Emenda que bloqueia demarcação de terras voltará a
tramitar.
Outras propostas privatizam bancos genéticos, estimulam mineração predatória e
introduzem plantio de cana na região
Em 2014,
protestos de movimentos sociais, como a invasão do Congresso por lideranças
indígenas, fizeram com que as discussões parlamentares em torno da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 fossem sucessivamente canceladas. A
matéria, em tramitação na Câmara dos Deputados, retira do Presidente da
República a competência pela demarcação de terras indígenas, transferindo-a ao
Congresso Nacional. Embora as fortes mobilizações tenham feito com que o
projeto fosse arquivado, ele deve voltar à pauta da Câmara em 2015, avaliam
organizações não governamentais (ONGs) ouvidas por Infoamazonia. Além da PEC
215, outras quatro matérias podem voltar a tramitar neste ano e, se aprovadas,
trazer impactos negativos para a Amazônia.
Os projetos
destacados não foram arquivados ao final de 2014 ou têm grandes chances de
voltarem à pauta, seguindo os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do
Senado. Com algumas exceções (confira abaixo projeto a projeto), o arquivamento
acontece ao término de cada legislatura – um período de quatro anos que tem
início no dia 1º de fevereiro do ano seguinte de cada eleição para os
representantes do Congresso Nacional, com a posse dos eleitos.
Se
arquivados, os projetos perdem sua tramitação e precisam ser reapresentados ao
plenário, repetindo todo o rito feito anteriormente para ser aprovado. Com o
desarquivamento, as propostas voltam a tramitar de onde pararam no período
anterior.
1)
Demarcação de terras indígenas
A PEC 215,
apresentada em 2000 pelo então deputado federal Almir Sá (PPB-RR), pretende
alterar a Constituição Federal deixa ao Congresso Nacional a competência pela
aprovação da demarcação de terras indígenas. Hoje, a palavra final é do
Ministro da Justiça, depois de um longo processo que envolve estudos
antropológicos de identificação liderados pela Fundação Nacional do Índio
(Funai) e prazo para contestações por qualquer parte interessada no
reconhecimento da área.
Se aprovada,
a proposta ainda exigiria a tramitação de um projeto de lei delimitando os
critérios e procedimentos de demarcação das terras indígenas. Além das terras
indígenas, emendas à PEC 215 procuram transferir também ao Congresso o
reconhecimento de áreas remanescentes de quilombos e a criação de unidades de
conservação.
“É um projeto extremamente preocupante”,
afirma Aldem Bourscheit, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil. “Os
argumentos [em favor da PEC 215] são esdrúxulos, na linha de que o país já
teria muitas terras indígenas”. Ele considera que, na prática, a aprovação da
PEC “acabaria engessando a demarcação de terras indígenas”. Já para Márcio
Astrini, coordenador de campanha do Greenpeace Brasil, as terras indígenas “são
a forma mais eficiente de combater o desmatamento”.
Arquivada em
2014, a PEC 215 pode voltar a ser discutida por uma comissão especial em 2015.
Para isso, a matéria precisa ser desarquivada por um dos 26 deputados que, em
2000, assinaram pela apresentação da proposta e voltaram à Câmara dos Deputados
em 2015. Eles têm até 31 de julho para pedir pelo desarquivamento. Quando foi
elaborada por Almir Sá, a PEC 215 contou com o apoio de 232
parlamentares(confira a lista aqui). Por ser uma proposta que pretende alterar
a Constituição, são necessárias ao menos 171 assinaturas (ou um terço da Casa).
2) Recursos
genéticos
[Atualização: O projeto foi aprovado pela
Câmara dos Deputados em 11/2 e seguiu para o Senado]
O PL 7.735
de 2014 é destacado por Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do
Instituto Socioambiental (ISA). A proposta pretende substituir a Medida
Provisória 2.186-16/2001, que regula atualmente o uso comercial do patrimônio
genético. Segundo Adriana, o PL “simplifica a legislação sobre o uso da
biodiversidade”. “A partir de uma dificuldade que o governo tem de fiscalizar,
o Executivo fez uma lei que simplifica o que deve ser fiscalizado”.
Comunidades
tradicionais – como indígenas e quilombolas – têm informações e práticas sobre
os usos destes recursos genéticos, que interessam às indústrias farmacêutica,
alimentícia, de higiene, entre outros. Abrigando cerca de uma em cada cinco
espécies do planeta, o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, enquanto
possui milhares de comunidades tradicionais que fazem uso desta diversidade
biológica.
Para
Adriana, um problema do projeto atualmente é que, se aprovado, deve estabelecer
que microempresas não precisem mais repartir ganhos financeiros com as
comunidades locais. “Mas muitas grandes empresas usam essas empresas menores
para fazer uso dos recursos genéticos obtidos”, pontua. A ONG também reclama
que as populações afetadas não foram consultadas na elaboração do projeto, o
que contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
ratificada em 2002 pelo Brasil.
A matéria é
de autoria do Poder Executivo. Por isso, não foi arquivada no fim de 2014 e
continua com sua tramitação regular. A proposta tramita em regime de urgência –
quando a Casa tem até 45 dias para votar – e chegou a ser colocada em votação
no plenário em dezembro de 2014, mas a discussão foi adiada por obstrução da
pauta. Na ocasião, parlamentares contrários ao projeto deixaram o plenário para
evitar a formação do quórum necessário à votação. Uma comissão especial para
analisar o tema chegou a ser criada no papel em julho de 2014, mas nunca foi
constituída de fato.
3) Código da
Mineração
O novo
Código da Mineração, em discussão na Câmara dos Deputados, pretende substituir
o decreto-lei 227, de 1967, que atualmente regula a atividade. O Projeto de Lei
(PL) 37/2011 determina que o governo deve licitar as áreas de mineração e,
também, vai aumentar a arrecadação estatal. A proposição enfrenta grande
pressão de empresas que atuam no meio, pois como demonstrou a Agência Pública
influencia o financiamento de campanha dos políticos envolvidos com a comissão
especial que analisa o PL.
O projeto
não avança na regulamentação da atividade em termos ambientais, mas a discussão
preocupa Adriana Ramos: “Me parece que propostas de mineração de terra indígena
vão tentar ser aprovadas separadamente”. Aldem Bourscheit, do WWF-Brasil,
acredita que “o Brasil precisa, sim, de uma nova legislação de mineração”. “Mas
infelizmente, até o momento, os projetos em curso não assumiram a proteção que
a gente espera”.
O PL 37/2011
tem regime de prioridade – quando deve entrar na pauta de votação imediatamente
depois de todas as proposições em regime de urgência. A matéria foi produzida
pelo deputado Weliton Prado (PT-MG), que foi reeleito em 2014 e tem até o dia
31 de julho para pedir o desarquivamento do projeto e manter o estágio atual de
tramitação. Caso contrário, uma nova proposta terá que ser apresentada.
4) Cana na
Amazônia
Com o
Projeto de Lei do Senado (PLS) 626 de 2011, Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor da
proposta, quer legalizar o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da
Amazônia. A atividade é dificultada no bioma desde 2009, quando o decreto nº
6.961, que impede a concessão do crédito rural para plantações do tipo na
Amazônia, foi publicado pelo presidente Lula.
O problema,
segundo Márcio Astrini, é que o cultivo pode aumentar a “pressão pelo
desmatamento”. “A cana vai ocupar grandes áreas, que hoje são da pecuária,
arroz, algodão e soja, e empurrar essas outras culturas para dentro da
floresta”. O ambientalista do Greenpeace ainda avalia que existe uma “falta de
governança” no zoneamento da região que fragilizaria a situação e aumentaria a
destruição da floresta.
O projeto
havia sido aprovado em maio de 2013 em caráter terminativo (quando só precisa
do aval das comissões responsáveis para ser aprovado e não vai para votação do
plenário da Câmara dos Deputados) pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do
Consumidor e Fiscalização e Controle. No entanto, o PLS voltou a tramitar
depois que o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) incluiu uma emenda à votação e
pediu a inclusão de duas comissões na discussão para ser aprovado. A votação
está parada na Comissão de Assuntos Econômicos, onde recebeu parecer contrário
do relator Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Outras três comissões ainda precisam
analisar a emenda antes que o projeto possa ser aprovado e encaminhado à Câmara
dos Deputados.
Como o
mandato de oito anos de Flexa Ribeiro termina só em 2019, o PLS 626/2011 não
foi arquivado e continua com sua tramitação regular.
5) Mineração
em áreas protegidas
Aldem
Bourscheit, do WWF, aponta o PL 3.682, de 2012, como uma das propostas
preocupantes que podem voltar à pauta neste ano. Seu autor, o deputado Vinícius
Gurgel, do PR do Amapá, foi reeleito e quer que seja autorizada a mineração em
até 10% das áreas de unidades de conservação. Como contrapartida, o deputado
propõe que a mineradora que explorar dentro de unidades de conservação doe “ao
órgão ambiental competente” uma terra com “o dobro da dimensão da área cedida e
as mesmas características”, como explica na ementa do projeto. A atividade hoje
é proibida nestas zonas.
Na defesa da
proposta, o parlamentar argumenta que “um grande número dessas unidades [de
conservação], especialmente na Amazônia, foram criadas sobre terras com grande
potencial mineral”. Gurgel pondera que estas reservas são necessárias para o
crescimento econômico.
“Mas os impactos nunca vão se limitar a estes
10%. A atividade da mineração sempre tem grande impacto”, afirma Bourscheit.
“Existem outras áreas de conservação que poderiam atender a atividade de
mineração. O Brasil não precisa degradar suas áreas protegidas para abrigar
essas atividades”.
Tramitando
em caráter conclusivo (quando pode ser aprovado somente com o aval das
comissões responsáveis e não vai para votação do plenário da Câmara dos
Deputados), o projeto está na Comissão de Minas e Energia, onde ainda não foi
votado, mas já tem um parecer favorável do relator, o deputado Bernardo Santana
de Vasconcellos (PR-MG). O deputado propôs um substitutivo ao projeto de
Vinícius Gurgel que submete a delimitação das unidades de conservação de
proteção integral ao Congresso Nacional e não cria limites ou contrapartidas à
mineração nestas áreas. O PL 3682/2012 ainda deve passar por outras duas
comissões antes de ser aprovado.
Como foi
reeleito, Vinícius Gurgel precisa pedir que o projeto seja desarquivado até 31
de julho.
Confira nos
mapas onde há mineração e desmatamento na Amazônia: http://infoamazonia.blogosfera.uol.com.br/2015/02/02/cinco-projetos-de-lei-no-congresso-podem-afetar-negativamente-a-amazonia/
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