.  Paralisação de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal ou mais de uma unidade da Federação: Superior Tribunal de Justiça (STJ);
g.2. Greve ligada a uma única região da Justiça Federal: Tribunal Regional Federal respectivo;
Serviço público estadual ou municipal
g.3. Controvérsia sujeira a uma unidade da Federação: Tribunal de Justiça;
(Gérson Marques alerta: “Vale dizer, mesmo no âmbito da Justiça Comum, a competência originária para julgar o conflito é dos tribunais, e não o primeiro grau de jurisdição.”O STF e a crise institucional brasileira, p. 589) 
g.4. Há jurisprudências (da primeira instância) que consideram possível o julgamento pelas varas respectivas, com relações a questões pontuais, decorrentes do movimento paredista, tais como o corte de ponto e os respectivos descontos:
PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Processo N° 0035442-20.2014.4.01.3800 - 5ª VARA FEDERAL Nº de registro e-CVD 00030.2014.00053800.1.00119/00136. Julgamento em Belo Horizonte, 30 de abril de 2014. SINDIFES – SINDICATO TRABALHADORES INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DE BELO HORIZONTE-SIND-IFES, devidamente qualificado nos autos, impetrou o presente MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, com pedido de concessão de medida liminar, contra ato praticado pelo Magnífico REITOR DO INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS e PRO-REITORA DE GESTÃO DE PESSOAS DO IFMG. Do inteiro teor da decisão liminar:
[...] Impõe-se destacar que, no presente caso, não há indicação de que o movimento grevista tenha sido declarado ilegítimo pelo Tribunal competente de sorte que por se tratar de verba de caráter alimentar, destinada à sobrevivência dos servidores, não pode a Administração simplesmente adotar o corte do ponto, com o consequente desconto dos dias paralisados, como meio coercitivo para esvaziar o movimento paredista, sob pena de violar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana já que não há vida digna sem meios para a subsistência de cada um dos substituídos do sindicato.
Desse modo, os descontos fustigados, se revelam abusivos.
No caso concreto, ainda que assim não fosse, para realizar os descontos em vencimentos há necessidade de instauração de processo administrativo, no qual seja garantido o contraditório e a ampla defesa.
Na hipótese sob apreciação, não há notícia de que tenha existido procedimento nesse sentido, o que torna os descontos realizados arbitrários e ilegais.
Defiro, com estas considerações, a medida liminar postulada na petição inicial para determinar às autoridades apontadas como coatoras que se abstenham de efetuar corte de vencimentos dos seus substituídos, em razão da adesão à greve, ou de a eles aplicar outras penalidades pelo mesmo fundamento e, ainda, para os casos em que já foi dado o comando de supressão, como se verifica dos contracheques disponibilizados na internet, deverá ser determinada a retificação dos atos de pagamento, a fim de que este se faça na data regular, sem cortes, decorrentes do movimento grevista ou mediante folha suplementar.
Aplicação direta da Lei 7.783/1989
(Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências)
Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.
§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quórum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.
Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

Clovis Renato Costa Farias
Doutorando em Direito
Bolsista da CAPES
Programa de Pós Graduação em Direito da UFC

Advogado Sindical e Trabalhista do SINTUFCe

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