A reforma agrária objetiva,
basicamente, a democratização do acesso à terra. Para atingir esse objetivo, o
governo deve tomar medidas para uma distribuição mais igualitária da terra,
desapropriando grandes imóveis e assentando famílias de lavradores ou garantindo
a posse de comunidades originárias daquelas terras, como indígenas e
quilombolas.
As desapropriações
são conduzidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), autarquia ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). As
ações do Incra têm como base as diretrizes do II Programa Nacional de Reforma
Agrária, implantado em 2003.
Além da
desconcentração da estrutura fundiária, alguns dos objetivos do programa são: o
combate à fome, a produção de alimentos, a geração de renda e o desenvolvimento
rural sustentável. Entretanto, em 2011, pouco mais de 22 mil famílias foram
assentadas - de acordo com dados do Incra -, em grande contraste com o ano de
2006, por exemplo, quando foram atendidas mais de 136 mil famílias.
O Judiciário tem
ajudado bastante no processo de desapropriação - seja ele por utilidade pública
ou por interesse social. Pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) já passaram
centenas de processos relativos à desapropriação para reforma agrária, o que
ajudou o tribunal a consolidar sua jurisprudência relativa ao tema - inclusive
com entendimentos sumulados.
Área maior
Durante o processo
de desapropriação, peritos fazem laudos técnicos sobre a propriedade
expropriada - relativos à produtividade e mesmo ao tamanho da propriedade. Em
alguns desses casos, a área encontrada pelo perito difere daquela no registro do
imóvel.
Por conta dessa
situação, o Incra recorreu diversas vezes ao STJ. No Recurso Especial (REsp)
1.252.371, relatado pelo ministro Cesar Rocha, a autarquia questionou decisão
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que determinou que o valor da
indenização corresponderia à área encontrada pela perícia, e não àquela
registrada.
O Incra já havia
depositado indenização correspondente à área efetivamente registrada e
declarada, embora tenha medido, em perícia, cerca de 20 hectares a mais. A indenização
oferecida pelo Incra era de R$ 1.117.159,28, mas a sentença fixou indenização
em R$ 1.412.186,88 (reduzindo o valor arbitrado pelo laudo pericial, R$
1.848.731,28). O valor foi mantido pelo TRF5, sob o argumento de que "a
indenização deve corresponder ao todo real, pouco importando o que o registro
anuncie".
O ministro Cesar
Rocha destacou que, a seu ver, a indenização deve abranger a área total
determinada, sem restrições ao levantamento dos valores equivalentes à
diferença obtida entra a área do registro e a área real. Segundo ele, o
expropriado só ficaria impossibilitado de levantar a totalidade do valor da
desapropriação se houvesse dúvidas quanto à propriedade da área não registrada
ou disputas pela porção de terra.
Porém, a
jurisprudência do tribunal impõe indenização da área registrada, mantendo-se em
depósito judicial o que sobrar até que o expropriado promova a retificação do
registro ou que seja decidida a titularidade do domínio.
Juros compensatórios
Os juros
compensatórios são cedidos ao desapropriado para compensar o que ele deixou de
ganhar com a perda antecipada do imóvel ou ressarci-lo pela perda do uso e gozo
econômico do imóvel. Entretanto, sempre existem controvérsias sobre sua base de
cálculo.
Nos embargos
declaratórios no REsp 1.215.458, o Incra alegou que a base de cálculo para
incidência dos juros compensatórios seria a diferença apurada entre o preço
ofertado em juízo e o valor da condenação - no período de vigência daMedida Provisória 1.577, de 1997 até 2001.
O ministro Mauro
Campbell Marques concordou com a alegação do Incra e acolheu os embargos.
Segundo ele, entre 11 de junho de 1997 e 13 de setembro de 2001, os juros devem
ser fixados em 6% ao ano. A partir daí, em 12% ao ano, de acordo com a súmula
618 do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro
explicou que antes da MP 1.577, a base de cálculo corresponde ao valor da
indenização fixada em sentença, a partir da imissão de posse. Depois da MP, a
base de cálculo corresponde ao valor ofertado pelo expropriante menos o valor
fixado judicialmente. E a partir de 2001, quando a MP foi considerada
inconstitucional, a base de cálculo passa a ser a diferença entre 80% do valor
ofertado e o valor fixado na sentença.
Imóvel improdutivo
Alguns dos imóveis
desapropriados são improdutivos, ou seja, não cumprem sua função social. E
muitas vezes, a administração pública se recusa a pagar os juros
compensatórios. Porém, o STJ entende que os juros compensatórios incidem, sim,
sobre imóveis improdutivos.
O ministro Castro
Meira afirmou esse entendimento no julgamento do REsp 1.116.364. Para ele,
"excluir os juros compensatórios do valor a ser indenizado representaria,
em verdade, dupla punição".
Isso por causa da
frustração da expectativa de renda, pois a qualquer momento o imóvel
improdutivo pode ser aproveitado e se tornar produtivo, ou pode mesmo ser
vendido. O fundamento para a imposição dos juros compensatórios não é a
produtividade, e sim o desapossamento.
No julgamento dos
embargos de divergência no REsp 453.823, o ministro Teori Zavascki explica
quais são os critérios que devem ser cumpridos para um imóvel ser considerado
produtivo: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recurso
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar
dos proprietários e trabalhadores.
Mas ainda que o
imóvel não atenda a esses critérios, os juros compensatórios são cabíveis.
Segundo o ministro Zavascki, isso acontece em respeito ao princípio da justa
indenização.
"Embora a
Constituição tenha afastado a recomposição em dinheiro do patrimônio do titular
do imóvel desapropriado, manteve o critério da justa indenização, que só se
fará presente mediante a reparação de todos os prejuízos experimentados pelo
administrado, incluindo os juros compensatórios", explicou o ministro.
Comunidade quilombola
O Incra tentou
desapropriar uma fazenda localizada em terras definidas como sítio de valor
histórico e patrimônio cultural do povo Kalunga. Mas a sentença extinguiu o
processo, por considerar que o objetivo da desapropriação para reforma agrária
é promover a expropriação de terras para o assentamento de trabalhadores. O
entendimento foi mantido pelo TRF1.
A autarquia
recorreu ao STJ - no REsp 1.046.178 - alegando que possui legitimidade para
realizar a desapropriação do imóvel. O Decreto 4.887/03 regula
o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece
a propriedade definitiva das terras às comunidades quilombolas.
O decreto declara
o Incra competente para a identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades
dos quilombos. O DL 3.365/41, que trata das desapropriações por utilidade
pública, não prevê a desapropriação para regularização de terras para
comunidades quilombolas que não ocupavam a área desapropriada.
O caso é, na
verdade, desapropriação por interesse social, pois o imóvel não servirá à
administração pública, e sim ao interesse da comunidade - o objetivo da
desapropriação é a preservação do patrimônio cultural do povo Kalunga.
Segundo o ministro
Mauro Campbell Marques - ao dar provimento ao recurso do Incra, determinando a
retomada do trâmite da ação de desapropriação -, o poder público não pode
desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade pública ou interesse
social.
"A
desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária, modalidade extrema
de intervenção do estado na propriedade privada, constitui mecanismo de
implementação de justiça social no campo, por intermédio da justa distribuição
da propriedade rural e da renda fundiária", disse o ministro.
REsp 1252371, REsp
1215458, REsp 1116364, REsp 453823 e REsp 1046178
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