Os cortes de percentuais
nos vencimentos dos trabalhadores contrariando decisões judiciais transitadas
em julgado: a atuação do Estado na forja de argumentos que mitigam direitos humanos malferindo a coisa julgada com base em decisões do TCU e do STF
Clovis
Renato Costa Farias*
(Advogado
Sindical em Direito Coletivo do SINTUFCE; Doutorando em Direito pela UFC;Membro
do GRUPE; bolsista da CAPES)
Sumário: I. Cotejo justificativo. II. O
Sistema de Freios e Contrapesos e o Princípio da Separação dos Poderes; 1. Contextualização;
2. Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal enfrentando harmonizando os “Freios e Contrapesos” com o Princípio da
Separação dos Poderes. III. Tribunal
de Contas da União (TCU) e Supremo Tribunal Federal; 1. Delineamentos
constitucionais e legais sobre o Tribunal de Contas da União e o cumprimento de
suas decisões; 2. O Supremo Tribunal Federal (STF) e a jurisprudência quanto à
eficácia das decisões do TCU; A. Julgados redutores da eficácia das decisões do TCU; B. Acórdãos
que ampliam a força executória das decisões do TCU malogrando a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito –
o caso da retirada de percentuais ganhos judicialmente pelos servidores
públicos em face de decisões do TCU. IV. Conclusões. Bibliografia.
Resumo: O presente escrito justifica-se pela
percepção de tratamento acintoso e político danoso dado pelo Poder Público em
momento de crise econômica, na tentativa de legitimar juridicamente atos
desrespeitosos à dignidade da pessoa humana, malferindo direitos humanos
elementares como a coisa julgada e o ato jurídico perfeito. Em específico, será abordada a questão da
utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar as reais
intenções do Estado ao desrespeitar a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeitoretirando percentuais que
vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos
cofres da União. Em tela, será disposta a eficácia das decisões do Tribunal de
Contas da União e a postura do Supremo Tribunal Federal, claudicante, em tempos
de instabilidade sistêmica. Tais
processos históricos ficaram conhecidos nacionalmente pelos servidores pelo
montante dos percentuais, tais como, 84,35%, 28,86%, 26,06%, 3,17%.
Palavras-chave: Coisa julgada.
Percentuais em vencimentos ganhos pela via judicial. Tribunal de Contas da União.
Supremo Tribunal Federal. Direitos Humanos e Fundamentais.
I.
Cotejo justificativo
O
presente escrito justifica-se pela percepção de tratamento acintoso e político
danoso dado pelo Poder Público em momento de crise econômica, na tentativa de
legitimar juridicamente atos desrespeitosos à dignidade da pessoa humana,
malferindo direitos humanos elementares como a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito.
Em
específico, será abordada a questão da utilização de via imprópria e de meios
ilegítimos para camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa
julgada e o ato jurídico perfeito retirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos
federais para fortalecimento dos cofres da União. Em tela, será disposta a
eficácia das decisões do Tribunal de Contas da União e a postura do Supremo
Tribunal Federal, claudicante, em tempos de instabilidade sistêmica. Tais processos históricos ficaram conhecidos
nacionalmente pelos servidores pelo montante dos percentuais, tais como, 84,35%,
28,86%, 26,06%, 3,17%, os quais já estavam sendo pagos há anos, após terem sido ganhos em via decisão judicial transitada em julgado e implementados por atos jurídicos perfeitos. Em alguns casos já havia percepção há mais de dez anos.
Tal
crise é destacada por contextos que envolvem o papel do Estado, elemento do
sistema, como um dos entes que mais buscam administrar a crise. Para tanto, observa-se
a utilização pelo Poder Público de fundamentações, inclusive jurídicas, que
subvertem a ordem jurídica estabelecida, os direitos fundamentais e o sistema
normativo e principiológico garantidor da dignidade da pessoa humana, tais como
as que serão apresentadas no presente escrito para justificar que novas
decisões do Tribunal de Contas da União, órgão do Poder Legislativo, possam,
indevidamente, alterar decisões do Poder Judiciário transitadas em julgado, com
anuência e legitimação pelo Supremo Tribunal Federal, como se demonstrará.
A
atuação dos elementos de estruturação do sistema capitalista, como meios de
dominação hegemônica, tais como o Estado, repartido em suas funções
(“poderes”), tentando manter o status quo
no âmbito do sistema, administrando a crise, é assim destacada por Kurz:
“O
jogo do mercado mundial, que absorveu e assimilou todas as outras formas, já
não permite que os perdedores voltem depois para casa em sossego, mas sim está
destruindo sucessivamente para eles toda possibilidade de uma existência digna.
Quando esses homens, povos, regiões e Estados
perceberem que nunca mais terão alguma chance de vencer e que as futuras
derrotas inevitáveis os privarão de qualquer possibilidade de viver, lançarão,
mais cedo ou mais tarde, o tabuleiro no chão e dispensarão todas as regras da
chamada civilização mundial. Essas regras democráticas da "razão
mundial" burguesa e iluminista são em sua essência abstratas e
insensíveis, pois seu verdadeiro fundamento é o automovimento do dinheiro,
abstrato e privado de sensibilidade, movimento que faz nascer suas leis
históricas destrutivas e as executa mecanicamente até o terrível fim.
[...]
Mas
não parece que as instituições, os
poderes e os representantes (ou figuras de proa políticas) desde mundo único
pretendem questionar o automatismo do movimento do mercado mundial.
[...]
Quanto mais Estados, regiões, unidades
empresarias e indivíduos assumem o status de perdedores, tanto mais capacidade
aquisitiva produtiva internacional é destruída.
O conjunto dessa capacidade aquisitiva desaparecida não pode jamais ser
substituída e revitalizada artificialmente, por meio de créditos. Por um lado, vão se expandindo o crédito e o
endividamento e, por outro, vai diminuindo o potencial global de capacidade
aquisitiva. Esses dois movimentos opostos sobrepõem-se um ao outro de tal
forma que de cada ciclo de realização de
mais-valia, por parte dos vencedores, sobra um resto cada vez maior que não
pode ser aplicado produtivamente nem emprestado diretamente como capital
monetário que rende juros. Paralelamente às estruturas globais de déficit
passou a desenvolver-se, portanto, desde os anos 70, um aparente excedente de
capital monetário que está desesperadamente à procura de alguma aplicação
lucrativa; a princípio, a concorrência entre os que emprestavam era grande e os
créditos eram concedidos a condições "baratas", sem que a
superestrutura de crédito internacional pudesse absorver completamente a
mais-valia acumulada, realizada na forma de dinheiro.”[1]
Diante
da crise econômica, como demarcadora da crise do sistema capitalista, que se
manifesta no Brasil e no mundo, as imposições de medidas de austeridade pelo
Poder Executivo e o ajuste conjunto com os demais poderes estatais, legitimadores
do vilipêndio de direitos conquistados, demarca-se verdadeira crise institucional,
como demarcado pelo ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa,
em entrevista, “Vocês estão vendo o
estrago que a promiscuidade entre dinheiro de empresas e a política provoca nas
instituições?”[2].
Problemáticas
envolvendo o Sistema de Freios e Contrapesos conjugado com a higidez do
Princípio da Separação dos Poderes vinham sendo destacadas pelo Ministro
enquanto Presidente do Supremo Tribunal Federal:
“—
Outro problema é a questão partidária. Nós temos partidos de mentirinha. Nós
não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não
ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê
consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E nem pouco seus
partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência
programática ou ideológica. Querem o
poder pelo poder. Esta é uma das grandes deficiências, a razão pela qual o
Congresso brasileiro se notabiliza pela sua ineficiência, pela sua incapacidade
de deliberar. Ora, poder que não é exercido é poder que é tomado, exercido por
outrem, e em grande parte no Brasil esse poder é exercido pelo Executivo —
[...]
Na
palestra, o ministro também voltou a criticar a proposta de emenda
constitucional (PEC) 33, que tramita no Congresso. A proposta dá ao Parlamento
a palavra final sobre algumas decisões do STF, como a de declarar a
inconstitucionalidade de emendas à Carta Magna. Para o ministro, a PEC não é um
meio legítimo de exercer o sistema de pesos e contrapesos, em que um poder
controla os excessos do outro.
—
Evidentemente que não são meios de consolidar o sistema de freios e
contrapesos. São sim reações á decisões do STF. Se levadas adiante essas
tentativas, nós teríamos destruído a Constituição brasileira, todo mecanismo de
controle de constitucional que o Supremo exerce sobre as leis. Significaria o
fim da Constituição de 88. Eliminaria o controle judicial — disse o ministro.”[3]
Em
tal contexto de forte instabilidade das estruturas sistêmicas como o Estado tem
sido observado, atualmente, o crescimento de atuações de supõem ações conjuntas
envolvendo os “poderes” no Brasil, redutoras dos direitos fundamentais. De modo
exemplificativo, destaca-se a edição de Medidas Provisórias ferindo diversos
direitos sociais, prolatadas pelo Poder Executivo, confirmadas pelos “poderes”
Legislativo e Judiciário.
Vislumbra-se
com tal contextualização compreender a lógica das fundamentações “jurídicas” no
caso dos cortes de ganhos nos vencimentos dos trabalhadores contrariando decisões
judiciais transitadas em julgado. Em especial, entender a atuação do Estado (via
Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União) na forja de argumentos
que mitigam direitos da pessoa humana malferindo a coisa julgada diante de
novas decisões do Tribunal de Contas da União (TCU). Tais decisões retiram
percentuais garantidos após anos de luta e desrespeito pela mora judicial e
utilização exaustiva de recursos pelo Poder Executivo, os quais ficarão como
dinheiro retido nos cofres do governo federal para administração da crise
instaurada.
Desse
modo, observa-se a utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para
camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e o ato jurídco perfeito retirando
percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para
fortalecimento dos cofres da União.
II.
O Sistema de Freios e
Contrapesos e o Princípio da Separação dos Poderes
1.
Contextualização
Nos
termos postados por Maldonado[4],
Montesquieu foi o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre
os poderes fundamentais do Estado, seguindo termos preconizados por Locke, que também
aproximou sua formulação da concepção de rule
of law. Tudo como forma de reduzir eventuais arbitrariedades por parte do
Estado contra os cidadãos, com consequente redução do poder concentrado nas
mãos do executivo.
Para
o autor, apesar de Montesquieu ter conferido ao poder de julgar o status de um dos poderes do Estado,
inaugurando a tripartição dos poderes, lhe atribui caráter secundário.
“Quando, na mesma pessoa
ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo,
não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado
faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade
se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se
estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos
cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto
com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.
Estaria tudo perdido se um
mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse
estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e
o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.
[...]
Dos três poderes de que
falamos, é o Poder de Julgar, de certo modo, nulo. Sobram dois. E, como estes
têm necessidade de um poder regulador para temperá-los, a parte do corpo
legislativo composta por nobres é muito apropriada para produzir esse efeito.”[5]
O art. 16, da Declaração de direitos do homem e do
cidadão de 1789, destaca que “A sociedade
em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a
separação dos poderes não tem Constituição”[6].
Nos termos mencionados por Silveira[7],
em ajuste histórico a tal interpretação, nos Estados Unidos da América (EUA), o
Poder Judiciário passou a ser situado no mesmo nível político das demais
funções do governo, conforme repisado por Maldonad:
“[...] decisão de John Marshall, Chief-Justice da Suprema Corte norte-americana,
no caso MARBURY versus MADISON (1803), que inaugurou o poder da judicial review (revisão judicial), segundo o
qual compete ao Poder Judiciário dizer o que é lei, considerada lei aquele ato
legislativo em conformidade com a Constituição, ato legislativo contrário à
Constituição não é lei.
Afirmou-se, assim, o poder daquela corte para a
declaração de inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema
de controle da constitucionalidade”[8]
Para evitar possíveis contradições entre o sistema
jurídico, deve-se respeitar na prática do Sistema de Freios e Contrapesos o
Princípio da Separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição de 1988
que demarca que “são Poderes da União, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”[9].
Tal harmonização deve ocorrer de modo a não zerar
qualquer dos direitos fundamentais, que, em caso de conflito, deve o aplicador
seguir critérios que visem a máxima efetividade do direito em aparente colisão,
seguindo pela máxima efetividade e, em caso de acirramento da tensão entre
normas de hierarquia fundamental, deve manter o núcleo essencial do direito não
prevalecente.
Em tal contexto se situa a presente discussão sobre
a força vinculante das decisões do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar
do Poder Legislativo, e as decisões do Poder Judiciário, no Brasil.
2.
Jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal enfrentando harmonizando os “Freios e Contrapesos” com o
Princípio da Separação dos Poderes
No esforço de manter a harmonia institucional e o
adequado funcionamento do sistema normativo pátrio, o Supremo Tribunal Federal
(STF), comumente, decide casos envolvendo a o Sistema de Freios e Contrapesos e
o Princípio da Separação dos Poderes, como se demonstrará em alguns casos.
Nos termos da Súmula 649 do STF, “É inconstitucional a criação, por
Constituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário
do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades.”
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 410.096-AgR,
rel. min. Roberto Barroso, julgamento em 14-4-2015, Primeira Turma, DJE de
6-5-2015), destacou que:
“Compete ao Judiciário, no
conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei (...). Para isso,
há de interpretar a lei ou a Constituição, sem que isso implique ofensa ao
princípio da independência e harmonia dos Poderes.”
No Recurso Extraordinário nº 669.635-AgR, que teve
como relator o Ministro Dias Toffoli, julgado em 17-3-2015 pela Segunda Turma,
DJE de 13-4-2015, demarcou-se que
“O
Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a
Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos
constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure
violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da
Constituição Federal.”
Quanto às políticas públicas e a interferência nas
competências originárias dos “poderes”, o Supremo Tribunal Federal tem se
manifestado:
“As restrições
impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder
Executivo, incluída a definição de políticas públicas, importam em
contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.”
(ADI 4.102, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-10-2014, Plenário, DJE de
10-2-2015.) Vide: RE 436.996-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em
22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006.
“É inconstitucional qualquer tentativa do
Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou estabelecer prazos para
que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa,
apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual,
porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada
ao chefe daquele Poder.” (ADI 179, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em
19-2-2014, Plenário, DJE de 28-3-2014.)
Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os
princípios do ‘mínimo existencial’ e da ‘reserva do possível’, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a
intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o
Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra
políticas públicas previamente estabelecidas." (RE 642.536-AgR, rel
min. Luiz Fux, julgamento em 5-2-2013, Primeira Turma, DJE de 27-2-2013).
"A Constituição não submete a decisão do
Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da
República. Não há sentença jurisdicional
cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do
Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de
umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da
instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo,
as ações típicas, antijurídicas e culpáveis." (AP 470, rel. min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.)
"Esta Corte já firmou a orientação de que é possível a imposição de multa diária
contra o poder público quando esse descumprir obrigação a ele imposta por força
de decisão judicial. Não há falar em ofensa ao princípio da separação dos
Poderes quando o Poder Judiciário desempenha regularmente a função
jurisdicional." (AI 732.188-AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em
12-6-2012, Primeira Turma, DJE de 1º-8-2012.)
“É possível
ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando
inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja
ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.”
(AI 734.487-AgR, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma,
DJE de 20-8-2010.) “Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo, a prerrogativa de formular e
executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder
Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas
hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam
estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por
importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles
incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’." (RE
436.996-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma,
DJ de 3-2-2006.)
As tentativas de interferência nos atos emanados
pelos “poderes” torna-se recorrente, como pode ser destacado em casos
envolvendo o Legislativo e o Executivo, decididos pelo STF:
“O
princípio constitucional da reserva de
administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias
sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que,
em tais matérias, o Legislativo não se
qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder
Executivo. (...) Não cabe, desse
modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da
separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo
que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas
privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando
efetivada, subverte a função primária da
lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa
comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra
vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica,
exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas
institucionais.” (RE 427.574-ED, rel. min. Celso de Mello, julgamento em
13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)
“Esta
Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos presidentes das
entidades da administração pública indireta restringe-se às autarquias e
fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as
empresas públicas. Precedentes. (...). A intromissão do Poder Legislativo
no processo de provimento das diretorias das empresas estatais colide com o
princípio da harmonia e interdependência entre os Poderes. A escolha dos
dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de
cada uma delas.” (ADI 1.642, rel. min. Eros Grau, julgamento em 3-4-2008,
Plenário, DJE de 19-9-2008.)
"A
fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos
contrapesos da CF à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de
interferência que só a CR pode legitimar. Do relevo primacial dos 'pesos e
contrapesos' no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma
infraconstitucional – aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos
Estados-membros –, não é dado criar
novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou
implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. O
poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é
outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano
federal, e da Assembleia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros
individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação)
de sua Casa ou comissão." (ADI 3.046, rel. min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 15-4-2004, Plenário, DJ de 28-5-2004.)
"É
plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis
interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação
da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso
sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais
do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da
divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos
juízes e tribunais. Não se revelam,
assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional." (ADI
605-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-1991, Plenário, DJ de
5-3-1993.) No mesmo sentido: RE 566.621, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em
4-8-2011, Plenário, DJE de 11-10-2011, com repercussão geral.
Diante do princípio da inércia a qual o Poder
Judiciário encontra-se submetido, o STF tem sido provocado acerca dos limites
da participação jurisdicional em atos dos demais “poderes”, apresentando
decisões nos moldes seguintes:
“O
princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CRFB), indica não competir ao STF rever o mérito de
decisão do presidente da República, enquanto no exercício da soberania do país,
tendo em vista que o texto constitucional conferiu ao chefe supremo da Nação a
função de representação externa do país. (...) A extradição não é ato de
nenhum Poder do Estado, mas da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica
de direito público externo, representada na pessoa de seu chefe de Estado, o
presidente da República. A reclamação por descumprimento de decisão ou por
usurpação de poder, no caso de extradição, deve considerar que a Constituição
de 1988 estabelece que a soberania deve ser exercida, em âmbito interno, pelos
três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, no plano internacional,
pelo chefe de Estado, por isso que é insindicável o poder exercido pelo
presidente da República e, consequentemente, incabível a reclamação, porquanto
juridicamente impossível submeter o ato presidencial à apreciação do Pretório
Excelso.” (Rcl 11.243, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 8-6-2011,
Plenário, DJE de 5-10-2011.)
“Separação
dos Poderes. Possibilidade de análise de ato do Poder Executivo pelo Poder
Judiciário. (...) Cabe ao Poder
Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três
Poderes constitucionais, e, em vislumbrando mácula no ato impugnado, afastar a
sua aplicação.” (AI 640.272-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento
em 2-10-2007, Primeira Turma, DJ de 31-10-2007.)
“Cumpre
ao Poder Judiciário a administração e os
rendimentos referentes à conta única de depósitos judiciais e extrajudiciais.
Atribuir ao Poder Executivo essas funções viola o disposto no art. 2º da CB,
que afirma a interdependência – independência e harmonia – entre o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.” (ADI 3.458, rel. min. Eros Grau, julgamento em
21-2-2008, Plenário, DJE de 16-5-2008.) Vide: ADI 1.933, rel. min. Eros Grau,
julgamento em 14-4-2010, Plenário, DJE de 3-9-2010; ADI 2.214-MC, rel. min.
Maurício Corrêa, julgamento em 6-2-2002, Plenário, DJ de 19-4-2002.
"Cabe
ao Poder Judiciário verificar a
regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação
às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. Pelo princípio da
proporcionalidade, há que ser guardada correlação
entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista
estrutura para atuação do Poder Legislativo local." (RE 365.368-AgR,
rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-5-2007, Primeira Turma, DJ de
29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 4.125, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em
10-6-2010, Plenário, DJE de 15-2-2011.
"Os
atos administrativos que envolvem a
aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do
Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os
elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da administração.
(...) A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de
impossibilitar o direito de defesa." (RMS 24.699, rel. min. Eros Grau,
julgamento em 30-11-2004, Primeira Turma, DJ de 1º-7-2005.)
"O
acerto ou desacerto da concessão de
liminar em mandado de segurança, por traduzir ato jurisdicional, não pode ser
examinado no âmbito do Legislativo, diante do princípio da separação de poderes.
O próprio Regimento Interno do Senado não admite CPI sobre matéria pertinente
às atribuições do Poder Judiciário (art. 146, II)." (HC 86.581, rel. min.
Ellen Gracie, julgamento em 23-2-2006, Plenário, DJ de 19-5-2006.)
"Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido
pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de
legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ
153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios
critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema
constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder
Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar
atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo),
usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente
limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao
princípio constitucional da separação de poderes." (MS 22.690, rel.
min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-1997, Plenário, DJ de 7-12-2006.) Vide:
MI 708, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de
31-10-2008.
A questão envolve também casos que articulam as
competências dos poderes e a liberdade de particulares, como pode ser notado
em:
"É
absolutamente incompossível ao Poder
Legislativo, por meio de decreto legislativo, interferir em ato espontâneo de
adesão dos servidores ao PDV previsto na Lei 4.865, de 1996. Na verdade, o
decreto legislativo invade competência específica do Poder Executivo que dá
cumprimento à legislação própria instituidora desse programa especial de
desligamento espontâneo dos servidores públicos.” (RE 486.748, voto do rel.
min. Menezes Direito, julgamento em 17-2-2009, Primeira Turma, DJE de
17-4-2009.) No mesmo sentido: RE 598.340-AgR, rel. min Cármen Lúcia, julgamento
em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE de 18-3-2011.
A questão da autonomia de determinados órgãos do
Poder Público, também tem sido enfrentada pelo STF, como a capacidade de
iniciativa normativa de órgãos e poderes:
"O
Ministério Público pode deflagrar o
processo legislativo de lei concernente à política remuneratória e aos planos
de carreira de seus membros e servidores. Ausência de vício de iniciativa ou
afronta ao princípio da harmonia entre os Poderes [art. 2º da CB]."
(ADI 603, rel. min. Eros Grau, julgamento em 17-8-2006, Plenário, Primeira
Turma, DJ de 6-10-2006.)
"Na
formulação positiva do constitucionalismo republicano brasileiro, o autogoverno do Judiciário – além de espaços
variáveis de autonomia financeira e orçamentária – reputa-se corolário da
independência do Poder (ADI 135/PB, Gallotti, 21-11-1996): viola-o, pois, a
instituição de órgão do chamado 'controle externo', com participação de agentes
ou representantes dos outros Poderes do Estado." (ADI 98, rel. min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-1997, Plenário, DJ de 31-10-1997.)
Em face das decisões apresentadas e da tentativa
constante do Supremo Tribunal Federal em manter incólume a harmonia entre os
“poderes”, justifica-se a discussão sobre a aplicabilidade das decisões do
Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo, e as decisões
do Poder Judiciário, no Brasil, especialmente com relação à coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
III. Tribunal de Contas da União (TCU) e Supremo Tribunal Federal
Inseridos
no Sistema de Freios e Contrapesos, em que os “Poderes” têm o dever de se
controlar para o cumprimento da “Legalidade” constitucional encontra-se o
Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal, com suas competências
dispostas na Constituição de 1988, como se apresentará.
1.
Delineamentos
constitucionais e legais sobre o Tribunal de Contas da União e o cumprimento de
suas decisões
O Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do
Poder Legislativo na realização do controle externo (Sistema de Freios e
Contrapesos), é integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,
quadro próprio de pessoal e jurisdição (âmbito de atuação, não judicial) em
todo o território nacional.
Nos termos da Constituição de 1988, Título IV (Da Organização dos Poderes), Seção IX (Da Fiscalização
Contábil, Financeira e Orçamentária), art. 70, sabe-se que a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas,
será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder.
A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o texto
original para demarcar que devem prestar contas
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos
quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza
pecuniária (art. 70, parágrafo único, CF/88).
O controle externo, a cargo do Congresso Nacional é exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 71, CF/88), que tem as seguintes
competências:
“I -
apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu
recebimento;
II - julgar
as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário público;
III -
apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal,
a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo
de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias,
reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o
fundamento legal do ato concessório;
IV -
realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,
de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais
entidades referidas no inciso II;
V -
fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital
social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado
constitutivo;
VI -
fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao
Distrito Federal ou a Município;
VII -
prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de
suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre
resultados de auditorias e inspeções realizadas;
VIII -
aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade
de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras
cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX -
assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao
exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar,
se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara
dos Deputados e ao Senado Federal;
XI -
representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”
Veja-se que no inciso VIII, acima, destaca-se a
possibilidade de aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre
outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. Nestes casos,
o § 3º do art. 71, CF/88 deve ser utilizado cumulativamente para que a decisão
tenha efetividade, esclarecendo-se que “as
decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia
de título executivo”.
Ademais, no caso do inciso X (“sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a
decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal”), art. 71, acima
transcrito, a leitura sistemática do artigo leva o interprete ao § 1º do mesmo
dispositivo, o qual dispõe que “No caso
de contrato, o ato de sustação será
adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato,
ao Poder Executivo as medidas cabíveis”.
Relevante destacar que a Constituição confere às decisões do
Tribunal de Contas da União que resultem imputação de débito ou multa eficácia
de título executivo. Diante do silêncio do constituinte e ao TCU não integrar o
Poder Judiciário, trata-se de título executivo extrajudicial, de modo que não
podem ser de cumprimento inquestionável, devendo ser buscado o Poder Judiciário
em caso de descumprimento e, em alguns, casos, o Congresso Nacional, como pode
ser destacado pela leitura dos parágrafos do art. 71, CF/88:
“§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente
pelo Congresso Nacional, que
solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias,
não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a
respeito.
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão
eficácia de título executivo.
§ 4º O Tribunal encaminhará ao
Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.”
Destaque-se que o Código de Processo Civil, art. 585 (títulos
executivos extrajudiciais), inciso VIII, ressalta que são títulos executivos
extrajudiciais todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei
atribuir força executiva. Ainda, que a propositura de qualquer ação relativa ao
débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a
execução junto ao Poder Judiciário. Para tanto, as decisões do TCU não se
encontram no rol taxativo de títulos executivos judiciais, disposto no art.
475-N do CPC:
“Art.
475-N. São títulos executivos judiciais: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
I – a
sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de
fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II – a
sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a
sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria
não posta em juízo;
IV – a
sentença arbitral;
V – o
acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI – a
sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;”[10]
Assim, apesar de constar em sua nomenclatura o termo “Tribunal”,
termo comumente utilizado para órgãos colegiados do Poder Judiciário, o TCU não
integra tal “poder” e, consequentemente, não detém suas competências e poderes,
como se pode notar:
“Art. 92.
São órgãos do Poder Judiciário:
I - o
Supremo Tribunal Federal;
I-A o
Conselho Nacional de Justiça;
II - o
Superior Tribunal de Justiça;
III - os
Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os
Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os
Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os
Tribunais e Juízes Militares;
VII - os
Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”
Desse
modo, observa-se o papel relevante do TCU quanto ao controle das contas públicas,
o qual encontra-se limitado pelo Princípio da Separação dos Poderes, que não concede
a suas decisões natureza de título executivo judicial.
Contudo,
a eficácia das decisões do TCU tem sido avaliada e, de forma claudicante,
reduzida e ampliada pelo Supremo Tribunal Federal, que, lastimavelmente, apesar
de ser um órgão técnico jurídico, têm se manifestado politicamente, como se
demonstrará no próximo tópico.
2.
O Supremo Tribunal Federal
(STF) e a jurisprudência quanto à eficácia das decisões do TCU
O
Supremo Tribunal Federal, órgão integrando do Poder Judiciário (art. 92, I,
CF/88), compõe-se de onze Ministros e lhe compete, precipuamente, a guarda da
Constituição (art. 102, CF/88).
Quanto
às decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), o STF tem competência para
processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança e o habeas data
contra atos do Tribunal de Contas da União (art. 102, I, d, CF/88).
A.
Julgados redutores da
eficácia das decisões do TCU
Para fins didáticos, neste
tópico, opta-se pela apresentação de notícias recentes em que o Supremo
Tribunal Federal restringe ou torna nulos os efeitos de decisões do Tribunal de
Contas da União, de modo que, no tópico seguinte, serão apresentadas as ementas
detalhadas das decisões do STF que ampliam as competências do TCU em prejuízo
do Coisa Julgada, do Ato Jurídico Perfeito e dos direitos humanos decorrentes.
Desse modo, o STF, em março
de 2015, suspendeu decisão do TCU que determinou corte de abono de permanência.
No caso, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu
liminar no Mandado de Segurança (MS) 33456, impetrado pela Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), e suspendeu, para os
associados da entidade, os efeitos de acórdão do Tribunal de Contas da União
(TCU) que determinou aos tribunais federais a observância do preenchimento do
requisito de tempo mínimo de cinco anos no cargo para a concessão do chamado
“abono de permanência”.[11]
No mesmo período, o STF
suspendeu decisão do TCU que determinou ao Senac aplicação de regras da Lei de
Licitações, ocasião em que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), suspendeu decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que
determinava ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) a inclusão,
em seus editais de licitação, de dispositivos previstos na Lei 8.666/1993, que
trata de normas para licitações e contratos da administração pública. A decisão
foi tomada na análise da medida cautelar no Mandado de Segurança (MS) 33442. É
o que foi destacado na página institucional do STF:
“[...]
A decisão questionada, que manteve dois acórdãos
do TCU, um de 2011 e outro de 2014, determinou ao Senac que incluísse em seus
editais de licitação o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e
custos unitários, bem como de critério de aceitabilidade dos preços unitários.
Em sua decisão liminar, o relator lembrou a
decisão do STF no julgamento da ADI 1864, quando a Corte declarou o
entendimento de que as entidades do chamado “Sistema S” têm natureza privada e
não integram a administração pública direta ou indireta, não se aplicando a
elas a observância do disposto no inciso XXI do artigo 37 da Constituição
Federal.
O ministro também citou a decisão do Supremo no
Recurso Extraordinário (RE) 789874, quando os ministros reforçaram o
entendimento de que os serviços sociais autônomos possuem natureza jurídica de
direito privado e não estão sujeitos à regra do artigo 37 (inciso II) da
Constituição. “Na oportunidade, ressaltou-se que as entidades do Sistema “S”
desempenham atividades privadas de interesse coletivo, em regime de colaboração
com o Poder Público, e possuem patrimônio e receitas próprias, bem como a
prerrogativa de autogestão de seus recursos”.
De acordo com o ministro, essas entidades são
patrocinadas por recursos recolhidos do setor produtivo beneficiado, tendo
recebido inegável autonomia administrativa, embora se submetam à fiscalização
do TCU.
Ao conceder a liminar, o ministro explicou que o
cumprimento imediato do acórdão recorrido poderia causar prejuízos ao Senac em
sua atividade de contratação, importando em verdadeira aplicação antecipada da
sanção, “em possível violação do devido processo legal”.
Os efeitos dos acórdãos questionados ficam
suspensos até a decisão de mérito do mandado de segurança.”[12]
Em abril do mesmo ano, o
STF anulou decisão do TCU que negou segunda aposentadoria a servidor. No caso,
o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou
decisão liminar no Mandado de Segurança (MS) 32833, ao anular o acórdão do
Tribunal de Contas da União (TCU) e reconhecer o direito à segunda aposentadoria
de um servidor. Em abril de 2014, o ministro havia deferido pedido de liminar
para restabelecer a aposentadoria por invalidez até decisão de mérito no caso.
“De acordo com os autos, o autor do MS
aposentou-se por tempo de serviço em março de 1993 no cargo de agente fiscal de
rendas do Estado de São Paulo. Em fevereiro de 1999, foi aposentado por
invalidez no cargo de procurador da Fazenda Nacional.
A segunda aposentadoria chegou a ser registrada
pelo TCU em 2007, mas foi cassada posteriormente, em processo de revisão de
ofício, sob a justificativa de que os proventos de aposentadoria não podem ser
acumulados caso os respectivos cargos sejam inacumuláveis na atividade,
proibição que seria válida mesmo antes do advento da Emenda Constitucional (EC)
20/1998.
Por sua vez, o aposentado argumentou que não foi
comunicado da data do julgamento no TCU; que pode acumular os proventos, uma
vez que os cargos foram exercidos de forma sucessiva, e não simultânea; que foi
diagnosticado oficialmente com cardiopatia grave em outubro de 1998, antes do
advento da EC 20, de 15 de dezembro de 1998; e que há a incidência do princípio
da segurança jurídica, pois possui atualmente 82 anos e recebe as duas
aposentadorias há mais de dez anos.
Agravo regimental
Em agravo regimental, interposto contra a decisão
liminar que suspendeu o acórdão do TCU, a União sustentou que o Plenário do
STF, no julgamento de recursos extraordinários, teria estabelecido que mesmo
antes da EC 20 a acumulação de proventos e vencimentos só seria admitida quando
a acumulação também fosse permitida na atividade. Alegou, ainda, que a parte
final do artigo 11 da emenda proíbe a percepção de mais de uma aposentadoria.
Decisão
O ministro Luís Roberto Barroso reafirmou todos os
fundamentos apresentados na decisão liminar. Em jurisprudência recente, o STF
reconhece, segundo o ministro, que a redação original da Carta Magna não vedava
a acumulação de proventos, o que somente veio a ocorrer a partir de 16 de
dezembro de 1998, data da entrada em vigor da EC 20.
No caso concreto, embora a segunda aposentadoria
do impetrante somente tenha sido formalmente concedida em fevereiro de 1999,
ele já havia adquirido o direito à aposentadoria por invalidez em outubro de
1998, quando foi diagnosticado como portador de cardiopatia grave, comprovada
nos autos. “Portanto, o impetrante já havia adquirido o direito à aposentadoria
por invalidez antes da publicação da EC nº 20/1998, não podendo ser prejudicado
pela demora da Administração em reconhecer esta situação e publicar a concessão
do benefício”, disse o ministro.
Para o relator, a percepção da segunda
aposentadoria deve ser admitida, desde que os respectivos requisitos também
tenham sido preenchidos antes da entrada em vigor da EC nº 20/1998.
Quanto às alegações da União no agravo regimental,
o ministro afirmou que a restrição da qual trata a parte final do citado
dispositivo “não pode retroagir para alcançar os servidores que já haviam
adquirido o direito à segunda aposentadoria” antes da vigência da emenda. O
ministro também disse que os recursos extraordinários aos quais a União se
refere tiveram por objeto situações distintas à do caso em análise.
Por fim, o ministro confirmou a decisão da liminar
e concedeu a ordem para anular o acórdão do TCU, considerando prejudicado o
agravo regimental da União.”[13]
No
mesmo sentido, a Reclamação Constitucional nº 15405/RS, Relator Ministro Dias
Toffoli, julgado em 03/02/2015 pela Primeira Turma do STF, decidiu:
“EMENTA
Constitucional e Administrativo. Reclamação constitucional. Ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma ou pensão. Controle de legalidade pelo TCU.
Direito ao contraditório e à ampla defesa. Súmula Vinculante nº 3. Artigo
103-A, § 3º, da CF/88. Reclamação procedente. 1. Há prescindibilidade do contraditório e da ampla defesa nos processos
de análise de legalidade do ato de concessão de aposentadoria, reforma e pensão,
ressalvados os casos em que ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos de ingresso
do processo no TCU ou 10 (dez) anos da concessão do benefício. 2.
Jurisprudência reiterada do STF que indica a mitigação da parte final da Súmula
Vinculante nº 3 tão somente para garantir, em casos específicos, o respeito ao
cânone do due process of law. 3. É
indevida a aplicação de entendimento reiterado do STF acerca do contraditório e
da ampla defesa perante o TCU para negar a imprescindibilidade do registro pela
Corte de Contas para o aperfeiçoamento do ato de concessão de aposentadoria,
reforma ou pensão 4. Reclamação julgada procedente para cassar a decisão
reclamada e as decisões posteriores, devendo
a autoridade reclamada proceder a novo julgamento, observadas as ponderações do
presente julgado.”
Em maio de 2015, o ministro
Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu aos magistrados
representados pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e pela
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) os efeitos da liminar que
suspendeu decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que exigia a observância,
pelos tribunais federais, do tempo mínimo de cinco anos no cargo para a
concessão abono de permanência[14].
B.
Acórdãos que ampliam a
força executória das decisões do TCU malogrando a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito – o caso da
retirada de percentuais ganhos judicialmente pelos servidores públicos em face
de decisões do TCU
Diante
das teorias que legitimam o sistema normativo pátrio, nos termos apresentados no
tópico anterior, esperava-se que o STF mantivesse o cumprimento de decisões
transitadas em julgado em favor de servidores públicos federais, bem como o
prazo decadencial de cinco anos para a revisão dos atos administrativos pelo
Poder Público, mas, inusitadamente, o Supremo Tribunal Federal passou a
prolatar acórdãos que estão retirando percentuais que já vêm sendo pagos há
anos aos servidores, ganhos com inefável dificuldade em face da mora do Poder
Judiciário e da resistência da União Federal.
Passou-se
a aceitar a rediscussão de matérias que já repousavam sob o manto da coisa
julgada e o ato jurídico perfeito, o que deve, inclusive, ser alvo de denúncias às Cortes Internacionais
de Direitos Humanos, além de rediscutidos, paralelamente, com os escassos
instrumentos processuais e políticos que restam na República Federativa do
Brasil.
Algo
que somente reflete o papel político do STF ao legitimar atos dos demais “poderes”
para ampliar os montantes de recursos dos cofres públicos, por via ilegítima.
Tal
foi o caso do Mandado de Segurança nº 32332 (AgR/DF - Distrito Federal - Agravo
Regimental em Mandado de Segurança), Relator Ministro Roberto Barroso), julgado
em 09/06/2015 pela Primeira Turma do STF, cuja ementa ora se transcreve:
“DIREITO
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. TCU. VANTAGEM RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO.
POSSÍVEL PERDA DE EFICÁCIA DA SENTENÇA. 1. Afastamento da alegada violação
ao princípio do contraditório, nos termos da jurisprudência consolidada deste
Tribunal. 2. A Corte de Contas não
desconsiderou decisão judicial com trânsito em julgado, mas apenas determinou
que o pagamento da parcela observasse a metodologia de cálculo estabelecida no
acórdão TCU nº 2.161/2005, segundo a qual as rubricas referentes às sentenças
judiciais devem ser absorvidas por reajustes e reestruturações posteriormente
concedidos aos servidores. Determinação que se encontra em harmonia com a
jurisprudência do STF. 3. O Pleno da Corte, em repercussão geral, decidiu que “a sentença que reconhece ao
trabalhador ou servidor o direito a determinado percentual de acréscimo
remuneratório deixa de ter eficácia a partir da superveniente incorporação
definitiva do referido percentual nos seus ganhos” (RE 596.663, Rel. p/
acórdão Min. Teori Zavascki). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Observe-se
que ao destacar que a “Corte de Contas
não desconsiderou decisão judicial com trânsito em julgado, mas apenas
determinou que o pagamento da parcela observasse a metodologia de cálculo
estabelecida no acórdão TCU nº 2.161/2005, segundo a qual as rubricas
referentes às sentenças judiciais devem ser absorvidas por reajustes e
reestruturações posteriormente concedidos aos servidores,” o STF cria
insegurança jurídica, fere a coisa julgada e possibilita a rediscussão da
matéria alvo da ação originária, com consequente aceitação da sustação dos
pagamentos de percentuais conquistados pelo servidor.
No
Mandado de Segurança nº 31642/DF, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em
02/09/2014 pela Primeira Turma do STF, destacou-se:
“Ementa:
DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVENTOS. APOSENTADORIA.
REGISTRO. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU
A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO SALARIAL. PREVISÃO
LEGAL. DECISÃO JUDICIAL. ALCANCE. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 54 DA LEI Nº
9.784/99. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA À CORTE DE
CONTAS. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO
DA REMUNERAÇÃO. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO,
AMPLA DEFESA, COISA JULGADA, SEGURANÇA JURÍDICA E IRREDUTIBILIDADE DOS
VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. PLANOS ECONÔMICOS. REAJUSTES SALARIAIS. VANTAGEM SALARIAL RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL
TRANSITADA EM JULGADO. REMUNERAÇÃO. ALCANCE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO
ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1.
O processo de registro de aposentadoria,
desde que não tenha transcorrido período de tempo superior a cinco anos entre o
início do processo no TCU e o indeferimento do registro, não impõe o
contraditório nesse lapso de tempo, nos termos da Súmula Vinculante nº 03
do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“Nos processos perante o Tribunal de
Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão
puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão”. 2. A decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99 não se consuma no
período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou
pensão e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de
Contas da União – que consubstancia o exercício da competência constitucional
de controle externo (CRFB/88, art. 71, III) -, porquanto o respectivo ato de aposentação é
juridicamente complexo, que se aperfeiçoa com o registro na Corte de
Contas. Precedentes: MS 30916, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe
08.06.2012; MS 25525, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe
19.03.2010; MS 25697, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe
12.03.2010. 3. As URPs – Unidade de
Referência de Preço - foram previstas visando a repor o poder aquisitivo de
salários e vencimentos até a data-base da categoria, quando verificado o acerto
de contas; entendimento sumulado pelo egrégio Tribunal Superior do
Trabalho, verbis: “Súmula 322: Os reajustes salariais decorrentes dos chamados
"Gatilhos" e URP's, previstos legalmente como antecipação, são
devidos tão-somente até a data-base de cada categoria.” 4. A alteração por lei do regramento anterior da
composição da remuneração do agente público, assegura-se-lhes somente a
irredutibilidade da soma total antes recebida, assim concebido: os
vencimentos e proventos constitucionais e legais. Precedentes: RE
563.965/RN-RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20.03.2009; MS
24.784, Rel. Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJe 25.06.2004; RE
185255, Rel. Ministro Sydney Sanches, Primeira Turma, DJ 19.09.1997. 5. A boa-fé na percepção de parte imotivada de
vencimentos, reconhecido no acórdão do TCU, conjura o dever de devolução.
6. A garantia fundamental da coisa
julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que
ocorrerem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida - como as
inúmeras leis que reestruturam as carreiras dos servidores do Poder Judiciário
da União e fixam novos regimes jurídicos de remuneração. 7. In casu, restou demonstrado nos autos a improcedência do pedido de continuidade
do pagamento da URP, tendo em vista, sobretudo, os reajustes salariais advindos
após à sua concessão, com destaque ao aumento salarial provocado pela reestruturação
de carreira dos docentes em universidades federais - verbi gratia, Lei nº
11.784/2008 -, que vieram a incorporar o valor que era pago em separado a
título de antecipação salarial. 8. Segurança denegada.”
No
caso acima, a manifestação do STF de que restou demonstrado nos autos a
improcedência do pedido de continuidade do pagamento da URP, tendo em vista,
sobretudo, os reajustes salariais advindos após à sua concessão, com destaque
ao aumento salarial provocado pela reestruturação de carreira dos docentes em
universidades federais - verbi gratia, Lei nº 11.784/2008 -, que vieram a
incorporar o valor que era pago em separado a título de antecipação salarial,
demarca que, sequer, o servidor prejudicado teve direito à ampla defesa e
contraditório, uma vez que os autos mencionados tramitaram no TCU, envolvendo a apreciação da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma e pensão, os quais não há, ilegitimamente, obrigação
do Tribunal abrir espaço para ampla defesa e contraditório (Súmula Vinculante
nº 03 do STF), verbis:
“Súmula
Vinculante nº 03 do STF: Nos
processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e
a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação
ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato
de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Nesse
sentido, o MS nº 26980 AgR/DF, Relator Ministro Teori Zavascki, julgado em 22/04/2014
pela Segunda Turma do STF, destacou-se:
“Ementa:
I - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA DECLARADA ILEGAL PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.
CÁLCULO DO ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO COM BASE NA REMUNERAÇÃO. DIREITO
RECONHECIDO POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. SUPERVENIÊNCIA DE
NOVO REGIME JURÍDICO. PERDA DA EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO JUDICIAL, EM
RAZÃO DA ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LHE DERAM SUPORTE.
SUBMISSÃO À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS.
INEXISTÊNCIA DE OFENSA À GARANTIA DA
COISA JULGADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE VIOLAÇÃO À IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. AGRAVO
REGIMENTAL DA IMPETRANTE NÃO PROVIDO. 1. Ao pronunciar juízos de certeza sobre
a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a
sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito que se
apresentam no momento da sua prolação. Tratando-se de relação jurídica de trato
continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem
inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte
(cláusula rebus sic stantibus). Assim, não atenta contra a coisa julgada a superveniente
alteração do estado de direito, em que a nova norma jurídica tem eficácia ex
nunc, sem efeitos retroativos. 2. No caso, com o advento da Lei 8.112/1990,
houve perda da eficácia vinculativa da sentença proferida nos autos da Ação
Ordinária 9248005, não mais subsistindo o direito da impetrante ao cálculo do
adicional por tempo de serviço com base em sua remuneração, não se
caracterizando qualquer inconstitucionalidade no Acórdão TCU 3.370/2006-2ª
Câmara, especialmente no que diz respeito à garantia da coisa julgada. 3. Não
há elementos probatórios suficientes que demonstrem ter havido, com a nova
forma de cálculo do adicional por tempo de serviço, desrespeito ao princípio
constitucional da irredutibilidade dos vencimentos. 4. Agravo regimental da impetrante
a que se nega provimento. II – CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO. APOSENTADORIA DECLARADA ILEGAL PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.
NEGATIVA DE REGISTRO. BOA-FÉ DO SERVIDOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE
RECEBIDOS. TERMO INICIAL. DATA DA CIÊNCIA DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE CONTAS. AGRAVO
REGIMENTAL DA UNIÃO PROVIDO. 1. Havendo boa-fé do servidor público que recebe
valores indevidos a título de aposentadoria, o termo inicial para devolução dos
valores deve corresponder à data em que teve conhecimento do ato que considerou
ilegal a concessão de sua aposentadoria. 2. Agravo regimental da União provido.”
Por
fim, para o objeto deste estudo, o MS nº 27580 AgR/DF, Relator Ministro Dias
Toffoli, julgado em 10/09/2013 pela Primeira Turma do STF, assim destacou:
“Agravo
regimental em mandado de segurança. Impetração voltada contra acórdão proferido
pelo Tribunal de Contas da União com o qual ele determinou o corte de vantagens que considerou terem
sido ilegalmente agregadas aos proventos de aposentadoria de servidor público.
Admissibilidade. 1. Está assentado na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal o entendimento de que não se
aplica ao TCU, no exercício do controle da legalidade de aposentadorias, a
decadência administrativa prevista na Lei nº 9.784/99. 2. Tampouco se pode falar em desrespeito ao
princípio da irredutibilidade de vencimentos quando se determina a correção de
ilegalidades na composição de proventos de aposentadoria de servidores públicos.
3. Não ocorre violação da autoridade da
coisa julgada quando se reconhece a incompatibilidade de novo regime jurídico
com norma anterior que disciplinava a situação funcional de servidor público.
Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Desse
modo, observa-se a utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para
camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e os atos jurídicos prefeitos retirando
percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para
fortalecimento dos cofres da União.
IV.
Conclusões
A
questão da utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar reais
intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e os atos jurídicos prefeitos, retirando percentuais que
vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos
cofres da União está gerando forte abalo na dignidade dos servidores públicos.
Assim,
dispôs-se sobre a eficácia das decisões do Tribunal de Contas da União e a
postura do Supremo Tribunal Federal, claudicante, em tempos de instabilidade
sistêmica.
As
decisões do STF apresentadas no último item demonstram que as análises feitas
pelo TCU que estão a bloquear a continuidade do pagamento de percentuais
obtidos judicialmente (decisão transitada em julgado), mitigaram direitos
humanos e fundamentais, especialmente por forjarem argumentos pseudojurídicos
para legitimarem o não pagamento pela União.
Fica
claro que o TCU não garantiu ampla defesa e contraditório constitucionais aos
servidores afetados, decidiu e passou a impor aos demais órgãos da
Administração Pública Federal o bloqueio dos pagamentos, uma vez que alega ter
existido a incorporação dos valores que estavam sendo pagos. Algo que rediscute
o cerne das matérias já decididas e sob o manto da coisa julgada, impossível no
devido processo legal, mas que está, pontualmente, sendo aceito pelas Turmas do
STF.
De
forma lastimosa, o STF dispõe que a garantia fundamental da coisa julgada (CF/88,
art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrerem modificações
no contexto fático-jurídico em que produzida - como as inúmeras leis que
reestruturam as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União e fixam
novos regimes jurídicos de remuneração. Tudo com base em Acórdão do TCU em que
não houve defesa por parte dos interessados e ora está sendo imposto, em
especial, a pessoas que já se encontram com idade avançada e passando por
incontáveis problemas de saúde.
Pior,
o STF, por suas turmas, está, inclusive, contrariando regras legais ao dispor
quer não se aplica ao TCU, no exercício do controle da legalidade de
aposentadorias, a decadência administrativa prevista na Lei nº 9.784/99 (cinco
anos).
Outrossim,
o STF está a proteger os atos do TCU afirmando que não há desrespeito ao
princípio da irredutibilidade de vencimentos quando se determina a correção de
ilegalidades na composição de proventos de aposentadoria de servidores
públicos. E, que não ocorre violação da autoridade da coisa julgada quando se
reconhece a incompatibilidade de novo regime jurídico com norma anterior que
disciplinava a situação funcional de servidor público.
Diante
de todo o exposto, convém que a sociedade se organize para visualizar tais
injustiças, bem como utilizem as vias recursais próprias no Supremo Tribunal Federal,
em sua composição total no Tribunal Pleno, para modificar o entendimento
apresentados pelas turmas.
Em
tudo, fazendo-se pressão política e social, com ações jurídicas e políticas em
paralelo, objetivando modificar o entendimento do STF no sentido de manter os
pagamentos aos servidores nos moldes conquistados nas decisões transitadas em
julgado.
Caso
a corte se mantenha resistente, impõe-se a reabertura dos processos no Tribunal
de Contas da União para que seja garantida ampla defesa e contraditório, de
modo que os servidores possam apresentar cálculos atuariais que comprovem que a
instituição dos Planos de Cargos e Carreiras novos não efetivou a correção
referentes às perdas dos percentuais que o TCU está impondo a retirada.
Algo
que não elide a atuação dos movimentos sociais e entidades representativas que
busquem, também, soluções pressionando o Poder Legislativo para que garanta
normativamente o que foi decidido em favor dos servidores, após árdua e longa
luta judicial.
Por
fim, que sejam acionadas as Cortes e Tribunais Internacionais sobre Direitos
Humanos para que a República Federativa do Brasil seja punida pelos atos
malferidores de diversos direitos humanos, tais como, ampla defesa,
contraditório, coisa julgada, atos jurídicos prefeitos, legalidade, devido processo legal, irredutibilidade
de vencimentos, dignidade da pessoa humana, dentre outros, nos casos
apresentados.
Bibliografia
FERREIRA
Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades
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1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD.
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http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/joaquim-barbosa-ve-atentado-ao-judiciario-em-fala-de-dilma/.
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http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf.
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de outubro de 1988. Net:
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____. Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de
11 de janeiro de 1973. Net:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm.
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http://oglobo.globo.com/brasil/joaquim-barbosa-critica-congresso-diz-que-partidos-brasileiros-sao-de-mentirinha-8441158.
SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. Suspensa decisão do
TCU que determinou corte de abono de permanência. Net:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287910.
____. Suspensa decisão do TCU que determinou ao
Senac aplicação de regras da Lei de Licitações. Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287823.
____. Ministro anula decisão do TCU que negou
segunda aposentadoria a servidor.
Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289427.
____. Ministro estende liminar que autoriza
pagamento de abono de permanência a magistrados. Net:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291854.
Clovis Renato Costa Farias
Advogado Sindical em Direito Coletivo do
SINTUFCE
Doutorando em Direito pela UFC
Membro do GRUPE
[1] KURZ, Robert. A crise do sistema mundial produtor de mercadorias. Net: http://obeco.no.sapo.pt/rkurz152.htm.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[2] SALCEDO, Gabriela. Congresso em Foco. Joaquim
Barbosa vê ‘atentado’ ao Judiciário em fala de Dilma. Net:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/joaquim-barbosa-ve-atentado-ao-judiciario-em-fala-de-dilma/.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[3] SOUZA, André de. O Globo. Joaquim Barbosa
critica Congresso e diz que partidos brasileiros são de mentirinha. Net:
http://oglobo.globo.com/brasil/joaquim-barbosa-critica-congresso-diz-que-partidos-brasileiros-sao-de-mentirinha-8441158.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[4] MALDONAD, Maurílio. Separação dos poderes e Sistema de Freios e Contrapesos:
desenvolvimento no Estado brasileiro. Net: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[5] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron
de. Do Espírito das Leis. São Paulo:
Saraiva, 2000. p.167-173.
[6] FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli.
Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978. In. Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus
Cláudio Acqua Viva. APUD.
[7] SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos (Checks and Balances).
Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p.94.
[8] MALDONAD, Maurílio. Separação dos poderes e Sistema de Freios e Contrapesos:
desenvolvimento no Estado brasileiro. Net: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[9] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Constituição de 05 de outubro de 1988. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[10] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de
11 de janeiro de 1973. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm
Acesso em: 14. ago. 2015.
[11] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Suspensa decisão do TCU que determinou
corte de abono de permanência. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287910.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[12] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensa decisão do TCU que determinou ao
Senac aplicação de regras da Lei de Licitações.
Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287823.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[13] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro anula decisão do TCU que negou
segunda aposentadoria a servidor.
Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289427.
Acesso em: 14. ago. 2015.
[14] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro estende liminar que autoriza
pagamento de abono de permanência a magistrados. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291854.
Acesso em: 14. ago. 2015.
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