A
Organização Mundial da Saúde estabeleceu como meta eliminar a hanseníase até o
ano de 2000. Contudo, ainda é um problema de saúde pública que persiste e que
possui determinantes que ainda não foram totalmente esclarecidos. Dados do
SINAN/SVS-MS apontam que em 2003 a prevalência foi de 4,52/10.000 habitantes, e
apesar de em 2011 a prevalência ter diminuido consideravalmente para 1,24
/10.000 habitantes, ainda existem diferenças entre as macrorregiões que devem
ser mais bem avaliadas. A região Norte, por exemplo, é a que apresenta a maior
prevalência (3,28), seguida pela região Centro-Oeste (3,15), Nordeste (1,56),
Sudeste (0,56) e Sul (0,46). Além disso, a distribuição geográfica da
hanseníase é heterogênea em alguns estados da federação, com características
epidemiológicas muito distintas.
A
pesquisadora Ligia Kerr-Pontes e colaboradores publicaram no International
Journal of Epidemiology um estudo ecológico no qual investigaram a relação
entre a incidência de hanseníase com fatores ambientais e socioeconômicos em
165 municípios do estado do Ceará, de 1991 a 1999. Apesar do contato
pessoa-a-pessoa ainda ser um importante modo de transmissão da hanseníase, os
autores consideraram em seu estudo que desigualdades sociais não atendidas
podem interferir na incidência de doenças, particularmente da Doença de Hansen.
E, de fato, na amostra estudada, o nível de desigualdade dos municípios, ao
invés de pobreza absoluta, se correlaciou diretamente com as taxas de
hanseníase.
A
localização do estudo foi imperativa nesse caso, pois se trata de um dos
estados mais pobres da federação, onde a distribuição geográfica da hanseníase
é extremamente heterogênea. Nos municípios envolvidos no estudo, quanto mais
desigual a distribuição da renda municipal, maior a probabilidade de a
hanseníase ser um importante problema de saúde. Além disso, a baixa de
escolaridade do município foi significativamente associada com a maior
incidência da doença. Esses achados fortalecem a hipótese de que a hanseníase é
uma condição que ocorre em indivíduos em situação de desvantagem social
pertencentes a uma sociedade desigual.
A
hanseníase é uma doença que apresenta um longo período de incubação (5-15
anos), e o mérito desse estudo reside justamente no período de acompanhamento
da população, que ocorreu por um período de 9 anos. Além disso, os autores
mostraram que em nível comunitário (área endêmica de hanseníase), a
desigualdade de renda, o crescimento relativo da população do município, o
nível educacional (em anos estudados), e o número de médicos por 1000
habitantes, foram fatores que se correlacionaram com a taxa de incidência da
hanseníase. Além disso, outros fatores, como a proporção de crianças de 7-14
anos que não frequentavam a escola e a presença de linha férrea no município,
foram também preditores da taxa de incidência de hanseníase no Ceará.
O
crescimento populacional desorganizado e problemas relacionados aos serviços de
saúde, como a falta de qualificação e experiência dos profissionais, foram
problemas citados pela pesquisadora Ligia Kerr-Pontes como responsáveis pelo
diagnóstico dífícil e por vezes tardio da hanseníase. Contudo, o compromisso de
ampliar esforços para eliminação da hanseníase é fundamental, e as decisões
políticas interferem na sua incidência. Recentemente, Ximenes e colaboradores
publicaram um estudo realizado na cidade de Carité, no Ceará, onde mostraram
que há uma relação entre a extrema pobreza e áreas de concentração de
hanseníase. Porém, os autores apontam que mudanças políticas na administração
da cidade foram capazes de gerar impactos positivos na prevalência da doença.
Esse resultado foi alcançado porque os gestores consideraram cuidadosamente a
missão de promover saúde e qualidade de vida através de ações intersetoriais,
visando à construção de um município saudável. Além disso, a intervenção se
baseou em um diagnóstico rápido e tratamento oportuno, vigilância
epidemiológica com busca ativa e evolução dos contatos com participação ativa
da Secretaria de Saúde, contando também com a participação comunitária no apoio
e acompanhamento do tratamento.
Pode-se
dizer que as desigualdades socioeconômicas, tanto as existentes na área de
educação como aquelas referentes ao acesso aos serviços de saúde, são
preditoras importantes da hanseníase no Brasil. O artigo de Kerr-Pontes e
colaboradores é uma contribuição relevante para o debate atual da hanseníase e
seus determinantes. Uma vez que a pobreza e a desigualdade são determinantes
sociais da saúde, principalmente em populações carentes, ações intersetoriais,
como a desenvolvida no município de Carité, servem de exemplo para outras
cidades e até mesmo para outros países em desenvolvimento no combate à Doença
de Hansen. A meta de eliminação da hanseníase pode ser alcançada através do
envolvimento intersetorial da sociedade para a própria sociedade. De um lado
representada pela participação de todos os profissionais de saúde, secretários
de educação e de ação social, e de outro, representada pela própria comunidade,
criando um processo sustentável de atendimento social de necessidades e redução
de iniquidades.
Fonte:
ISAGS. Gabriela Lamarca e Mario Vettore Em: 27/06/2012 às 12:39:40
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