A história
do voto no Brasil começou 32 anos após
Cabral ter desembarcado no País. Foi no dia 23 de janeiro de 1532 que os moradores da primeira vila fundada na
colônia portuguesa - São Vicente, em São Paulo - foram às urnas para eleger o
Conselho Municipal.
A votação foi indireta: o povo elegeu seis representantes, que, em
seguida, escolheram os oficiais do Conselho. Já naquela época, era proibida a presença de autoridades do
Reino nos locais de votação, para evitar que os eleitores fossem intimidados.
As eleições eram orientadas por uma
legislação de Portugal - o Livro das Ordenações, elaborado em 1603.
Somente em
1821 as pessoas deixaram de votar apenas
em âmbito municipal. Na falta de uma lei eleitoral nacional, foram observados
os dispositivos da Constituição Espanhola para eleger 72 representantes junto à
corte portuguesa. Os eleitores eram os homens livres e, diferentemente de
outras épocas da história do Brasil, os analfabetos também podiam votar. Os
partidos políticos não existiam e o voto não era secreto.
Fraudes
eleitorais
Com a independência
do Brasil de Portugal, foi elaborada a primeira legislação eleitoral
brasileira, por ordem de Dom Pedro I. Essa lei seria utilizada na eleição da Assembléia Geral Constituinte de
1824.
Os
períodos colonial e imperial foram marcados pelo chamado voto censitário e por episódios freqüentes de fraudes eleitorais. Havia, por exemplo, o voto por procuração,
no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.
Também não existia título de eleitor e as pessoas
eram identificadas pelos integrantes da Mesa Apuradora e por testemunhas.
Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores
de outros municípios. Somente em 1842
foi proibido o voto por procuração.
Em 1855, o voto distrital também foi vetado, mas essa lei acabou revogada diante
da reação negativa da classe política. Outra lei estabeleceu que as
autoridades deveriam deixar seus cargos seis meses antes do pleito e que
deveriam ser eleitos três deputados por distrito eleitoral.
Título sem
foto
Em mais
uma medida moralizadora, o título de
eleitor foi instituído em 1881, por meio da chamada Lei Saraiva. Mas o novo
documento não adiantou muito: os casos de fraude continuaram a acontecer porque
o título não possuía a foto do eleitor.
A juíza do
Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, afirma
que, mesmo com esses problemas, é interessante perceber que já naquela época
havia consciência da importância do voto. "As leis já refletiam a
preocupação de que realmente se apurasse a vontade daqueles poucos que
integravam o universo dos eleitores. Mas, sem dúvida alguma, era um processo
eleitoral direcionado, que não revelava um nível sequer razoável de exercício
de democracia", afirma.
Depois da
Proclamação da República, em 1889, o voto ainda não era direito de todos.
Menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas
e integrantes do clero estavam impedidos de votar.
Dois
governadores eleitos
O voto direto para presidente e
vice-presidente apareceu pela primeira vez na Constituição Republicana de 1891.
Prudente de Morais foi o primeiro a ser eleito dessa forma. Foi após esse
período que se instalou a chamada política do café-com-leite, em que o Governo
era ocupado alternadamente por representantes de São Paulo e Minas Gerais.
O período
da República Velha, que vai do final do Império até a Revolução de 1930, foi
marcado por eleições ilegítimas. As
fraudes e o voto de cabresto eram muito comuns, com os detentores do poder
econômico e político manipulando os resultados das urnas. Em uma eleição desse
período, ocorrida no Rio de Janeiro, tantos eleitores votaram duas vezes que foi preciso empossar dois
governadores e duas Assembléias Legislativas.
Para o
cientista político Jairo Nicolau, autor de um livro sobre a história do voto, a
República representou um retrocesso em relação ao Império, em razão da prática
do voto de cabresto. "As eleições
deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de
legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas
descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa
época vêm as famosas eleições a bico de
pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo
quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que
compareciam", narra.
Década de
30: surgem os votos secreto e feminino
A década
de 30 iniciou-se com o País em clima revolucionário. A queda da Bolsa de
Valores de Nova York, em 1929, contaminou o mundo, provocando a suspensão dos
créditos internacionais no Brasil. O principal produto de exportação, o café,
perdeu seu maior mercado consumidor, o norte-americano, levando o setor a uma
crise sem precedentes.
Em meio à
insatisfação que tomou conta da população, Getúlio Vargas protagonizou o golpe
que tirou o presidente Washington Luís do governo. Apesar da crise, havia
esperanças de que a cidadania seria ampliada e de que haveria eleições livres e
diretas. A presença feminina, cada vez mais marcante, chegou às urnas. Em 1932, foi instituída uma nova legislação
eleitoral e as mulheres conquistaram o direito ao voto. A professora Ana
Maria Amarante, juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal,
analisa essa difícil conquista: "A mulher conquistou o direito ao voto,
mas pouco pode exercê-lo durante um período bastante longo. Só com a
redemocratização de 1945 é que se abririam os horizontes para o pleno exercício
do sufrágio feminino", afirma.
Foto no
título
Foi também
no início da década de 30 que o voto
passou a ser secreto, após a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos
Tribunais Regionais Eleitorais. Mas esses avanços duraram pouco. No final de 1937, após o golpe militar,
Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, uma ditadura que se prolongou até 1945.
Durante oito anos, o brasileiro não foi às urnas uma única vez. O Congresso foi
fechado, e o período, marcado pelo centralismo político.
Depois da
Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos aliados, era grande a pressão pela
volta à democracia, o que levou Vargas a permitir a reorganização partidária e
a convocar eleições. Em dezembro de 1945, o general Dutra foi eleito com 54,2% dos votos. Foram utilizadas cédulas eleitorais impressas com o nome de apenas um
candidato, que eram distribuídas pelos próprios partidos.
Somente em 1955, a Justiça Eleitoral
encarregou-se de produzir as cédulas. E para diminuir as fraudes, começou a ser
exigida a foto no título eleitoral.
Anos 60 e
70: ditadura e bipartidarismo
O golpe
militar de 1964 impediu a manifestação mais legítima de cidadania, ao proibir o
voto direto para presidente da República e representantes de outros cargos
majoritários, como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais,
estaduais e vereadores eram escolhidos pelas urnas. O regime que destituiu o
presidente João Goulart fechou emissoras de rádio e televisão, e a censura
tornou-se prática comum.
Bipartidarismo
Em 1968, o
presidente Costa e Silva decretou o Ato Institucional número 5, o AI- 5, que
deu plenos poderes ao governo. O Congresso foi fechado e diversos parlamentares
tiveram seus direitos cassados. Partidos políticos foram extintos e o
bipartidarismo foi adotado no País: foram criados a Arena, que reunia partidos
do governo, e o MDB, que aglutinava as "oposições". Em 1972, foram
restauradas as eleições diretas para senador e prefeito, exceto para as
capitais.
No
entanto, como lembra com o cientista político Jairo Nicolau, os militares continuavam interferindo no
processo eleitoral. Uma das artimanhas utilizadas pelo regime era a sublegenda.
O partido que recorria à sublegenda podia apresentar até três nomes para
disputar o cargo. Os votos dos três candidatos eram somados e, se a sublegenda
vencesse nas urnas, o mais votado assumia o posto, mesmo que tivesse obtido
menos votos do que seu adversário. O casuísmo é lembrado pelo professor:
"esse sistema foi muito engenhoso, funcionou durante praticamente todo o
Regime Militar. Deu estruturação aos interesses políticos da Arena e foi
utilizado até no Regime Democrático, em 1986.
Pacote de
abril
Conheça a
história do voto no Brasil
Década de
70. Os chamados anos de chumbo desgastaram a imagem dos governos militares, que
em 1974 assistiram ao crescimento do MDB nas urnas. Na tentativa de calar a
oposição, o governo baixou em 1976 o decreto apelidado de Lei Falcão, em
referência ao ministro da Justiça Armando Falcão. Na propaganda eleitoral,
foram permitidas apenas fotos dos candidatos e a voz de um locutor anunciando
seu currículo.
Para
evitar novo fracasso nas eleições de 1978 para o Senado, o governo editou o que
ficou conhecido como Pacote de Abril, como explica Jairo Nicolau. "O
Pacote de Abril foi outra artimanha, uma intervenção mais forte. Cada estado tem três senadores, e, na
eleição de 78, eram apenas dois senadores, um eleito diretamente e outro,
indiretamente. De que maneira? Eleito pela Assembléia Legislativa de cada
estado. Como a Arena era o partido majoritário, seus senadores foram eleitos em
praticamente todos os estados, com exceção da Guanabara, onde o MDB era o
partido majoritário".
A
população reagiu com ironia à medida do governo, apelidando os eleitos pelas
Assembléias Legislativas de senadores
biônicos.
Mesmo com
todas essas manipulações, o MDB, liderado pelo deputado Ulysses Guimarães, saiu
vitorioso nas eleições de 1978, obtendo 57% dos votos. Um ano depois, o governo
extinguiu o bipartidarismo e o pleito de 1982 sinalizava o fim do
autoritarismo.
Década de
80: as Diretas-Já
Em 1984,
milhares de pessoas foram às ruas exigir a volta das eleições diretas para
presidente. Ulysses Guimarães foi uma das principais lideranças da campanha e
tornou-se um dos maiores opositores ao regime militar, passando a ser chamado
de Senhor Diretas. Apesar da pressão popular, a proposta de emenda à
Constituição que restituía o voto direto, do deputado Dante de Oliveira, foi
rejeitada.
A juíza do
Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, explica
que, apesar dos apelos, a emenda das Diretas não foi aprovada naquele período
porque "não era conveniente para importantes lideranças, não apenas
militares. As lideranças civis temiam, talvez, uma mudança muito drástica: a
ascensão do populismo sempre esteve nas preocupações da elite
brasileiras", afirma.
Fim do
regime militar
Em 1985, o
primeiro presidente civil após o Golpe de 64 foi eleito: Tancredo Neves. Apesar
de indireta, sua escolha entusiasmou a maioria dos brasileiros, marcando o fim
do Regime Militar e o início da redemocratização do País.
Com a
morte de Tancredo, logo após sua eleição a presidência foi ocupada pelo vice,
José Sarney, que, ironicamente, era um dos principais líderes da Arena, partido
que apoiava o Regime Militar.
Apesar
disso, o período conhecido como Nova República trouxe avanços importantes:
ainda em 1985, uma emenda constitucional restabeleceu eleições diretas para a
presidência e para as prefeituras das cidades consideradas como área de
segurança nacional pelo Regime Militar. A emenda também concedeu direito de
voto aos maiores de 16 anos e, pela primeira vez na história republicana, os
analfabetos também passaram a votar, um dos grandes avanços das eleições.
Década de
90: avanços no sistema eleitoral
O ano de 1993 ainda foi marcado pelo plebiscito que
levou mais de 67 milhões de eleitores às urnas para decidir a forma e o sistema
de governo. A monarquia e o parlamentarismo foram descartados pela maioria
da população, que votou pela manutenção da República e do presidencialismo.
O debate
sobre amplas reformas econômicas e sociais era constante nas campanhas
eleitorais de 1994, ano em que foi aprovada a emenda que reduziu o mandato
presidencial de cinco para quatro anos. O senador e ex-ministro da Fazenda do
governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, participou da disputa
eleitoral como idealizador do Plano Real e ainda como defensor de reformas
constitucionais. Ele acabou vencendo em primeiro turno e derrotando inúmeros
candidatos, inclusive o petista Luiz Inácio Lula da Silva
Urnas eletrônicas
A década de 90 trouxe uma grande novidade na
história do voto no Brasil: as urnas eletrônicas. Em 1996, elas foram
utilizadas pela primeira vez nas eleições municipais e, em 2000, foram
introduzidas em todo o País.
O
procurador regional eleitoral do Distrito Federal, Franklin da Costa, acredita
que essa nova experiência trouxe mais confiabilidade ao processo eleitoral,
agilizou a apuração, e o que é melhor: reduziu significativamente ou
praticamente eliminou as fraudes. "Não houve, apesar de alguns dizerem que
é possível, evidência de fraude. Nosso sistema é um dos mais avançados do
mundo".
O
procurador eleitoral Antônio Carneiro Sobrinho lembra que, em 1997, foi
introduzida outra novidade na história do voto: uma emenda constitucional que possibilitou
a reeleição, o que levou o presidente Fernando Henrique Cardoso novamente ao
poder. "Dentro do contexto histórico, isso foi muito importante. É verdade
que ainda estamos experimentando esse sistema. Alguns criticam, dizendo que a
partir do momento que se possibilita ao presidente, ao governador e ao prefeito
disputarem o mandato à frente da máquina administrativa, eles têm certa
vantagem com relação aos que não são detentores de cargo. Mas a legislação vem
sendo melhorada no sentido de conter abuso por parte do dirigente que esteja à
frente de uma administração".
Verticalização
das coligações
Em 2002, uma inovação foi o voto impresso,
adotado de forma experimental no Distrito Federal e em Sergipe. Outra
novidade estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições
daquele ano foi a verticalização das
coligações partidárias, que obriga os partidos a repetirem nos estados as
alianças firmadas em nível federal.
Para o
procurador eleitoral Franklin da Costa, com a verticalização, o eleitor pode
identificar as ideologias de cada partido e escolher melhor. "Essa é uma
nova descoberta em nosso país, de que há partidos e que cada um tem ideologias,
um programa de governo", lembra.
Sistema
avançado
Hoje, há
um consenso entre os historiadores e as autoridades ligadas à questão eleitoral
de que o sistema brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Um exemplo disso
é que observadores dos Estados Unidos vieram ao País para aprender sobre o voto
eletrônico. Ainda assim, o Legislativo brasileiro estuda uma série de mudanças
para aprimorar o sistema, entre elas, a fidelidade partidária e o financiamento
público das campanhas.
Neste ano,
o Brasil volta às urnas, tornando o País uma das maiores democracias do mundo. São 19 anos ininterruptos em que o eleitor
escolhe seus representantes por meio do voto. Nessas eleições, mais de 119 milhões de eleitores estarão
exercendo esse legítimo direito.
Poliani
Castello Branco - Jornalista / Agência Câmara
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