Após quatro meses de greve acumulamos conquistas
políticas, organizativas, salariais e de defesa da Universidade Pública.
Porém, Reitoria manterá seu projeto
neocolonial
A greve de docentes e funcionários
técnico-administrativos das universidades estaduais conquistou a reversão da
intransigência, da indisposição ao diálogo e da perspectiva de desconstrução do
Cruesp e dos sindicatos do Fórum das Seis, encabeçadas, principalmente, pela
atual Reitoria da USP. Em todo este processo, ficou clara a iniciativa de M.A. Zago e V. Agopyan de procurar deslegitimar os
sindicatos de docentes e funcionários como interlocutores e negociadores de
políticas para a universidade, em particular as de caráter salarial.
Tal ataque era importante para aplainar o terreno e tentar
instalar um projeto de universidade operacional, produtivista e neocolonial.
O primeiro passo seria o arrocho de salários,
acompanhado de perto pela investida contra o Regime de Dedicação Integral à
Docência e à Pesquisa (RDIDP), pela desqualificação
do corpo docente, pela privatização dos Hospitais Universitários —
desconstruindo, assim, a USP como universidade na qual florescessem ensino,
pesquisa e extensão críticos e de excelência.
Nossa
disposição de luta, juntamente com a racionalidade de nossos dados, argumentos
e propostas, derrotou o intento inicial da Reitoria, construindo justamente o
contrário do que pretendiam: a legitimidade da Adusp como instrumento de
organização e defesa dos docentes na busca de melhores condições de vida e
trabalho acadêmico e de uma universidade pública, gratuita e republicana, que
possa contribuir para a reversão das condições indignas de vida e trabalho a
que tem sido submetida a maioria da população brasileira.
Durante todo
o processo, ficou evidente o projeto de cunho neocolonial,
originário do Banco Mundial e consolidado no Protocolo de Bolonha, que M.A.
Zago e V. Agopyan pretendiam implantar na USP. Ficou clara a perspectiva privatizante, materializada seja na proposta de
desvinculação dos hospitais universitários — o HU em São Paulo e o Hospital de
Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC, “Centrinho”) em Bauru — seja na
introdução de um perverso Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV),
que pode comprometer seriamente o
trabalho acadêmico na instituição. Ao mesmo tempo, exigiam dos diretores
de unidade o corte de ponto dos funcionários, para realizar um confisco
salarial sem precedentes na história da USP. Em franco ataque e
desrespeito à autonomia da universidade, a Reitoria judicializou a greve dos
funcionários técnico-administrativos, denunciando-a no Tribunal Regional do
Trabalho (TRT-2).
Avanços no
Cruesp
Entre nossos eixos de luta, dois eram centrais desde o início do movimento:
por um lado, não aceitaríamos arrocho salarial; por outro lado,
considerávamos fundamental lutar pelo aumento do
financiamento destinado às universidades estaduais paulistas e sua
perenidade, em contrapartida ao esforço de expansão realizado por USP, Unesp e
Unicamp. Levamos estas propostas e perspectivas, embasadas em dados
e análises econômicas e acadêmicas, à opinião pública, bem como à Assembleia
Legislativa (Alesp) — e, durante Ato Público realizado diante do Palácio dos
Bandeirantes em 14/8, protocolamos em reunião com representantes do governo
estadual a pauta de reivindicações do Fórum das Seis por mais verbas para as
universidades estaduais paulistas. Conquistamos amplo apoio ao
movimento e às suas reivindicações por meio da realização do ato “SOS USP: em
defesa da universidade pública”, realizado em 2/9. É bom lembrar que
nossa reivindicação salarial era um reajuste de 7,05%,
índice Dieese entre maio de 2013 e abril de 2014; acrescido de 3% de
compensação por perdas passadas.
Assistimos,
mais uma vez, a demonstrações de intransigência total de M. A. Zago e A. Vahan,
por intermédio de sucessivas propostas de 0% de reajuste, ao mesmo tempo em que
declaravam à imprensa que a USP não precisa de mais recursos. Uma atitude que
comprometia seriamente o funcionamento do Cruesp, inviabilizando qualquer forma
de negociação salarial unificada, portanto isonômica, das
universidades estaduais.
Esta diretriz de ação política da Reitoria da USP
começou a ser derrotada pela força do movimento na reunião de 2/9 do Conselho
Universitário (Co), que se viu impelida a aprovar uma proposta a ser
encaminhada ao Cruesp, elaborada pela Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP)
por iniciativa do próprio reitor, de reajuste em duas parcelas: 2,6% em
outubro/14 (a ser paga em novembro) e 2,534% em janeiro/15 (a ser paga em
fevereiro), perfazendo um acumulado de 5,2%, índice FIPE entre maio de 2013 e
abril de 2014.
No dia
seguinte, na primeira reunião entre Fórum das Seis e Cruesp em que houve alguma
negociação efetiva neste ano, os sindicatos conquistaram um pequeno mas
significativo avanço: pressionados, os reitores concordaram que as parcelas de
reajuste — agora convertidas em duas de 2,57% — fossem pagas
respectivamente em setembro/14 e dezembro/14, de forma que os 5,2% incidissem
sobre o 13º salário.
Enquanto
isto, a judicialização da greve dos técnico-administrativos
trazia mais derrotas para a Reitoria da USP: o TRT-2 decidiu pela restituição
imediata dos salários confiscados; proibiu o novo confisco que seria realizado
em 5/9; e reconheceu a obrigação da universidade de respeitar a data-base
(1º/5), sugerindo, como conciliação, o pagamento de 28,6% de abono,
equivalente a fazer retroagir a maio/14 o reajuste de 5,2%. O
Fórum das Seis incorporou a reivindicação dos 28,6% de abono, abrindo mão de
sua reivindicação original. Mais uma vez, a força do movimento reconstruiu a
unificação da negociação salarial das três universidades: 28,6% de abono, além
dos 2,57% em setembro e dezembro de 2014.
Tão importante quanto a conquista salarial foi o
reconhecimento por parte do Cruesp —_embora sempre acompanhado pela
desqualificação, velada ou não, da parte do reitor da USP — de que o Fórum das
Seis tinha razão no que reclamava há anos: aumentar a alíquota de repasse de
verbas para as universidades; fazer cessar o desconto do montante da Habitação
e mudar a base de cálculo deste repasse, de modo a incluir entre outras alíneas
as parcelas da quota-parte do Estado relativas a multas e juros de mora do ICMS
e da dívida ativa deste imposto. A tabela 1 indica as semelhanças e diferenças
entre a proposta do Fórum das Seis apresentada ao governador e à Comissão de
Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp (que continuaremos a defender) e a
do Cruesp, protocolada por meio do seu ofício 24/2014 na Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
Merece
também registro a mudança de alíquotas do ICMS-QPE presentes na proposta do
Cruesp, descritas na tabela 2.
Não devemos subestimar a importância desta mudança de postura do Cruesp, ganho político do movimento. Para termos uma ideia, a sangria devida ao desconto da Habitação e ao fato de que a base de cálculo das universidades não é o total do produto do ICMS-QPE chega a R$ 1,887 bilhão apenas até agosto/14! Se incluirmos os cerca de R$ 3 bilhões do programa Nota Fiscal Paulista distribuídos em 2014, chegamos à incrível cifra de R$ 4,887 bilhões até agosto/14!
Ganhos
organizativos
A
reconstituição do Cruesp como locus
de negociações entre as entidades do Fórum das Seis e as administrações das
universidades estaduais foi mais uma conquista política da greve. Em
consequência, ficou acertado com o Cruesp que o debate e a negociação da
próxima data-base terá início em abril/15. Além disso, serão constituídos dois
Grupos de Trabalho (GT) compostos por membros indicados pelo Cruesp e pelo
Fórum das Seis “para construção de documento conjunto com
definição de conceitos, diretrizes e princípios em dois relevantes temas:
(1a) Isonomia entre as três
Universidades e (1b) Assistência e permanência estudantil” (Comunicado Cruesp
03/2014).
A construção
do movimento conjunto de docentes e
funcionários técnico-administrativos estabeleceu relações de cooperação e
debate que propiciaram uma interação produtiva, preservando a autonomia dos
sindicatos e o respeito a diferenças e divergências, tanto de pontos de vista,
quanto de métodos de luta.
Na Adusp, a
constituição e o trabalho dedicado e entusiasmado da Comissão de Mobilização
(CM) merecem destaque especial. Além de tornar-se um espaço de debate político
de qualidade, de convergência e síntese de posições e propostas, potencializou
a construção de inúmeras atividades de discussão e debate, a produção de
frequentes edições do Boletim da Greve, a inserção de matérias analíticas sobre
o movimento e seus rumos no site da Adusp, assim como o surgimento de blogues
de divulgação e defesa do movimento. A CM teve um papel fundamental no sucesso
do ato “SOS USP: em defesa da universidade pública”, seja no empenho em
projetar e construir este evento, seja na sua consecução efetiva.
Muitos
colegas, em diversas unidades, trabalharam na disseminação de ideias e
propostas, envolveram-se com a análise criteriosa das informações divulgadas
pela Adusp, construindo um ambiente de realimentação positiva e colaboração que
fulminou o raquitismo intelectual ao qual querem nos submeter. Isso ajudou-nos
a perceber que não é mero sonho o projeto de universidade pública, gratuita,
laica, democrática e socialmente referenciada, na qual frutifica o debate
intelectual crítico, interdisciplinar e criativo, bem como o encontro de
experiências e vivências políticas, culturais e afetivas: é possível de
construir, na prática. Esta experiência marcante enche de energia quem dela
participou, para dar continuidade às lutas renhidas que teremos de travar...
Embates à
frente! É imperioso atentar para o fato de que as diretrizes da Reitoria
permanecerão. Que surpresas desagradáveis nos aguardam quando sair o relatório
do GT Atividade Docente? (Registre-se, a propósito: embora reiteradamente
convidado, até agora esse GT não se apresentou para debater suas propostas com
a Adusp.) Qual passará a ser a posição da CERT? Voltaremos à situação de vinte
anos atrás, quando M. A. Zago foi membro (nomeado em 1994) e depois presidente
da CERT (1997-1998), época na qual os regimes de trabalho eram rebaixados por
avaliações produtivistas?
No caso dos
hospitais, ainda que o governo do Estado tenha, no momento, desautorizado
qualquer interesse seu tanto no HU como no HRAC, continua inalterada a
perspectiva da Reitoria de destruição da contribuição essencial ao ensino,
pesquisa e extensão realizada por essas instituições, substituindo-a pela
apropriação privada de suas capacidades instaladas, seja por fundações ditas
“de apoio”, seja por Organizações Sociais (OS) ou pela Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (EBSERH, ligada ao governo federal).
Entretanto,
nem tudo é “céu de brigadeiro” para a Reitoria da USP. Além do desgaste
político intenso a que foi submetida pelo movimento, descobriu-se que a
resolução sobre o HRAC tomada pelo Co em 26/8 é nula de direito: teria de
conseguir dois terços dos votos para ser aprovada (77); e não metade mais um,
como ocorreu (63).
A Adusp tomará medidas administrativas solicitando a
anulação da decisão. Além disso, está em discussão na Câmara
Municipal de Bauru uma moção de protesto dos vereadores contra a decisão do Co,
reivindicando a manutenção do HRAC como órgão complementar da USP.
Será
necessário manter nossa presença e pressão na Alesp de forma a obter, na Lei
Orçamentária Anual (LOA-2015), a ser discutida e votada após as eleições, a
complementação de investimento, agora defendida tanto pelo Fórum das Seis
quanto pelo Cruesp.
É nossa
responsabilidade acabar, de vez, com a estrutura de “capitania hereditária” da
USP, perpetuada por transições conservadoras, que sob a égide do novo garantem
apenas a continuidade de um autoritarismo arcaico e desprovido de qualificação
para coordenar uma universidade que seja merecedora deste nome.
A nossa
experiência recente mostrou, mais uma vez, a necessidade de democratização
profunda da estrutura de poder e das relações sociais na USP, que só poderá ser
realizada por meio de uma Estatuinte exclusiva, democrática e soberana.
Informativo
nº 390
23 Set 2014
a 27 Nov 2014
Fonte: http://www.adusp.org.br/index.php/campanha-salarial-2014cs/2159-conquistas-importantes-embates-ainda-a-travar
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