Ao
conquistar a honraria máxima na tradicional instituição, a aluna Letícia
Cardoso passa a fazer parte do Pantheon Literário que, em 125 anos, tinha
recebido apenas 13 rapazes
RIO - Foi
preciso esperar até o fim do ano letivo para que Letícia Cardoso, de 18 anos,
pudesse recolocar seu piercing na orelha. Mas foi por um bom motivo. Pela
primeira vez em 125 anos, o quadro de alunos exemplares do Colégio Militar do
Rio de Janeiro (CMRJ) receberá a fotografia de uma mulher. Letícia foi o 14º
estudante na história da escola e a primeira do sexo feminino a receber a maior
honraria da instituição. A medalha Thomaz Coelho, entregue a ela no dia 6 de
fevereiro, é compartilhada com ilustres ex-alunos e consequência de uma vida
estudantil exemplar.
Para entrar
no Pantheon Literário do colégio é preciso ser o primeiro no ranking da escola
durante os sete anos de ensino, ter dois terços das notas acima de 9,5, jamais
ter recebido uma nota abaixo de 6 e apresentar comportamento impecável. Feito
que Letícia garante ter alcançado sem muito esforço. Sua única derrapada foi o
piercing na orelha, acessório proibido na instituição, mas que vez ou outra a
aluna esquecia de retirar antes das aulas. No entanto, assim que concluiu o
ensino médio, ela tratou logo de colocar outro, no nariz, e fez duas tatuagens.
Meninas no
colégio foi acerto
O colégio
está terminando os ajustes para incluir a fotografia da adolescente ao lado
daquelas de ex-alunos como o ex-ministro Márcio Fortes e o médico Antonio Paulo
Capanema de Souza.
— O aluno
pantheon é a honraria máxima do Colégio Militar e uma das nossas tradições mais
importantes. Esse feito inédito demonstra que foi um acerto do Exército trazer
meninas para o colégio — afirma o coronel comandante do CMRJ, Alex Vander Lima
Costa, lembrando que as alunas só passaram a ser admitidas pelos colégios
militares no Brasil em 1989.
Sem
militares na família, Letícia decidiu por conta própria, aos 11 anos, prestar o
concurso do CMRJ — a mãe, Cátia, funcionária pública, e o pai, Nelson,
autônomo, não faziam questão. Adaptou-se à disciplina rígida, que inclui chegar
à escola antes das 7h, vestindo uniforme impecável, com boina e sapatos
lustrados, e proíbe cabelos soltos ou esmaltes coloridos — além dos piercings,
é claro. Foi a primeira no ranking de cada série que cursou, fazia parte do
time de handebol e integrava a cavalaria, categoria militar mais disputada
entre os alunos.
— Ela sempre
se destacou em sala de aula. Era aquela aluna curiosa, nunca deixava uma
pergunta sem resposta — lembra a tenente Fabrícia, professora de história.
Longe do
estereótipo de nerd, Letícia garante que nunca virou uma noite estudando.
Admite que no início do ensino médio ficou enjoada das restrições impostas pelo
colégio e pensou em sair. Mas aprendeu a lidar com a rigidez e hoje diz que não
se arrepende. Como qualquer adolescente, adora sair com os amigos (gosta do
Buxixo, na Tijuca, bairro onde mora desde sempre, ou de dançar no Barra Music)
e é fã de séries de TV , como “Game of thrones” e “Once upon a time”. O ótimo
desempenho estudantil ela credita ao estímulo da família e à competição que
trava consigo mesma. E também a uma assumida teimosia, típica dos que nasceram
sob o signo de Touro:
— Quando eu
cismo com alguma coisa, vou e faço. Não que eu tenha focado em ser aluna
pantheon, isso foi acontecendo naturalmente. Mas eu gosto de competir comigo
mesma, gosto de testar meus limites.
Na UFRJ, uma
nova rotina
Em meio às
imagens dos ex-alunos, ela sonha com um futuro brilhante. Prestes a iniciar o
curso de engenharia química na UFRJ (outra meta com a qual ela encasquetou e só
sossegou ao ver que tinha conseguido), Letícia pensa em trabalhar em algo
ligado à sustentabilidade.
— Acho que a
educação não é só sua, você tem que compartilhá-la com os outros. Não penso em
ser professora, mas quero ajudar o mundo de alguma forma com aquilo que eu
aprender — filosofa.
Ao deixar o
colégio onde fez amigos para a vida toda, Letícia não esconde a ansiedade pela
nova etapa que a espera. Longe da rotina do Colégio Militar, a aluna número 1
terá de se reinventar no ambiente universitário. Os sete anos em que viveu no
colégio, porém, permanecerão com ela: seu número de matrícula, 3.185, está
orgulhosamente tatuado no ombro esquerdo. Afinal, todo aluno exemplar tem suas
transgressões.
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/primeira-chegar-ao-olimpo-do-colegio-militar-15470342?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
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