"É
angustiante. Às vezes, não consigo dormir pensando no que construí nos últimos
quinze anos - e em como tudo isso desmoronou em questão de meses", conta
Anderson de Souza, pequeno empresário da periferia de Salvador que acaba de
fechar seu negócio na área de distribuição de bebidas.
"Como
vou pagar a escola dos meus três filhos? E em que vou trabalhar se as empresas
parecem só querer contratar gente jovem?"
A história
de Anderson é uma das muitas ouvidas pela BBC Brasil que mostram como a
estagnação da economia, a desaceleração
do mercado de trabalho e as demissões em massa em setores específicos parecem
estar colocando em risco o sonho de classe média de algumas famílias
brasileiras.
Segundo
dados do IBGE, o desemprego ficou em
5,3% em janeiro, contra 4,3% em dezembro e 4,8% no mesmo período de 2014. A
taxa ainda está em patamares historicamente baixos, mas essa alta de 1 ponto
percentual significa que o número de pessoas desocupadas aumentou 22,5% no mês
passado. No total, o saldo de janeiro é de um fechamento de 220 mil postos de trabalho.
"Com a
desaceleração do mercado de trabalho é esperado que possa haver uma paralisação
e até retrocesso de alguns avanços sociais dos últimos anos", acredita
Waldir Quadros, professor da Faculdades de Campinas (Facamp). "Temos
estudos mostrando que, desde 2013, já houve uma piora na questão da mobilidade
social - as pessoas não só pararam de melhorar como começaram a piorar. E esse
processo deve acelerar com um aumento do desemprego."
Claudio
Dedecca, da Unicamp concorda que pode haver retrocesso. "Mesmo entre os
empregados, já está mais difícil negociar ganhos reais de salário", diz.
Já Gabriel
Ulyssea, professor da PUC-Rio, faz a ressalva: "É claro que as histórias
de pessoas que perderam seus empregos ou não encontram trabalho são dramáticas
– e de fato devem se tornar um pouco mais comuns. Mas por outro lado, o índice
de desemprego deve crescer pouco – a boa notícia é que não deve chegar ao
patamar dos 10%."
Anderson é
um dos brasileiros cujo padrão de vida está sendo afetado pela estagnação e as
demissões. São pessoas que prosperaram nos anos em que o Brasil crescia. Muitas
compraram casa, carro e eletrodomésticos. Investiram em sua formação e na
educação dos filhos.
Tiveram
oportunidades com as quais seus pais nunca sonharam - e, agora, com a desaceleração
econômica, perderam seu ganha pão e têm de refazer seus planos.
Confira
abaixo a história de algumas delas:
Anderson de
Souza: 'Se alguém ganhou com a Copa não foi na periferia'
Anderson
teve uma infância "feliz, mas difícil" em São Paulo. "Às vezes,
comíamos farinha com açúcar porque não havia mais nada em casa", diz.
Quando
jovem, trabalhou como motoboy na capital paulista, mas foi na Bahia, terra de
seus pais, que ele prosperou com um negócio de distribuição de bebidas –
chegando a ter 10 funcionários.
"Sempre
quis dar a meus filhos o que não tive", diz ele. "Nos últimos anos,
coloquei eles em uma escola particular, comprei três televisores, para não dar
briga em casa, computador, TV cabo e internet."
"Consegui
melhorar muito a vida da minha família porque meu negócio prosperou. A demanda
só crescia. Há pouco mais de um ano, porém, isso começou a mudar."
A queda
drástica das vendas, combinada com dois assaltos, levaram o comerciante a
fechar a distribuidora. Ele também se endividou para tentar salvar seu negócio
– e sua situação financeira se complicou ainda mais.
"A Copa
foi uma grande decepção: achava que ia salvar minhas vendas, mas se alguém
ganhou dinheiro com os jogos, não foi aqui na periferia", diz ele.
"Agora
estamos tentando encontrar uma maneira de pagar as contas e dívidas. Já fiz uma
entrevista em uma empresa, mas em geral buscam gente mais nova. Talvez deva
tentar a sorte em outro negócio."
Anderson
Rodrigues: 'O que mais me preocupa é ficar sem seguro-saúde'
Demitido em
dezembro após seis anos e meio em uma empresa do setor aeronáutico, Anderson
Rodrigues, de São José dos Campos, também teve uma carreira promissora até sua
empresa começar a cortar gastos para se adaptar à "nova realidade
econômica".
Ilustrador
técnico especializado em certificação aeronáutica, Anderson viu seu salário
dobrar no boom econômico da década passada. Fez diversos cursos de
especialização, comprou carro e pagou pela educação dos filhos.
"Agora,
o que mais me preocupa é a falta de seguro saúde, porque tenho diabete e estava
fazendo um tratamento com um médico particular", diz ele.
"Além
disso, há alguns anos, meu filho foi contaminado por uma superbactéria e, não
fosse a rapidez com que foi atendido e diagnosticado em um hospital privado,
provavelmente estaria morto hoje."
Anderson diz
que está fazendo um curso superior de gestão de produção industrial e estudando
inglês para aumentar suas chances de conseguir um novo emprego.
"Mas a
situação está desanimadora na minha região: as montadoras locais estão demitindo
e o setor aeronáutico passa por dificuldades."
Ana Carolina
Alves: 'Deixei de ser classe média'
Formada em
jornalismo e administração e com um curso técnico em refrigeração, Ana Carolina
Alves era gerente comercial de uma empresa em Osasco que passava por
dificuldades econômicas.
"Fizemos
um acordo e eles me desligaram da empresa. Eu achava que seria fácil encontrar
um novo trabalho na área, mas já estou mandando currículos há 5 meses - e
nada", diz ela.
A única de
sete irmãos que levou os estudos adiante, Ana Carolina diz que, até agora,
sentia que seus esforços de investir em sua formação haviam sido recompensados.
Na última
empresa em que trabalhou, por exemplo, foi promovida a um cargo de supervisão.
"Nunca
imaginei que pudesse chegar a essa situação. Nos últimos meses vendi o carro,
parei de sonhar em comprar apartamento, cancelei os cartões de crédito, cortei
os gastos de lazer e vamos ter de nos virar para pagar o aluguel, agora
reajustado", diz ela.
"Deixei
de ser classe média. Minha sorte é que minha mãe nos ajuda com a criação da
nossa filha."
Eurivan
Sales: 'Agora tenho de morar com um amigo'
Eurivan
Sales trabalhava no complexo petroquímico do Comperj, polêmica obra da
Petrobras em Itaboraí, no Rio de Janeiro. Hoje, é um dos 2.500 funcionários da
empresa Alumini Engenharia sem salário há três meses. Outros 469 já foram
demitidos, mas receberam apenas parte de suas verbas rescisórias.
Eurivan e
seus colegas brigam na Justiça para receber seus vencimentos – mas há um jogo
de empurra entre Alumni e Petrobras sobre quem deve fazer o desembolso. Nesta
semana, eles estão acampando em Brasília para pedir a resolução do caso.
Mecânico
montador, Eurivan diz que pretende voltar para sua cidade, no Pará, quando
resolver sua situação.
"Por
enquanto, meu caso é pior que o de um desempregado. Logo vou ter de procurar
outro trabalho - talvez de caminhoneiro. Em Itaboraí a situação é desoladora
por causa dessa crise na Petrobras", diz ele.
"Há
muito desemprego, os comércios não vendem e alguns estão fechando. As
perspectivas de conseguir trabalho por lá são nulas", conta.
Eurivan diz
que desde o ano passado "sua vida virou de cabeça para baixo".
"Estou
morado na casa de um amigo, porque não tinha como pagar o aluguel. E não vou
poder mais ajudar a financiar os estudos de minha filha mais nova - ela estava
fazendo cursinho para entrar na faculdade, além de curso de inglês",
conta.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/02/150212_classe_c_desemprego_ru?ocid=socialflow_facebook
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