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terça-feira, 25 de agosto de 2015

Rodas de discussão do NAJUC debatem Precarização nas Relações de Trabalho

O evento ocorreu na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), por toda a tarde do dia 24 de agosto, com a participação da Advogada Sindical Gabriele (Mestrado em Direito UFC), a representante do Movimento de Mulheres Negras a Professora Cícera e o advogado sindical, membro do GRUPE (doutorando em Direito UFC) Clovis Renato, além dos membros do NAJUC e convidados.

Conforme site da entidade, o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFC –, existente desde 1992, insere-se na extensão universitária no âmbito do Direito, tendo como práxis a Educação Popular e a Assessoria Jurídica Popular. O NAJUC realiza uma extensão que busca o diálogo constante com os movimentos populares, como pode ser destacado:
De modo geral, a elaboração de trabalhos científicos que exponham os referenciais teóricos e práticos da Assessoria Jurídica Popular (AJP) contribui para sua difusão no mundo do Direito e no mundo cotidiano, potencializando sua finalidade de transformação da realidade. Diante da diversidade de concepções acerca da AJP, compreende-se que a elaboração de pesquisas nessa temática estimula o diálogo e o intercâmbio de experiências não só de Extensão, como também de Ensino e de Pesquisa, enquanto eixos indissociáveis.
Em verdade, acreditamos que o cerne da extensão é a busca de um diálogo crítico entre os diversos saberes, tendo como pressuposto a compreensão de que a sociedade é dividida em classes e de que espaços institucionais e não-institucionais são disputados por interesses diversos.A AJP tem em seu âmago essa busca, com a particularidade de ser intrinsecamente permeada pelo Direito. O fim da nossa prática é a transformação da realidade através da libertação-emancipação dos oprimidos.
Tendo em vista a importância de acúmulos teóricos diante da ciclicidade inerente à vida estudantil, este artigo foi elaborado de forma coletiva. Desde o seu surgimento, através das diversas pessoas que compuseram o núcleo, várias idéias foram construídas e, por meio delas, vários projetos foram desenvolvidos, seja em comunidades rurais, urbanas, ou mesmo dentro dos muros da Universidade, na tentativa de torná-la mais aberta.
In: http://najuc.jimdo.com/inscri%C3%A7%C3%A3o-rodas-de-discuss%C3%A3o-2013-2/
Clovis Renato levantou diversos esclarecimentos sobre o problema da centralidade do trabalho no sistemacapitalista, que leva a ocorrência de assédios morais tanto de forma vertical (“chefe” e “subordinado”) e horizontal (entre trabalhadores de mesmo nível hierárquico nas relações de trabalho).

Ressaltou que o ambiente laboral é assediante e malfere, dentre outras esferas, a saúde do trabalhador, destacando-se que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades.
Definidos os eixos a serem apresentados, a exposição do advogado tomou como norte as teorias de Karl Marx na obra Os Grundrisse, bem como nas obras “Tempo, trabalho e dominação social” (Moishe Postone), “Manifesto contra o Trabalho” (Grupo Krisis), “Dinheiro sem valor” (Robert Kurz), as quais foram sendo apresentadas com arremates jurídicos legais e jurisprudenciais.
Do “Manifesto contra o Trabalho”, elaborado pelo Grupo Krisis, relembrou que o ambiente assediante decorre, especialmente, pela percepção de que o tempo das pessoas deixa de ser tempo vivido e vivenciado e torna-se simples matéria-prima que tem de ser optimizada, sendo as pessoas alienadas de sua condição humana e tratadas como coisas (processo de reificação), o que se torna solo propício para a ocorrência das várias formas de assédio, como destacado da obra:
“[...] Nesta esfera, separada da vida, o tempo deixa de ser tempo vivido e vivenciado, torna-se simples matéria-prima que tem de ser optimizada: «tempo é dinheiro». Cada segundo é contabilizado, cada ida à casa-de-banho é um escândalo, cada conversa é um crime contra a finalidade autonomizada da produção. No local de trabalho, apenas pode ser gasta energia abstracta. A vida fica lá fora - ou porventura em parte nenhuma, porque a cadência do trabalho rege interiormente todas as coisas. Até as crianças são domesticadas pelo relógio, para que um dia possam ser «eficientes». As férias só servem para a recuperação da «força de trabalho». E mesmo às refeições, nas festas e no amor, o ponteiro dos segundos faz tiquetaque na nossa cabeça.” (In: Manifesto contra o Trabalho. Net: http://vidaarteedireitonoticias.blogspot.com.br/2014/01/reflexao-manifesto-contra-o-trabalho.html).
Na mesma linha de raciocínios, Clovis Renato seguiu destacando resíduos da obra de Moiche Postone, com base na obra marxiana “Os Grundrisse”:
“Uma característica do capitalismo é que suas relações sociais essenciais são sociais de uma maneira peculiar. Elas existem não como relações interpessoais abertas, mas como um conjunto quase independente de estruturas que se opõem aos indivíduos, uma esfera de necessidade impessoal ‘coisal’ e ‘dependência coisal’. Consequentemente, a forma de dominação social característica do capitalismo não é abertamente social e pessoal: ‘Essas relações de dependência coisal [...] aparecem de maneira tal que os indivíduos são agora dominados por abstrações, ao passo que antes dependiam uns dos outros’. O capitalismo é um sistema de dominação abstrata e impessoal. Em relação à formas sociais anteriores, as pessoas parecem independentes; mas, na verdade, são sujeitas a um sistema de dominação social que não parece social, e sim ‘objetivo’.
A forma de dominação peculiar ao capitalismo é também descrita por Marx como a dominação de pessoas pela produção: Os indivíduos estão subsumidos à produção social que existe fora deles como uma fatalidade. Mas a produção social não está subsumida aos indivíduos que a utilizam como seu poder comum’. Esse trecho é de importância fundamental. Dizer que os indivíduos são incluídos sob a produção é dizer que são dominados pelo trabalho social. Isso sugere que a dominação social no capitalismo não pode ser suficientemente entendida como dominação e controle dos muitos e de seu objeto de trabalho por poucos. No capitalismo, o trabalho social não é somente o objeto de dominação e exploração, mas é, ele próprio, o terreno de dominação. A forma não pessoal, abstrata, ‘objetiva’ de dominação característica do capitalismo está aparentemente relacionada à dominação dos indivíduos por seu trabalho social.” (In: POSTONE, Moiche. Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. Trad. Amilton Reis, Paulo César Castanheira. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 149-150)
Em tal contexto, Clovis Renato destacou que as pessoas estão vivendo dominadas por categorias abstratas intrincadas (trabalho-dinheiro-consumo), de modo que, ao invés de se compreenderem como dignas naturalmente, estão fetichizadas para achar que somente podem “ser” por meio de estruturas como o trabalho e o dinheiro/consumo, o que as coloca em posição de exposição ao assédio moral e, não raro, como assediadoras. Como destacado por Robert Curz:
“[...] Do facto, evidente, de as pessoas terem sempre de produzir os seus géneros alimentícios não decorre automaticamente que esse estado de coisas seja, para elas, decisivo, e contenha em si uma lógica própria, definidora da sua sociedade e determinante de todos os outros momentos da via. É um mito moderno supor que a produção, ou, na acepção moderna, o ‘trabalho’, tenha preenchido a vida no seu todo nos primórdios da Humanidade, que a sua carga tenha sido depois ligeiramente reduzida, à custa de muito esforço, com o ‘desenvolvimento das forças produtivas’, e que só a gloriosa Modernidade do capital, com recurso à técnica e à ciência, tenha produzido o potencial de ‘tempo livre’ em grande escala. Marx apenas acompanha parte deste mito – no que respeita à fadiga extrema que os tempos pré-modernos teriam representado; ao mesmo tempo, sabe e afirma que só o fetiche do capital transforma a totalidade do tempo de vida do ser humano em ‘tempo de trabalho’ num patamar cada vez mais elevado.” (In: KURZ, Robert. Dinheiro sem valor: linhas gerais para uma transformação crítica da economia política. Trad. Lumir Nahodil. Lisboa: Antígona, 2014. p. 79)
Gabriele e Cícera ressaltaram diversos aspectos e dados sobre a realidade laboral, com propostas e esclarecimentos sobre o papel dos sindicatos e partidos políticos no combate à precarização.
Diversos participantes fizeram questionamentos, aprofundando as questões destacadas pelos debatedores, os quais foram sendo, paulatinamente, esclarecidos e reafirmando a importância da reflexão e debate sobre a crise na contemporaneidade e as possíveis saídas ou lutas principais.
O evento foi encerrado às 17h, com agradecimentos e informes sobre os próximos debates, com encerramento pelo membro do NAJUC Renan Santos, organizador.
Clovis Renato Costa Farias
Doutorando em Direito pela UFC/Bolsista CAPES
Advogado Vice Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB

Membro do GRUPE

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