A Fifa e as empresas patrocinadoras da Copa do Mundo de 2014 estão autorizadas a contratar crianças e adolescentes a partir de 12 anos para trabalhar em "atividades promocionais" relacionadas ao Mundial de futebol. No final do ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou uma resolução que autoriza o trabalho de crianças e adolescentes no evento.
Na Recomendação Nº 13 do órgão, pode-se ler: "A
participação de crianças e adolescentes em atividades promocionais do evento
esportivo nos estádios, como 'acompanhamento de jogadores', 'porta-bandeiras',
'gandulas', 'amigo do mascote' ou atividades assemelhadas, uma vez que voltada
para a valorização da atividade esportiva, será permitida, mediante autorização
dos pais ou responsável".
A Constituição Federal brasileira proíbe o trabalho para
menores de 14 anos. Já para menores com idade entre 14 e 16 anos, só é
permitida a atividade profissional na condição de aprendiz. Ainda assim, devem
ser observadas algumas condições protetivas da criança e do adolescente, tais
como proibição de trabalho em horário noturno ou em atividades perigosas. Ao
permitir que crianças a partir de 12 anos trabalhem como gandulas durante a
Copa do Mundo, o CNJ firma o entendimento de que a atividade de gandula não é
um trabalho e que não envolve qualquer risco.
O Ministério Público do Trabalho, porém, não compartilha
desta tese. No último dia 10, a Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região
(Paraná) enviou ao CNJ e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos uma moção de
repúdio à Recomendação nº 13 do Conselho de Justiça. No documento, assinado
pela procuradora Margaret Matos de Carvalho argumenta que a atividade de
gandula é, sim, um tipo de trabalho.
"É claro que se trata de um trabalho, com regras,
horário a cumprir e sanções previstas no caso de descumprimento das normas
estabelecidas para atividade. Tanto é assim, que a própria CBF proíbe, desde
2004, a contratação de gandulas menores de 18 anos para atuar em partidas
oficiais", afirma a procuradora.
De fato, a Procuradoria Jurídica da CBF, no dia 23 de junho
de 2004, enviou um ofício a todos os presidentes de federações estaduais de
futebol, acatando uma determinação do Ministério do Trabalho, em que proibiu a
utilização de menores de 18 anos na função de gandula. O ofício era uma
Resolução de Diretoria - RDI, assinada pelo então presidente da CBF, Ricardo
Teixeira.
Além disso, continua a procuradora, "é um trabalho que
será realizado, muitas vezes, em período noturno, e que envolve riscos à saúde
do trabalhador. Há dezenas de casos de agressões a gandulas ocorridas durante
partidas de futebol. Assim, a ilegalidade da recomendação do CNJ é
patente", argumenta a procuradora do trabalho.
Na última segunda-feira, Margaret disse ao UOL Esporte que,
caso o CNJ não volte atrás na liberação do trabalho de crianças a partir de 12
anos como gandula na Copa, o Ministério Público do Trabalho irá entrar com um
processo na Justiça contra o CNJ e com pedido de decisão liminar (provisória)
proibindo a contratação dos menores para o Mundial.
A reportagem entrou em contato com a Fifa, entidade que
organiza a Copa, e com o CNJ para que comentassem o assunto. Até a publicação
desta reportagem, no entanto, nenhum dos órgãos havia se pronunciado.
Normas de ocasião
Caso venha a ser permitida a contratação de menores como
gandulas na Copa, este não será o único exemplo de alterações feitas na lei
brasileira para atender a interesses da Fifa na organização da Copa do Mundo.
Em maio do ano passado, o Congresso Nacional aprovou a Lei Geral da Copa. O documento
trouxe uma flexibilização do Estatuto do Torcedor, que proíbe a venda de bebida
alcoólica no interior de estádios de futebol.
Como um dos principais patrocinadores da Copa é uma
fabricante de cervejas, a Lei Geral alterou as normas brasileiras exclusivamente
para a Copa do Mundo, deixando aos Estados da federação a incumbência de
permitir ou não a venda de cerveja no interior das arenas da Copa. Ao longo dos
meses seguintes, todos os Estados aprovaram leis liberando o comércio da
bebida.
A Lei Geral da Copa trouxe ainda uma série de
regulamentações tributárias específicas para o Mundial da Fifa, isentando de
impostos a entidade e seus parceiros comerciais e criando zonas de atuação
comercial exclusiva da Fifa em um raio de 2 quilômetros de todas as arenas da
Copa.
Vinícius Segalla - Do UOL, em São Paulo 18/03/2014
Fonte: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/03/18/orgao-federal-autoriza-que-criancas-de-12-anos-trabalhem-de-gandula-na-copa.htm
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