'Ley de Seguridad Ciudadana' criminaliza protestos
populares e permite expulsar estrangeiros nos enclaves de Ceuta e Melilla
O
Parlamento espanhol aprovou no último dia 11 de dezembro, por 181 votos a 141
(o governista Partido Popular, ou PP, possui maioria absoluta), a chamada Lei
de Segurança Cidadã (Ley de Seguridad
Ciudadana), que causou imensa controvérsia ao longo de seu debate e que
poderá ter consequências graves ao criminalizar
manifestações populares e permitir a expulsão sumária de imigrantes sem
documentação nos enclaves de Ceuta e Melilla (rodeados pelo Marrocos).
Segundo o
texto aprovado, as forças de segurança
espanhola podem devolver ao Marrocos imigrantes sem documentação pegos tentando
atravessar a fronteira (as altas grades que separam as duas cidades do resto do
continente); e a redação aprovada ainda abre brechas para ações violentas por parte da Espanha contra aqueles
que tentarem cruzar a fronteira, pois, reza o texto, "os estrangeiros que
sejam detectados na linha fronteiriça [...] poderão ser rechaçados a fim de
impedir sua entrada na Espanha". Como se dará esse "rechaço"
é uma grande incógnita e motivo de muito temor.
Para os próprios cidadãos espanhóis, recairão
pesadas multas caso decidam realizar protestos, manifestações e escrachos. Multas mais pesadas do
que as pagas por motoristas bêbados ou membros do PP ou da casa real envolvidos
em casos de corrupção.
De acordo
com o texto aprovado, será proibido mesmo gravar ou
fotografar policiais atacando ou violentando cidadãos, seja um caso isolado ou
ações coletivas contra multidões. Além disso, "as denúncias, atestados ou atas formuladas por agentes da
autoridade em exercício de suas funções que tenham presenciado os fatos [...],
constituirão base suficiente para adotar a resolução que proceda, salvo prova
em contrário", ou seja, qualquer cidadão acusado
falsamente por um policial de cometer um crime - ou de desacatá-lo - terá de
provar não ter cometido tal infração, o que inverte a lógica básica do direito
de que o ônus da prova recai sobre quem acusa.
Na Espanha
do Partido Popular a palavra de um
policial vale mais do que as bases fundamentais do direito. E quem ousar registrar casos de abuso policial
será culpado e multado - e não o agressor. É a impunidade total chancelada pelo Congresso espanhol.
Há espaço
ainda para, na lei, confrontar a constituição. Os organizadores de protestos que não tenham sido comunicados previamente
às autoridades poderão pagar multas de até 600 mil euros caso o local escolhido
para o protesto exerça algum "serviço básico para a comunidade",
em outras palavras, qualquer protesto
dentro de uma universidade, em frente a um tribunal ou mesmo em frente ao
congresso ou governos regionais se enquadraria na definição de "instalação
em que se prestam serviços básicos". Em apenas uma canetada os protestos na Espanha foram basicamente
proibidos.
Mas para evitar qualquer problema de
interpretação, a lei prevê multa de 30 mil euros para quem protestar em frente
ao congresso. Caso alguém resolva
protestar e se sentar na calçada de casa contra a medida, também poderá ser
multado em 30 mil euros. Protestos pacíficos muito comuns na Espanha, como se
sentar em locais públicos e se recusar a se mover são passíveis de multa e se
um policial ao te retirar do local o agredir ou ferir não incorrerá em qualquer
penalidade.
Na
Espanha, Gandhi teria ficado pobre antes de conseguir qualquer um de seus
objetivos.
O PP
também pensou nos bancos, seus grandes aliados, e impõe uma multa de 30 mil euros a quem impedir
desahucios, ou seja, que pessoas sejam expulsas de suas casas e jogadas na rua
pela polícia por terem contraído dívidas em geral com bancos - muitos deles
"resgatados" da falência com dinheiro público.
A lei
também contempla multas de até 30 mil
euros para quem for pego com um cigarro de maconha no bolso, já que a nova lei
considera a posse e o consumo de drogas - independentemente de qual ou da
quantidade, como uma falta muito grave. Gravíssimo, porém, é o de levar
adiante eventos - como concertos musicais, atos políticos, debates públicos,
etc - considerados ilegais. A multa sai por até 600 mil euros. No País Basco
protestos e atividades populares são constantemente suspensas pela justiça como
tentativa de intimidação e, muitas vezes, são realizadas da mesma forma. A lei
cai como uma luva na ampliação da repressão à população basca.
Por fim,
para evitar que sobre qualquer espaço para um protesto, nada de se pendurar em
uma estátua - já que assim você não impede o trânsito, não olha torto para um
policial, não o desacata com seu cheiro e nem fica perto de áreas que prestam
serviço público -, a multa pode chegar aos 30 mil euros.
É bom
lembrar que qualquer tipo de desacato a um policial ou qualquer autoridade
também gera pesada multa, ou seja, na Espanha de 2014 é proibido protestar e
reclamar também desta proibição, senão o
Estado lhe tomará todos os pertences.
Todos os
partidos presentes no congresso espanhol protestaram contra a aprovação da lei,
mas o fato do PP possuir a maioria absoluta tornou os protestos inócuos. Alguns
deputados chegaram a protestar colocando vendas sobre suas bocas para denunciar
o que muitos tem chamado de Lei da Mordaça, mas pouco podiam fazer frente à
esmagadora que o Partido Popular possui no congresso.
Segundo o
porta-voz do PP na Comissão de Interior, Conrado Escobar, "as
manifestações serão mais livres, porque estarão protegidas dos mais
violentos". Sem dúvida uma verdade, já que de acordo com a lei
manifestações em geral não terão como acontecer de forma alguma sob pena de
levar seus organizadores e participantes à falência.
Raphael
Tsavkko Garcia é jornalista. Mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e Doutorando
em Direitos Humanos (Universidad de Deusto)
Raphael
Tsavkko Garcia | Bilbao - 16/12/2014 - 12h50
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/38848/espanha+aprova+lei+que+impede+manifestacoes+impoe+censura+e+fecha+cerco+contra+imigrantes.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário