A Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) manteve condenação da Google Brasil Internet Ltda. a pagar indenização
por danos morais, no valor de R$ 20 mil, por não ter retirado do ar ofensas
publicadas em blog contra diretor de faculdade em Minas Gerais. A Turma
entendeu que não se pode responsabilizar direta e objetivamente o fornecedor do
serviço pelas ofensas de terceiros, mas sua omissão pode ser penalizada.
O diretor acionou
o Google depois de encontrar conteúdo difamatório produzido por alunos no site
Blogspot, mantido pela empresa. Ele obteve tutela antecipada determinando a
remoção das mensagens, mas a ordem não foi cumprida pela empresa. Houve então
condenação em R$ 20 mil a título de danos morais.
O Google recorreu
ao STJ, argumentando que o provedor não podia ser responsabilizado por material
divulgado por terceiros. Alegou também que a empresa só não forneceu o endereço
eletrônico (IP) do responsável pela postagem por estar impossibilitada, por
força de norma constitucional, de identificar o usuário, ressalvando que
"não houve pedido e muito menos ordem judicial determinando a quebra do
sigilo dos dados".
Internet e consumo
A ministra Nancy
Andrighi afirmou que nem a gratuidade do serviço prestado pelo provedor nem seu
aspecto virtual descaracterizam a relação de consumo. "No caso do Google,
é clara a existência do chamado cross marketing, consistente numa ação
promocional entre produtos ou serviços em que um deles, embora não rentável em
si, proporciona ganhos decorrentes da venda de outro", esclareceu.
"Apesar de
gratuito, o Blogspot exige que o usuário realize um cadastro e concorde com as
condições de prestação do serviço, gerando um banco de dados com infinitas
aplicações comerciais", afirmou. "Há, portanto, inegável relação de
consumo nos serviços de Internet, ainda que prestados gratuitamente",
concluiu.
Filtragem ativa
No entanto, a
relatora estabeleceu limites para a responsabilidade da empresa. "O
serviço do Google deve garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos
dados cadastrais de seus usuários, bem como o funcionamento e a manutenção das
páginas na internet que contenham os blogs individuais desses usuários",
anotou.
Mas ela ponderou que a fiscalização do
conteúdo postado pelos usuários não constitui sua atividade intrínseca, não
sendo possível considerar defeito do serviço a falta de exame do conteúdo
gerado pelos usuários. "Tampouco se pode falar em risco da atividade como
meio transverso para a responsabilização do provedor por danos decorrentes do
conteúdo de mensagens inseridas em seu site por usuários. Há de se ter cautela
na interpretação do artigo 927, parágrafo único, do
Código Civil de 2002", afirmou.
Para a ministra,
não se pode considerar que o dano moral a terceiros seja um risco inerente às
atividades dos provedores de serviço de internet, já que não implicam riscos
maiores para esses terceiros que as atividades comerciais em geral.
Violação de sigilo
A ministra Nancy
Andrighi ainda considerou que a filtragem prévia de conteúdo viola a
Constituição Federal: "O controle editorial prévio do conteúdo das
informações se equipara à quebra do sigilo da correspondência e das
comunicações. Não bastasse isso, a verificação antecipada, pelo provedor, do
conteúdo de todas as informações inseridas na web eliminaria - ou pelo menos
alijaria - um dos maiores atrativos da internet, que é a transmissão de dados
em tempo real", completou.
"Em outras
palavras, exigir dos provedores de conteúdo o monitoramento das informações que
veiculam traria enorme retrocesso ao mundo virtual, a ponto de inviabilizar
serviços que hoje estão amplamente difundidos no cotidiano de milhares de
pessoas, como é justamente o caso dos blogs cuja dinâmica de funcionamento
pressupõe sua rápida e constante atualização. A medida, portanto, teria impacto
social e tecnológico extremamente negativo", asseverou a relatora.
Subjetividade discricionária
"Mas, mesmo
que fosse possível vigiar a conduta dos usuários sem descaracterizar o serviço
prestado pelo provedor, haveria de se transpor outro problema, de repercussões
ainda maiores, consistente na definição dos critérios que autorizariam o veto
ou o descarte de determinada informação", acrescentou.
"Ante a
subjetividade que cerca o dano moral, seria impossível delimitar parâmetros de
que pudessem se valer os provedores para definir se uma mensagem ou imagem é
potencialmente ofensiva. Por outro lado, seria temerário delegar o juízo de
discricionariedade sobre o conteúdo dessas informações aos provedores",
alertou a ministra.
Desamparo social
Porém, a relatora
entendeu que não seria razoável afastar qualquer responsabilidade dos
fornecedores de serviços de internet usados para atividades ilegais. Ela
comparou normas internacionais e projeto de lei brasileiro que tratam das
responsabilidades desses fornecedores, tendendo a afastar a fiscalização
prévia, mas impondo a ação imediata em caso de notificações.
"Realmente,
este parece ser o caminho mais coerente. Se, por um lado, há notória
impossibilidade prática de controle, pelo provedor de conteúdo, de toda
informação que transita em seu site; por outro lado, deve ele, ciente da
existência de publicação de texto ilícito, removê-lo sem delongas",
afirmou.
Identificação e anonimato
A relatora
acrescentou às obrigações do Google o dever de propiciar meios que permitam a
identificação de seus usuários, sob pena de responsabilização subjetiva por
negligência.
"Dessa forma,
ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem
livremente sua opinião, deve o provedor ter o cuidado de propiciar meios para
que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e
atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada", asseverou
a ministra.
Ela observou que
não se trata, porém, de burocratizar excessivamente a internet. "Há de se
ter em mente, no entanto, que a internet é reflexo da sociedade e de seus
constantes avanços. Se, ainda hoje, não conseguimos tutelar com total equidade
direitos seculares e consagrados, seria tolice contar com resultados mais eficientes
nos conflitos relativos à rede mundial de computadores", considerou.
"Em suma,
pois, tem-se que os provedores de conteúdo: não respondem objetivamente pela
inserção no site, por terceiros, de informações ilegais; não podem ser
obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações postadas no
site por seus usuários; devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da
existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de
responderem pelos danos respectivos; devem manter um sistema minimamente eficaz
de identificação de seus usuários, cuja efetividade será avaliada caso a
caso", concluiu.
REsp 1192208
Fonte: STJ
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