Na próxima
quarta-feira (10), a Comissão Nacional da Verdade deve apresentar o relatório
de seus trabalhos. Espera-se que nomes
de torturadores e assassinos sejam enfim publicados, que seus crimes sejam
fartamente descritos, a fim de que, ao menos, ganhem força processos para
terminar com a impunidade aos que cometeram crimes contra a humanidade durante
a ditadura militar.
Mas, como por ironia da história, neste exato
momento, o Brasil conhece manifestações periódicas de pessoas que saem às ruas
pedindo por um golpe militar. Não uma mobilização pelo dever de memória,
mas um clamor para a repetição da
destruição do país.
Mas o que dizer destas pessoas? Estariam elas a
exercer seu direito de liberdade de expressão expondo seu descontentamento com
a situação política atual ou estariam a cometer o mais vil e torpe de todos os
crimes, o mais imperdoável, a saber, este que clama pela destruição do mínimo
de liberdade que dispomos atualmente?
Notem, quem sai à rua e levanta um cartaz pedindo
“intervenção militar” não está fazendo a mesma coisa que alguém a gritar “Fora
Dilma” ou “Fora FHC”. “Fora X, Y ou Z” é algo que se ouve em todas as partes do
mundo onde há descontentamento. Significa normalmente um pedido de impeachment,
de renúncia ou a afirmação da deslegitimação do poder.
Já quem clama por um golpe militar pede,
necessariamente, a implementação de um regime de exceção, com assassinatos
sistemáticos de Estado contra oponentes, comandado por uma casta militar que
fará o que o Brasil nomeará na quarta: a destruição física e simbólica de quem
não está acostumado com o silêncio.
Quem quer
a causa quer as consequências. Por isto, pedir
por uma “intervenção militar” não é uma “opinião” política, mas pura e
simplesmente o crime por excelência.
Claro que haverá aqueles a dizer que eu deveria então
criticar os que saem às ruas e pedem, por exemplo, por “revolução” (onde? Faz
tempo que não vejo ninguém fazer isso). No entanto, uma revolução é uma
sublevação popular que dá voz ao poder instituinte. Nada a ver com um golpe que,
por sua vez, é a forma máxima do fim da política.
Por isso, quem levanta um cartaz a favor de um golpe
militar não pode estar na rua, mas deveria estar ou respondendo a processos por
incitação à forma máxima de violência ou diretamente na cadeia.
Uma sociedade que não pune quem pratica tal
violência, mas convive com os que a elogiam como se fosse algo meio pitoresco,
cava sua própria cova.
Vladimir
Safatle é filósofo
Fonte:
FSP, terça-feira, 09/12/2014
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