Rita
Mendonça*
As ruas do
centro da cidade de São Miguel dos Campos/AL amanheceram neste dia 3 de
dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, com uma novidade um
tanto quanto inusitada: as vagas mais concorridas para estacionar em frente às
lojas do comércio local estavam ocupadas por cadeiras de rodas onde se lia em
um cartaz “Volto já”.
Trata-se da
Campanha de sensibilização para o respeito às vagas de estacionamento para as
pessoas com deficiência, organizada pela Associação de Deficientes Físicos de
São Miguel dos Campos (Adefismic).
Infelizmente, é comum que não se respeite essas vagas privativas.
O presidente
da Adefismic, o arquiteto especializado em acessibilidade Maurício Faustino,
cadeirante, disse que a intervenção foi idealizada a partir de experiências
semelhantes realizadas em outras cidades brasileiras, no eixo sul-sudeste do
país. “Independente da região os nossos
problemas com barreiras à acessibilidade são praticamente os mesmos: calçadas
desniveladas, rampas íngremes fora da angulação, calçamento irregular e vagas
preferenciais ocupadas por quem não tem deficiência. Por isso resolvemos reproduzir em São Miguel
uma experiência de sensibilização que vem dando resultado em outros
municípios”.
As reações
foram as mais diversas possíveis. As
justificativas e desculpas também foram muitas.
A mais comum delas: “é só um instantinho”, “volto em um minuto”, “é
rapidinho”.
E nesse
mesmo sentido foi a intervenção dos associados da Adefismic. As cadeiras de rodas ocuparam espaços
destinados aos veículos e diziam nos cartazes “volto já”.
“Nosso
objetivo é que as pessoas que não tem dificuldades de locomoção sintam o que é
ter desrespeitada uma garantia que é nossa – nós pessoas com deficiência – e
que foi uma conquista decorrente de anos de luta por reconhecimento de nossa
cidadania. Desejamos que a partir de
tomadas de consciência como essa as pessoas mudem o seu comportamento com
relação ao respeito de espaços que são reservados para nós. Não por privilégio, mas pelo reconhecimento
das dificuldades que enfrentamos diariamente para ir e vir com autonomia e
segurança”, diz Ednaldo Vitor, associado da Adefismic, vereador da cidade e
também cadeirante.
A deputada
federal Rosinha da Adefal, cadeirante, que lidera as discussões no Congresso
Nacional quando o assunto é acessibilidade e inclusão, lembra que “quem não tem
mobilidade reduzida não tem noção da importância desses espaços reservados. Na maioria das vezes a cidade, com sua falta
de planeamento e acessibilidade, é o principal obstáculo que nos mantém longe
das escolas, do mercado de trabalho, dos espaços de lazer, esporte e
cultura. Assim como qualquer outra
pessoa queremos exercer a nossa cidadania e conviver socialmente. A vaga de estacionamento reservada, próxima
ao local de nosso destino e com espaço para o giro da cadeira nos dá essa
autonomia com segurança, o que é essencial.”
Rosinha é
relatora de projeto de lei que estabelece que o Código Nacional de Trânsito
considere pena gravíssima estacionar em vagas reservadas para pessoas com
deficiência, conferindo o teto da pontuação na CNH e também os níveis mais
altos de multa para os infratores (PL 3800/2012).
Lamentavelmente,
assim como para o uso obrigatório do cinto de segurança, o estabelecimento de
penalidades, principalmente o risco do pagamento de multa, parece o processo de
conscientização e acelera a absorção da regra pela sociedade. Antes essa estratégia não fosse necessária.
O
comerciante local Marcelo Ferraz, embora tivesse com todos os espaços de
estacionamento em frente à sua loja ocupados por cadeiras de rodas, se
solidarizou ao movimento, reconhecendo as dificuldades enfrentadas pelas
pessoas com deficiência, muitas delas que poderiam ser evitadas por simples
conscientização e respeito às leis por parte da sociedade como um todo. “Tem gente que se excede, ocupando vagas
reservadas e estacionando em frente às poucas rampas que dão acesso às
calçadas, o que impede a circulação de quem tem dificuldades, principalmente
quem usa cadeira de rodas”, diz Ferraz.
Mas houve
quem se irritasse com a intervenção, se saindo com o chavão “pago meus
impostos, não tenho deficiência e não tenho nada a ver com isso”.
Quem pensa
assim se engana. Num mundo cada vez mais invadido pela violência social, pelos
acidentes de trânsito e pelas doenças, não é o fato de ter nascido sem
deficiência que nos garante chegar ao fim da vida sem ser acometido por
qualquer uma delas.
E mesmo que
não se adquira uma deficiência na trajetória de nossa vida, se tivermos a sorte
e a felicidade de envelhecermos teremos nossa mobilidade reduzida e fatalmente
precisaremos dos mesmos recursos de acessibilidade e inclusão que hoje são tão
preciosos para as pessoas com deficiência.
Cuidemos do nosso
futuro, então.
*é advogada,
pesquisadora e consultora em direitos humanos, inclusão social e
acessibilidade.
Fonte:
http://onedef.blogspot.com.br/
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