O evento ocorreu
na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), por toda a
tarde do dia 24 de agosto, com a participação da Advogada Sindical Gabriele
(Mestrado em Direito UFC), a representante do Movimento de Mulheres Negras a Professora
Cícera e o advogado sindical, membro do GRUPE (doutorando em Direito UFC)
Clovis Renato, além dos membros do NAJUC e convidados.
Conforme
site da entidade, o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFC –,
existente desde 1992, insere-se na extensão universitária no âmbito do Direito,
tendo como práxis a Educação Popular e a Assessoria Jurídica Popular. O NAJUC
realiza uma extensão que busca o diálogo constante com os movimentos populares,
como pode ser destacado:
De
modo geral, a elaboração de trabalhos científicos que exponham os referenciais
teóricos e práticos da Assessoria Jurídica Popular (AJP) contribui para sua
difusão no mundo do Direito e no mundo cotidiano, potencializando sua
finalidade de transformação da realidade. Diante da diversidade de concepções
acerca da AJP, compreende-se que a elaboração de pesquisas nessa temática
estimula o diálogo e o intercâmbio de experiências não só de Extensão, como
também de Ensino e de Pesquisa, enquanto eixos indissociáveis.
Em
verdade, acreditamos que o cerne da extensão é a busca de um diálogo crítico
entre os diversos saberes, tendo como pressuposto a compreensão de que a
sociedade é dividida em classes e de que espaços institucionais e
não-institucionais são disputados por interesses diversos.A AJP tem em seu
âmago essa busca, com a particularidade de ser intrinsecamente permeada pelo
Direito. O fim da nossa prática é a transformação da realidade através da
libertação-emancipação dos oprimidos.
Tendo
em vista a importância de acúmulos teóricos diante da ciclicidade inerente à
vida estudantil, este artigo foi elaborado de forma coletiva. Desde o seu
surgimento, através das diversas pessoas que compuseram o núcleo, várias idéias
foram construídas e, por meio delas, vários projetos foram desenvolvidos, seja
em comunidades rurais, urbanas, ou mesmo dentro dos muros da Universidade, na
tentativa de torná-la mais aberta.
In: http://najuc.jimdo.com/inscri%C3%A7%C3%A3o-rodas-de-discuss%C3%A3o-2013-2/
Clovis
Renato levantou diversos esclarecimentos sobre o problema da centralidade do
trabalho no sistemacapitalista, que leva a ocorrência de assédios morais tanto
de forma vertical (“chefe” e “subordinado”) e horizontal (entre trabalhadores
de mesmo nível hierárquico nas relações de trabalho).
Ressaltou
que o ambiente laboral é assediante e malfere, dentre outras esferas, a saúde
do trabalhador, destacando-se que, conforme a Organização Mundial de Saúde
(OMS), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
somente ausência de afecções e enfermidades.
Definidos os
eixos a serem apresentados, a exposição do advogado tomou como norte as teorias
de Karl Marx na obra Os Grundrisse, bem
como nas obras “Tempo, trabalho e
dominação social” (Moishe Postone), “Manifesto
contra o Trabalho” (Grupo Krisis), “Dinheiro
sem valor” (Robert Kurz), as quais foram sendo apresentadas com arremates
jurídicos legais e jurisprudenciais.
Do “Manifesto contra o Trabalho”, elaborado
pelo Grupo Krisis, relembrou que o ambiente assediante decorre, especialmente,
pela percepção de que o tempo das pessoas deixa de ser tempo vivido e
vivenciado e torna-se simples matéria-prima que tem de ser optimizada, sendo as
pessoas alienadas de sua condição humana e tratadas como coisas (processo de
reificação), o que se torna solo propício para a ocorrência das várias formas
de assédio, como destacado da obra:
“[...]
Nesta esfera, separada da vida, o tempo
deixa de ser tempo vivido e vivenciado, torna-se simples matéria-prima que tem
de ser optimizada: «tempo é dinheiro». Cada
segundo é contabilizado, cada ida à casa-de-banho é um escândalo, cada conversa
é um crime contra a finalidade autonomizada da produção. No local de trabalho, apenas pode ser gasta
energia abstracta. A vida fica lá fora - ou porventura em parte nenhuma, porque
a cadência do trabalho rege interiormente todas as coisas. Até as crianças
são domesticadas pelo relógio, para que um dia possam ser «eficientes». As
férias só servem para a recuperação da «força de trabalho». E mesmo às
refeições, nas festas e no amor, o ponteiro dos segundos faz tiquetaque na
nossa cabeça.” (In: Manifesto contra o Trabalho. Net: http://vidaarteedireitonoticias.blogspot.com.br/2014/01/reflexao-manifesto-contra-o-trabalho.html).
Na mesma
linha de raciocínios, Clovis Renato seguiu destacando resíduos da obra de
Moiche Postone, com base na obra marxiana “Os
Grundrisse”:
“Uma
característica do capitalismo é que suas
relações sociais essenciais são sociais de uma maneira peculiar. Elas existem não como relações interpessoais abertas,
mas como um conjunto quase independente de estruturas que se opõem aos
indivíduos, uma esfera de necessidade
impessoal ‘coisal’ e ‘dependência coisal’. Consequentemente,
a forma de dominação social característica do capitalismo não é abertamente social
e pessoal: ‘Essas relações de dependência
coisal [...] aparecem de maneira tal que os
indivíduos são agora dominados por abstrações, ao passo que antes dependiam uns
dos outros’. O capitalismo é um sistema de dominação abstrata e impessoal. Em relação à formas sociais anteriores, as pessoas parecem
independentes; mas, na verdade, são sujeitas a um sistema de dominação social
que não parece social, e sim ‘objetivo’.
A
forma de dominação peculiar ao capitalismo é também descrita por Marx como a dominação de pessoas pela produção: ‘Os indivíduos estão subsumidos à produção
social que existe fora deles como uma fatalidade. Mas a produção social não está
subsumida aos indivíduos que a utilizam como seu poder comum’. Esse
trecho é de importância fundamental. Dizer que os indivíduos são incluídos sob a produção é dizer que são dominados pelo trabalho social. Isso
sugere que a dominação social no
capitalismo não pode ser suficientemente entendida como dominação e controle
dos muitos e de seu objeto de trabalho por poucos. No capitalismo, o trabalho social não é somente o objeto de dominação e exploração, mas é, ele próprio, o terreno de dominação. A forma não pessoal, abstrata, ‘objetiva’
de dominação característica do capitalismo está aparentemente relacionada à
dominação dos indivíduos por seu
trabalho social.”
(In: POSTONE, Moiche. Tempo, trabalho e
dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. Trad. Amilton Reis, Paulo César Castanheira.
1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 149-150)
Em tal contexto,
Clovis Renato destacou que as pessoas estão vivendo dominadas por categorias
abstratas intrincadas (trabalho-dinheiro-consumo), de modo que, ao invés de se
compreenderem como dignas naturalmente, estão fetichizadas para achar que
somente podem “ser” por meio de estruturas como o trabalho e o
dinheiro/consumo, o que as coloca em posição de exposição ao assédio moral e,
não raro, como assediadoras. Como destacado por Robert Curz:
“[...]
Do facto, evidente, de as pessoas terem sempre de produzir os seus géneros
alimentícios não decorre automaticamente que esse estado de coisas seja, para
elas, decisivo, e contenha em si uma lógica própria, definidora da sua
sociedade e determinante de todos os outros momentos da via. É um mito moderno
supor que a produção, ou, na acepção moderna, o ‘trabalho’, tenha preenchido a vida no seu todo nos primórdios da
Humanidade, que a sua carga tenha sido depois ligeiramente reduzida, à custa de
muito esforço, com o ‘desenvolvimento das
forças produtivas’, e que só a gloriosa Modernidade do capital, com recurso
à técnica e à ciência, tenha produzido o potencial de ‘tempo livre’ em grande escala. Marx apenas acompanha parte deste
mito – no que respeita à fadiga extrema
que os tempos pré-modernos teriam representado; ao mesmo tempo, sabe e
afirma que só o fetiche do capital
transforma a totalidade do tempo de vida do ser humano em ‘tempo de trabalho’ num patamar cada vez mais elevado.” (In:
KURZ, Robert. Dinheiro sem valor: linhas
gerais para uma transformação crítica da economia política. Trad. Lumir
Nahodil. Lisboa: Antígona, 2014. p. 79)
Gabriele e
Cícera ressaltaram diversos aspectos e dados sobre a realidade laboral, com
propostas e esclarecimentos sobre o papel dos sindicatos e partidos políticos
no combate à precarização.
Diversos participantes
fizeram questionamentos, aprofundando as questões destacadas pelos debatedores,
os quais foram sendo, paulatinamente, esclarecidos e reafirmando a importância
da reflexão e debate sobre a crise na contemporaneidade e as possíveis saídas
ou lutas principais.
O evento foi
encerrado às 17h, com agradecimentos e informes sobre os próximos debates, com
encerramento pelo membro do NAJUC Renan Santos, organizador.
Clovis Renato Costa Farias
Doutorando em Direito pela UFC/Bolsista CAPES
Advogado Vice Presidente da Comissão de Direito Sindical da
OAB
Membro do GRUPE
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