Saiba
como se constroem entendimentos entre patrões e trabalhadores na maior economia
da Europa.
A
ideia inicial era fazer uma entrevista individual a cada um: primeiro, Rainer
Hoffmann, que está à frente da Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB);
depois Markus Kerber, um líder do patronato e secretário-geral da Associação
Federal. Mas quando o Diário Económico conheceu os dois dirigentes, que já
estavam à conversa, Hoffmann e Kerber nem hesitaram em aceitar o desafio de se
sentarem à mesma mesa e trocar pontos de vista em conjunto.
Qual
é o segredo para ter tão boas relações entre patrões, sindicatos e Governo?
Rainer
HOFFMANN: Primeiro, é importante sublinhar que especialmente durante a crise,
em 2008 e 2009, tanto as confederações patronais, como os sindicatos, assumiram
seriamente a sua responsabilidade de salvar os postos de trabalho para
ultrapassar a crise, criando um número de instrumentos em colaboração próxima
com o Governo. Por exemplo, olhamos para a situação económica de uma empresa e,
se a sua situação o justifica, durante um período limitado a empresa pode
prolongar ou reduzir as horas de trabalho. Criámos instrumentos para reduzir os
salários durante um período limitado de tempo. Temos também o trabalho de curta
duração, que foi prolongado de 12 para 24 meses.
Segundo,
devemos ter em conta que temos relações sociais relativamente estáveis ao nível
das empresas. A participação dos trabalhadores acontece em dois níveis: o de
base, em que os representantes dos trabalhadores estão em contacto directo com
os empregadores; e a "codetermination", em que os trabalhadores estão
no conselho de supervisão, juntamente com os donos das empresas. Aqui são
discutidas as questões estratégicas da empresa e são dados conselhos sobre
medidas a tomar. Este sistema é baseado numa espécie de entendimento comum e de
confiança. É duradouro e não se pode desenvolver ou instalar de um momento para
o outro. É de alguma forma o segredo para termos relações de confiança, o que
não quer dizer que não tenhamos conflitos. A questão é saber como lidar com
esses conflitos. É preciso respeito mútuo, sentarmo-nos à mesa, ouvir qual é o
problema, verificar se temos o mesmo entendimento, se conseguimos chegar à
mesma análise da situação económica do país. E se isto for uma base sólida,
certamente que conseguimos disputar sobre as melhores formas para ultrapassar o
problema.
Por
último, o princípio da unidade no movimento laboral, que é ter organizações
chapéu. Não quer dizer que todos os sindicatos estejam sempre de acordo, mas
actuar como uma organização coesa faz certamente diferença. Esta foi a
conclusão que tirámos da segunda guerra mundial, porque antes disso o movimento
laboral na Alemanha estava dividido. Foi uma lição muito importante que não
devemos desvalorizar. Isto tem que ver com o facto de termos relações estáveis
com os representantes das empresas, mas também com partidos políticos. Mesmo
que se tenha uma relação profunda com um partido, por exemplo eu sou membro do
partido democrático, é importante que enquanto confederação sindical seja capaz
de trabalhar de forma decente, não apenas tacticamente, com todos os partidos
políticos.
Markus
KERBER: Tem de ser dito também que quando o sistema foi introduzido, há cerca
de 40 anos, houve alguma luta entre as nossas duas organizações. Willy Brandt
foi o primeiro chancelar social democrata do pós-guerra e foi quem introduziu a
"codetermination", contra a vontade da maioria dos empregadores e
industriais alemães. Nos primeiros 10 a 15 anos, houve numerosas tentativas das
organizações de empregadores de reverter este sistema. Esta grande história de
sucesso está a acontecer nos últimos 20 anos. Os sociais democratas eram
acusados pelos trabalhadores do leste de não ser suficientemente de esquerda.
Por isso Brandt e a sua equipa tiveram de inventar algo que nenhum outro líder
socialista na Europa do leste tivesse feito. Não sei se foi propositadamente ou
à sorte, mas inventaram um sistema chamado "codetermination" que
acabou por ser o factor número um do sucesso do país, contra a vontade dos
industriais. Hoje em dia, se falar com as 30 maiores empresas ou com a grande
maioria das empresas mais pequenas e familiares, já não querem viver noutro
sistema. Porque comparado com as empresas espanholas, italianas, portuguesas,
muitos dos conflitos internos são resolvidos por cavalheiros como Rainer
Hoffmann, que se sentam à mesa e negoceiam a solução. Seja ao nível sectorial -
indústria química, farmacêuticas, aço - ou só para uma empresa.
A
empresa terá de partilhar mais informação com os sindicatos e os trabalhadores.
KERBER:
Eu sento-me no conselho de supervisão do Commerzbank, o segundo maior banco do
país. 50% dos supervisores do banco são trabalhadores e representantes
sindicais. Tenho de discutir a estratégia do Commerzbank com 10 senhoras e
cavalheiros que gerem um dos ramos da empresa, que estão atrás do balcão, que
têm a experiência diária da actividade do banco.
E
isso é uma vantagem ou uma desvantagem?
KERBER:
Tem certamente desvantagens no que toca à minha gestão do tempo. Mas tem a
enorme vantagem de ter mais pontos de vista pelos quais avaliar um problema.
Regularmente os representantes dos trabalhadores e os sindicalistas tomam
partido e impedem-me de ser demasiado optimista ou pessimista. Muitos dos
representantes sindicais em França ou na Itália diriam: "OK, mas veja a
evolução dos salários na Alemanha". Mas na Alemanha há um consenso social
que considera preferível ter emprego pleno do que maximizar os salários a todo
o custo. Esta é uma discussão que precisa de acontecer na Europa: onde está o
meio caminho entre a maximização dos salários e um certo grau de segurança no
emprego.
Como
avaliam a situação em Portugal: o país já tem os salários abaixo da média, e
também já tem um desemprego muito elevado. Como se resolve este problema?
HOFFMANN:
primeiro é preciso avaliar qual é a razão da crise. Se analisarmos o problema,
penso que ambas as partes, patronato e sindicatos, concluímos que falta
investimento. Através do investimento conseguimos perspectivas de crescimento e
emprego. Esta é uma das fraquezas da união monetária. O BCE tem sido bem
sucedido, mas apenas para política monetária. As políticas orçamentais,
estruturais, industriais e uma combinação de políticas pode criar uma base
sólida para a Europa e para regiões específicas regressarem ao crescimento. Não
sou contra ter flexibilidade no mercado de trabalho, mas para isso temos de
combiná-la com alguma segurança. Isto era uma promessa da comissão europeia da
intitulada Estratégia de Lisboa. Já passaram 14 anos. A experiência de muitos
trabalhadores é que a flexibilidade é muita, mas falta a segurança. Este equilíbrio
é fácil de pedir mas difícil de fazer. O que precisam de ter para implementar
isto, e na Alemanha temos essa experiência, é um diálogo decente entre
parceiros sociais e governo.
KERBER:
Nos últimos 20 anos, os países do norte da Europa (Holanda, Alemanha, Reino
Unido) estavam todos a cortar o peso do sector público. Ao mesmo tempo os
empregos que estavam a ser cortados do sector público estavam a ser absorvidos
pelo sector privado. Isto parece muito complicado em Portugal, Itália e
Espanha.
Não
está a acontecer...
KERBER:
O que ouço é que há tanta burocracia para criar um negócio que o sector privado
não consegue e não cria empregos suficientes. Precisamos de acreditar que o
sector privado consegue criar empregos muito bem pagos. Passo a maior parte do verão
em Espanha e é muito esquisito ver que não existem empresas de dimensão média
em quantidade suficiente, com cerca de mil trabalhadores. Se não estão a ser
criadas, talvez algumas empresas do norte da Europa devessem criar subsidiárias
suas aqui, porque o talento está disponível por toda a Europa. Mas como posso
abordar o governo português ou espanhol sem parecer arrogante? Depois olha-se
para o modelo sueco ou dinamarquês e têm exactamente o contrário, estados
grandes, com impostos muito elevados e as suas economias também estão a
crescer. Porquê? Porque as suas sociedades estão totalmente satisfeitas com uma
distribuição igualitária da riqueza.
HOFFMANN:
Não se pode simplesmente copiar um modelo e implementá-lo num país. Pode-se
retirar alguns elementos, mas será preciso criarem o vosso próprio modelo com
as vossas próprias considerações.
A
legislação laboral em Portugal continua a ser um problema? A Alemanha tem os
mini-jobs, Portugal não tem.
HOFFMANN:
Aqui teremos provavelmente pontos de vista diferentes. Se olharmos para a
Agenda 2010, temos algumas questões que foram necessárias e bem feitas. Mas na
Alemanha temos um aumento nos segmentos de baixos salários - cerca de 20% da
força de trabalho está a ganhar menos de 8,5 euros por hora. É a precarização
do trabalho, é por isso que estamos a introduzir o salário mínimo pela primeira
vez na Alemanha. Se olhar para as recomendações da OCDE, até eles são da
opinião de que a rigidez do mercado de trabalho não é o problema número um.
Temos de ser cuidadosos. Ter mais flexibilidade e segurança é a direcção certa,
mas na Alemanha fomos longe de mais no lado da flexibilidade e isto conduz a
uma segmentação do mercado de trabalho que não é vantajosa e que temos de
corrigir. Não estou familiarizado com os detalhes em Portugal, mas a minha
recomendação é que isto é uma questão que devemos aprender da Alemanha. A
reforma tem de ser discutida entre os parceiros sociais e se houver acordo
torna-se muito mais efectiva. Mas para isso é preciso precondições e uma delas
é uma base de confiança entre os diferentes parceiros.
KERBER:
Só conheço a situação em Espanha e Itália. Antes da reforma laboral, o que me
explicaram é que era praticamente impossível despedir um trabalhador a partir
de uma determinada idade. Isto conduzia à situação bizarra de quem tem 25 ou 30
anos praticamente não conseguia trabalho. Todos os jovens tinham contratos de
seis meses, sem quaisquer direitos, era um mercado de trabalho completamente
separado do dos trabalhadores com 55 anos. Mesmo que se pagasse 100 mil ou 200
mil euros de indemnização para despedir não era legal. Isso é bizarro! Na
Alemanha, as regras também são estritas. Se eu quiser despedir 10% da minha
força de trabalho, tenho de fazer um acordo com ele [aponta para Hoffman].
Tenho de negociar os termos em que um despedimento pode acontecer e ele tem uma
palavra muito forte a dizer sobre quem são as pessoas escolhidas.
Os
trabalhadores têm uma palavra. Os representantes sindicais têm de aceitar que o
despedimento é economicamente necessário e que todos os outros caminhos foram
tentados. Se o sindicato aceitar que a única forma de a empresa se manter
viável é o despedimento, então o sindicato e os representantes das comissões de
trabalhadores vão escolher a lista de pessoas. Se eu aceitar a lista, os
despedimentos começam. Mas vão negociar duramente connosco quem serão as
pessoas, qual a indemnização a que terão direito, se poderão regressar caso a
situação económica da empresa melhore. Este processo, apesar de ser amargo,
garante a "paz empresarial". As pessoas que são afectadas, o mínimo
que pedem é que seja justo, e que os seus interesses tenham sido ouvidos e
tidos em conta.
Quando
chego a outros países vejo processos que nenhum empregador gostaria de ter.
Provoca tanto descontentamento em quem fica que a sua produtividade cai a
pique. Já atravessei um processo destes e não é fácil, não é agradável, mas
pelo menos há o sentimento de que é relativamente justo e que há um perímetro
de segurança à volta das pessoas que podem ter dificuldades das quais eu,
enquanto CFO, nunca me aperceberia. Por exemplo, pessoas com dificuldades em
casa, com pouca probabilidade de encontrar outro emprego, porque têm de viajar
muitos quilómetros para voltar para casa. Por exemplo, nunca saberia de casos
como o de jovens que dizem aos sindicatos que não se importam de fazer parte da
lista porque até já têm outro emprego em vista e assim até ganham uma
indemnização. O processo é duro, mas é civilizado.
Seria
possível manter esse nível de entendimento se fosse preciso aplicar medidas de
austeridade tão duras como em Portugal?
KERBER:
Em 2008 e 2009 sentimos que houve mais tensão.
HOFFMANN:
tendo em conta que temos instrumentos para trabalhar juntos com confiança isso
torna a questão mais fácil.
KERBER:
Quando introduzimos a agenda 2010, havia tensão social na Alemanha. O acordo
que foi conseguido implicou que os sindicatos abdicassem de reivindicar mais,
entre 2005 e 2007. Mas logo depois da crise financeira chegaram-se à frente e
disseram "agora é a nossa vez, nós queremos aumentos acima da média".
Nós não achámos muita graça, mas o que poderíamos fazer? Comparativamente a
outros países europeus, tinham um argumento válido.
Por
Margarida Peixoto, 25/06/2014
Fonte:
http://economico.sapo.pt/noticias/lider-dos-patroes-e-chefe-dos-sindicatos-revelam-segredo-para-acordos-na-alemanha_196262.html
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