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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Os cortes de percentuais nos vencimentos dos trabalhadores contrariando decisões judiciais transitadas em julgado: a atuação do Estado na forja de argumentos que mitigam direitos humanos malferindo a coisa julgada com base em decisões do TCU e do STF

Os cortes de percentuais nos vencimentos dos trabalhadores contrariando decisões judiciais transitadas em julgado: a atuação do Estado na forja de argumentos que mitigam direitos humanos malferindo a coisa julgada com base em decisões do TCU e do STF

Clovis Renato Costa Farias*
(Advogado Sindical em Direito Coletivo do SINTUFCE; Doutorando em Direito pela UFC;Membro do GRUPE; bolsista da CAPES)

Sumário: I. Cotejo justificativo.  II.   O Sistema de Freios e Contrapesos e o Princípio da Separação dos Poderes; 1. Contextualização; 2.         Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfrentando harmonizando os “Freios e Contrapesos” com o Princípio da Separação dos Poderes. III.       Tribunal de Contas da União (TCU) e Supremo Tribunal Federal; 1. Delineamentos constitucionais e legais sobre o Tribunal de Contas da União e o cumprimento de suas decisões; 2. O Supremo Tribunal Federal (STF) e a jurisprudência quanto à eficácia das decisões do TCU; A.           Julgados redutores da eficácia das decisões do TCU; B.         Acórdãos que ampliam a força executória das decisões do TCU malogrando a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito – o caso da retirada de percentuais ganhos judicialmente pelos servidores públicos em face de decisões do TCU. IV. Conclusões. Bibliografia.
Resumo: O presente escrito justifica-se pela percepção de tratamento acintoso e político danoso dado pelo Poder Público em momento de crise econômica, na tentativa de legitimar juridicamente atos desrespeitosos à dignidade da pessoa humana, malferindo direitos humanos elementares como a coisa julgada e o ato jurídico perfeito. Em específico, será abordada a questão da utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeitoretirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos cofres da União. Em tela, será disposta a eficácia das decisões do Tribunal de Contas da União e a postura do Supremo Tribunal Federal, claudicante, em tempos de instabilidade sistêmica.  Tais processos históricos ficaram conhecidos nacionalmente pelos servidores pelo montante dos percentuais, tais como, 84,35%, 28,86%, 26,06%, 3,17%.
Palavras-chave: Coisa julgada. Percentuais em vencimentos ganhos pela via judicial. Tribunal de Contas da União. Supremo Tribunal Federal. Direitos Humanos e Fundamentais.


I.                 Cotejo justificativo
O presente escrito justifica-se pela percepção de tratamento acintoso e político danoso dado pelo Poder Público em momento de crise econômica, na tentativa de legitimar juridicamente atos desrespeitosos à dignidade da pessoa humana, malferindo direitos humanos elementares como a Coisa Julgada  e o Ato Jurídico Perfeito.
Em específico, será abordada a questão da utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada  e o ato jurídico perfeito retirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos cofres da União. Em tela, será disposta a eficácia das decisões do Tribunal de Contas da União e a postura do Supremo Tribunal Federal, claudicante, em tempos de instabilidade sistêmica.  Tais processos históricos ficaram conhecidos nacionalmente pelos servidores pelo montante dos percentuais, tais como, 84,35%, 28,86%, 26,06%, 3,17%, os quais já estavam sendo pagos há anos, após terem sido ganhos em via decisão judicial transitada em julgado e implementados por atos jurídicos perfeitos. Em alguns casos já havia percepção há mais de dez anos.
Tal crise é destacada por contextos que envolvem o papel do Estado, elemento do sistema, como um dos entes que mais buscam administrar a crise. Para tanto, observa-se a utilização pelo Poder Público de fundamentações, inclusive jurídicas, que subvertem a ordem jurídica estabelecida, os direitos fundamentais e o sistema normativo e principiológico garantidor da dignidade da pessoa humana, tais como as que serão apresentadas no presente escrito para justificar que novas decisões do Tribunal de Contas da União, órgão do Poder Legislativo, possam, indevidamente, alterar decisões do Poder Judiciário transitadas em julgado, com anuência e legitimação pelo Supremo Tribunal Federal, como se demonstrará.
A atuação dos elementos de estruturação do sistema capitalista, como meios de dominação hegemônica, tais como o Estado, repartido em suas funções (“poderes”), tentando manter o status quo no âmbito do sistema, administrando a crise, é assim destacada por Kurz:
“O jogo do mercado mundial, que absorveu e assimilou todas as outras formas, já não permite que os perdedores voltem depois para casa em sossego, mas sim está destruindo sucessivamente para eles toda possibilidade de uma existência digna. Quando esses homens, povos, regiões e Estados perceberem que nunca mais terão alguma chance de vencer e que as futuras derrotas inevitáveis os privarão de qualquer possibilidade de viver, lançarão, mais cedo ou mais tarde, o tabuleiro no chão e dispensarão todas as regras da chamada civilização mundial. Essas regras democráticas da "razão mundial" burguesa e iluminista são em sua essência abstratas e insensíveis, pois seu verdadeiro fundamento é o automovimento do dinheiro, abstrato e privado de sensibilidade, movimento que faz nascer suas leis históricas destrutivas e as executa mecanicamente até o terrível fim.
[...]
Mas não parece que as instituições, os poderes e os representantes (ou figuras de proa políticas) desde mundo único pretendem questionar o automatismo do movimento do mercado mundial.
[...]
Quanto mais Estados, regiões, unidades empresarias e indivíduos assumem o status de perdedores, tanto mais capacidade aquisitiva produtiva internacional é destruída. O conjunto dessa capacidade aquisitiva desaparecida não pode jamais ser substituída e revitalizada artificialmente, por meio de créditos. Por um lado, vão se expandindo o crédito e o endividamento e, por outro, vai diminuindo o potencial global de capacidade aquisitiva. Esses dois movimentos opostos sobrepõem-se um ao outro de tal forma que de cada ciclo de realização de mais-valia, por parte dos vencedores, sobra um resto cada vez maior que não pode ser aplicado produtivamente nem emprestado diretamente como capital monetário que rende juros. Paralelamente às estruturas globais de déficit passou a desenvolver-se, portanto, desde os anos 70, um aparente excedente de capital monetário que está desesperadamente à procura de alguma aplicação lucrativa; a princípio, a concorrência entre os que emprestavam era grande e os créditos eram concedidos a condições "baratas", sem que a superestrutura de crédito internacional pudesse absorver completamente a mais-valia acumulada, realizada na forma de dinheiro.”[1]

Diante da crise econômica, como demarcadora da crise do sistema capitalista, que se manifesta no Brasil e no mundo, as imposições de medidas de austeridade pelo Poder Executivo e o ajuste conjunto com os demais poderes estatais, legitimadores do vilipêndio de direitos conquistados, demarca-se verdadeira crise institucional, como demarcado pelo ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, em entrevista, “Vocês estão vendo o estrago que a promiscuidade entre dinheiro de empresas e a política provoca nas instituições?”[2].
Problemáticas envolvendo o Sistema de Freios e Contrapesos conjugado com a higidez do Princípio da Separação dos Poderes vinham sendo destacadas pelo Ministro enquanto Presidente do Supremo Tribunal Federal:
“— Outro problema é a questão partidária. Nós temos partidos de mentirinha. Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E nem pouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder. Esta é uma das grandes deficiências, a razão pela qual o Congresso brasileiro se notabiliza pela sua ineficiência, pela sua incapacidade de deliberar. Ora, poder que não é exercido é poder que é tomado, exercido por outrem, e em grande parte no Brasil esse poder é exercido pelo Executivo
[...]
Na palestra, o ministro também voltou a criticar a proposta de emenda constitucional (PEC) 33, que tramita no Congresso. A proposta dá ao Parlamento a palavra final sobre algumas decisões do STF, como a de declarar a inconstitucionalidade de emendas à Carta Magna. Para o ministro, a PEC não é um meio legítimo de exercer o sistema de pesos e contrapesos, em que um poder controla os excessos do outro.
— Evidentemente que não são meios de consolidar o sistema de freios e contrapesos. São sim reações á decisões do STF. Se levadas adiante essas tentativas, nós teríamos destruído a Constituição brasileira, todo mecanismo de controle de constitucional que o Supremo exerce sobre as leis. Significaria o fim da Constituição de 88. Eliminaria o controle judicial — disse o ministro.”[3]

Em tal contexto de forte instabilidade das estruturas sistêmicas como o Estado tem sido observado, atualmente, o crescimento de atuações de supõem ações conjuntas envolvendo os “poderes” no Brasil, redutoras dos direitos fundamentais. De modo exemplificativo, destaca-se a edição de Medidas Provisórias ferindo diversos direitos sociais, prolatadas pelo Poder Executivo, confirmadas pelos “poderes” Legislativo e Judiciário.
Vislumbra-se com tal contextualização compreender a lógica das fundamentações “jurídicas” no caso dos cortes de ganhos nos vencimentos dos trabalhadores contrariando decisões judiciais transitadas em julgado. Em especial, entender a atuação do Estado (via Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União) na forja de argumentos que mitigam direitos da pessoa humana malferindo a coisa julgada diante de novas decisões do Tribunal de Contas da União (TCU). Tais decisões retiram percentuais garantidos após anos de luta e desrespeito pela mora judicial e utilização exaustiva de recursos pelo Poder Executivo, os quais ficarão como dinheiro retido nos cofres do governo federal para administração da crise instaurada.
Desse modo, observa-se a utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e o ato jurídco perfeito retirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos cofres da União.
II.            O Sistema de Freios e Contrapesos e o Princípio da Separação dos Poderes
1.     Contextualização
Nos termos postados por Maldonado[4], Montesquieu foi o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre os poderes fundamentais do Estado, seguindo termos preconizados por Locke, que também aproximou sua formulação da concepção de rule of law. Tudo como forma de reduzir eventuais arbitrariedades por parte do Estado contra os cidadãos, com consequente redução do poder concentrado nas mãos do executivo.
Para o autor, apesar de Montesquieu ter conferido ao poder de julgar o status de um dos poderes do Estado, inaugurando a tripartição dos poderes, lhe atribui caráter secundário.
“Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.
[...]
Dos três poderes de que falamos, é o Poder de Julgar, de certo modo, nulo. Sobram dois. E, como estes têm necessidade de um poder regulador para temperá-los, a parte do corpo legislativo composta por nobres é muito apropriada para produzir esse efeito.”[5]

O art. 16, da Declaração de direitos do homem e do cidadão de 1789, destaca que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição[6].
Nos termos mencionados por Silveira[7], em ajuste histórico a tal interpretação, nos Estados Unidos da América (EUA), o Poder Judiciário passou a ser situado no mesmo nível político das demais funções do governo, conforme repisado por Maldonad:
“[...] decisão de John Marshall, Chief-Justice da Suprema Corte norte-americana, no caso MARBURY versus MADISON (1803), que inaugurou o poder da judicial review (revisão judicial), segundo o qual compete ao Poder Judiciário dizer o que é lei, considerada lei aquele ato legislativo em conformidade com a Constituição, ato legislativo contrário à Constituição não é lei.
Afirmou-se, assim, o poder daquela corte para a declaração de inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle da constitucionalidade”[8]

Para evitar possíveis contradições entre o sistema jurídico, deve-se respeitar na prática do Sistema de Freios e Contrapesos o Princípio da Separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição de 1988 que demarca que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário[9].
Tal harmonização deve ocorrer de modo a não zerar qualquer dos direitos fundamentais, que, em caso de conflito, deve o aplicador seguir critérios que visem a máxima efetividade do direito em aparente colisão, seguindo pela máxima efetividade e, em caso de acirramento da tensão entre normas de hierarquia fundamental, deve manter o núcleo essencial do direito não prevalecente. 
Em tal contexto se situa a presente discussão sobre a força vinculante das decisões do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo, e as decisões do Poder Judiciário, no Brasil.
2.               Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfrentando harmonizando os “Freios e Contrapesos” com o Princípio da Separação dos Poderes
No esforço de manter a harmonia institucional e o adequado funcionamento do sistema normativo pátrio, o Supremo Tribunal Federal (STF), comumente, decide casos envolvendo a o Sistema de Freios e Contrapesos e o Princípio da Separação dos Poderes, como se demonstrará em alguns casos.
Nos termos da Súmula 649 do STF, “É inconstitucional a criação, por Constituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades.”
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 410.096-AgR, rel. min. Roberto Barroso, julgamento em 14-4-2015, Primeira Turma, DJE de 6-5-2015), destacou que:
“Compete ao Judiciário, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei (...). Para isso, há de interpretar a lei ou a Constituição, sem que isso implique ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes.”

No Recurso Extraordinário nº 669.635-AgR, que teve como relator o Ministro Dias Toffoli, julgado em 17-3-2015 pela Segunda Turma, DJE de 13-4-2015, demarcou-se que
“O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal.”

Quanto às políticas públicas e a interferência nas competências originárias dos “poderes”, o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado:
“As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, incluída a definição de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.” (ADI 4.102, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-10-2014, Plenário, DJE de 10-2-2015.) Vide: RE 436.996-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006.
 “É inconstitucional qualquer tentativa do Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual, porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao chefe daquele Poder.” (ADI 179, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 19-2-2014, Plenário, DJE de 28-3-2014.)
Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ‘mínimo existencial’ e da ‘reserva do possível’, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas." (RE 642.536-AgR, rel min. Luiz Fux, julgamento em 5-2-2013, Primeira Turma, DJE de 27-2-2013).
"A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis." (AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.)
"Esta Corte já firmou a orientação de que é possível a imposição de multa diária contra o poder público quando esse descumprir obrigação a ele imposta por força de decisão judicial. Não há falar em ofensa ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário desempenha regularmente a função jurisdicional." (AI 732.188-AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 12-6-2012, Primeira Turma, DJE de 1º-8-2012.)
“É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.” (AI 734.487-AgR, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) “Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’." (RE 436.996-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006.)

As tentativas de interferência nos atos emanados pelos “poderes” torna-se recorrente, como pode ser destacado em casos envolvendo o Legislativo e o Executivo, decididos pelo STF:
“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.574-ED, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)
“Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos presidentes das entidades da administração pública indireta restringe-se às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes. (...). A intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento das diretorias das empresas estatais colide com o princípio da harmonia e interdependência entre os Poderes. A escolha dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.” (ADI 1.642, rel. min. Eros Grau, julgamento em 3-4-2008, Plenário, DJE de 19-9-2008.)
"A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da CF à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a CR pode legitimar. Do relevo primacial dos 'pesos e contrapesos' no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional – aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos Estados-membros –, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembleia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão." (ADI 3.046, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-4-2004, Plenário, DJ de 28-5-2004.)
"É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional." (ADI 605-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.) No mesmo sentido: RE 566.621, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 4-8-2011, Plenário, DJE de 11-10-2011, com repercussão geral.

Diante do princípio da inércia a qual o Poder Judiciário encontra-se submetido, o STF tem sido provocado acerca dos limites da participação jurisdicional em atos dos demais “poderes”, apresentando decisões nos moldes seguintes:
“O princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CRFB), indica não competir ao STF rever o mérito de decisão do presidente da República, enquanto no exercício da soberania do país, tendo em vista que o texto constitucional conferiu ao chefe supremo da Nação a função de representação externa do país. (...) A extradição não é ato de nenhum Poder do Estado, mas da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito público externo, representada na pessoa de seu chefe de Estado, o presidente da República. A reclamação por descumprimento de decisão ou por usurpação de poder, no caso de extradição, deve considerar que a Constituição de 1988 estabelece que a soberania deve ser exercida, em âmbito interno, pelos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, no plano internacional, pelo chefe de Estado, por isso que é insindicável o poder exercido pelo presidente da República e, consequentemente, incabível a reclamação, porquanto juridicamente impossível submeter o ato presidencial à apreciação do Pretório Excelso.” (Rcl 11.243, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 8-6-2011, Plenário, DJE de 5-10-2011.)
“Separação dos Poderes. Possibilidade de análise de ato do Poder Executivo pelo Poder Judiciário. (...) Cabe ao Poder Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três Poderes constitucionais, e, em vislumbrando mácula no ato impugnado, afastar a sua aplicação.” (AI 640.272-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-10-2007, Primeira Turma, DJ de 31-10-2007.)
“Cumpre ao Poder Judiciário a administração e os rendimentos referentes à conta única de depósitos judiciais e extrajudiciais. Atribuir ao Poder Executivo essas funções viola o disposto no art. 2º da CB, que afirma a interdependência – independência e harmonia – entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (ADI 3.458, rel. min. Eros Grau, julgamento em 21-2-2008, Plenário, DJE de 16-5-2008.) Vide: ADI 1.933, rel. min. Eros Grau, julgamento em 14-4-2010, Plenário, DJE de 3-9-2010; ADI 2.214-MC, rel. min. Maurício Corrêa, julgamento em 6-2-2002, Plenário, DJ de 19-4-2002.
"Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local." (RE 365.368-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-5-2007, Primeira Turma, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 4.125, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 15-2-2011.
"Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da administração. (...) A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa." (RMS 24.699, rel. min. Eros Grau, julgamento em 30-11-2004, Primeira Turma, DJ de 1º-7-2005.)
"O acerto ou desacerto da concessão de liminar em mandado de segurança, por traduzir ato jurisdicional, não pode ser examinado no âmbito do Legislativo, diante do princípio da separação de poderes. O próprio Regimento Interno do Senado não admite CPI sobre matéria pertinente às atribuições do Poder Judiciário (art. 146, II)." (HC 86.581, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 23-2-2006, Plenário, DJ de 19-5-2006.)
"Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes." (MS 22.690, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-1997, Plenário, DJ de 7-12-2006.) Vide: MI 708, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008.

A questão envolve também casos que articulam as competências dos poderes e a liberdade de particulares, como pode ser notado em:
absolutamente incompossível ao Poder Legislativo, por meio de decreto legislativo, interferir em ato espontâneo de adesão dos servidores ao PDV previsto na Lei 4.865, de 1996. Na verdade, o decreto legislativo invade competência específica do Poder Executivo que dá cumprimento à legislação própria instituidora desse programa especial de desligamento espontâneo dos servidores públicos.” (RE 486.748, voto do rel. min. Menezes Direito, julgamento em 17-2-2009, Primeira Turma, DJE de 17-4-2009.) No mesmo sentido: RE 598.340-AgR, rel. min Cármen Lúcia, julgamento em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE de 18-3-2011.

A questão da autonomia de determinados órgãos do Poder Público, também tem sido enfrentada pelo STF, como a capacidade de iniciativa normativa de órgãos e poderes:
"O Ministério Público pode deflagrar o processo legislativo de lei concernente à política remuneratória e aos planos de carreira de seus membros e servidores. Ausência de vício de iniciativa ou afronta ao princípio da harmonia entre os Poderes [art. 2º da CB]." (ADI 603, rel. min. Eros Grau, julgamento em 17-8-2006, Plenário, Primeira Turma, DJ de 6-10-2006.)
"Na formulação positiva do constitucionalismo republicano brasileiro, o autogoverno do Judiciário – além de espaços variáveis de autonomia financeira e orçamentária – reputa-se corolário da independência do Poder (ADI 135/PB, Gallotti, 21-11-1996): viola-o, pois, a instituição de órgão do chamado 'controle externo', com participação de agentes ou representantes dos outros Poderes do Estado." (ADI 98, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-1997, Plenário, DJ de 31-10-1997.)
Em face das decisões apresentadas e da tentativa constante do Supremo Tribunal Federal em manter incólume a harmonia entre os “poderes”, justifica-se a discussão sobre a aplicabilidade das decisões do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo, e as decisões do Poder Judiciário, no Brasil, especialmente com relação à coisa julgada  e o ato jurídico perfeito.

III.       Tribunal de Contas da União (TCU) e Supremo Tribunal Federal
Inseridos no Sistema de Freios e Contrapesos, em que os “Poderes” têm o dever de se controlar para o cumprimento da “Legalidade” constitucional encontra-se o Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal, com suas competências dispostas na Constituição de 1988, como se apresentará.
1.                Delineamentos constitucionais e legais sobre o Tribunal de Contas da União e o cumprimento de suas decisões
O Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo na realização do controle externo (Sistema de Freios e Contrapesos), é integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição (âmbito de atuação, não judicial) em todo o território nacional.
Nos termos da Constituição de 1988, Título IV (Da Organização dos Poderes), Seção IX (Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária), art. 70, sabe-se que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o texto original para demarcar que devem prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (art. 70, parágrafo único, CF/88).
O controle externo, a cargo do Congresso Nacional é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 71, CF/88), que tem as seguintes competências:
“I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”

Veja-se que no inciso VIII, acima, destaca-se a possibilidade de aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. Nestes casos, o § 3º do art. 71, CF/88 deve ser utilizado cumulativamente para que a decisão tenha efetividade, esclarecendo-se que “as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”.
Ademais, no caso do inciso X (“sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal”), art. 71, acima transcrito, a leitura sistemática do artigo leva o interprete ao § 1º do mesmo dispositivo, o qual dispõe que “No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis”.
Relevante destacar que a Constituição confere às decisões do Tribunal de Contas da União que resultem imputação de débito ou multa eficácia de título executivo. Diante do silêncio do constituinte e ao TCU não integrar o Poder Judiciário, trata-se de título executivo extrajudicial, de modo que não podem ser de cumprimento inquestionável, devendo ser buscado o Poder Judiciário em caso de descumprimento e, em alguns, casos, o Congresso Nacional, como pode ser destacado pela leitura dos parágrafos do art. 71, CF/88:
“§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.”

Destaque-se que o Código de Processo Civil, art. 585 (títulos executivos extrajudiciais), inciso VIII, ressalta que são títulos executivos extrajudiciais todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. Ainda, que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução junto ao Poder Judiciário. Para tanto, as decisões do TCU não se encontram no rol taxativo de títulos executivos judiciais, disposto no art. 475-N do CPC:
“Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;
IV – a sentença arbitral;
V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;”[10]

Assim, apesar de constar em sua nomenclatura o termo “Tribunal”, termo comumente utilizado para órgãos colegiados do Poder Judiciário, o TCU não integra tal “poder” e, consequentemente, não detém suas competências e poderes, como se pode notar:
“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”    


Desse modo, observa-se o papel relevante do TCU quanto ao controle das contas públicas, o qual encontra-se limitado pelo Princípio da Separação dos Poderes, que não concede a suas decisões natureza de título executivo judicial.
Contudo, a eficácia das decisões do TCU tem sido avaliada e, de forma claudicante, reduzida e ampliada pelo Supremo Tribunal Federal, que, lastimavelmente, apesar de ser um órgão técnico jurídico, têm se manifestado politicamente, como se demonstrará no próximo tópico.
2.               O Supremo Tribunal Federal (STF) e a jurisprudência quanto à eficácia das decisões do TCU
O Supremo Tribunal Federal, órgão integrando do Poder Judiciário (art. 92, I, CF/88), compõe-se de onze Ministros e lhe compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, CF/88).
Quanto às decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), o STF tem competência para processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Tribunal de Contas da União (art. 102, I, d, CF/88).
A.              Julgados redutores da eficácia das decisões do TCU
Para fins didáticos, neste tópico, opta-se pela apresentação de notícias recentes em que o Supremo Tribunal Federal restringe ou torna nulos os efeitos de decisões do Tribunal de Contas da União, de modo que, no tópico seguinte, serão apresentadas as ementas detalhadas das decisões do STF que ampliam as competências do TCU em prejuízo do Coisa Julgada,  do Ato Jurídico Perfeito e dos direitos humanos decorrentes.
Desse modo, o STF, em março de 2015, suspendeu decisão do TCU que determinou corte de abono de permanência. No caso, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar no Mandado de Segurança (MS) 33456, impetrado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), e suspendeu, para os associados da entidade, os efeitos de acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou aos tribunais federais a observância do preenchimento do requisito de tempo mínimo de cinco anos no cargo para a concessão do chamado “abono de permanência”.[11]
No mesmo período, o STF suspendeu decisão do TCU que determinou ao Senac aplicação de regras da Lei de Licitações, ocasião em que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinava ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) a inclusão, em seus editais de licitação, de dispositivos previstos na Lei 8.666/1993, que trata de normas para licitações e contratos da administração pública. A decisão foi tomada na análise da medida cautelar no Mandado de Segurança (MS) 33442. É o que foi destacado na página institucional do STF:
“[...]
A decisão questionada, que manteve dois acórdãos do TCU, um de 2011 e outro de 2014, determinou ao Senac que incluísse em seus editais de licitação o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e custos unitários, bem como de critério de aceitabilidade dos preços unitários.
Em sua decisão liminar, o relator lembrou a decisão do STF no julgamento da ADI 1864, quando a Corte declarou o entendimento de que as entidades do chamado “Sistema S” têm natureza privada e não integram a administração pública direta ou indireta, não se aplicando a elas a observância do disposto no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.
O ministro também citou a decisão do Supremo no Recurso Extraordinário (RE) 789874, quando os ministros reforçaram o entendimento de que os serviços sociais autônomos possuem natureza jurídica de direito privado e não estão sujeitos à regra do artigo 37 (inciso II) da Constituição. “Na oportunidade, ressaltou-se que as entidades do Sistema “S” desempenham atividades privadas de interesse coletivo, em regime de colaboração com o Poder Público, e possuem patrimônio e receitas próprias, bem como a prerrogativa de autogestão de seus recursos”.
De acordo com o ministro, essas entidades são patrocinadas por recursos recolhidos do setor produtivo beneficiado, tendo recebido inegável autonomia administrativa, embora se submetam à fiscalização do TCU.
Ao conceder a liminar, o ministro explicou que o cumprimento imediato do acórdão recorrido poderia causar prejuízos ao Senac em sua atividade de contratação, importando em verdadeira aplicação antecipada da sanção, “em possível violação do devido processo legal”.
Os efeitos dos acórdãos questionados ficam suspensos até a decisão de mérito do mandado de segurança.”[12]

Em abril do mesmo ano, o STF anulou decisão do TCU que negou segunda aposentadoria a servidor. No caso, o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou decisão liminar no Mandado de Segurança (MS) 32833, ao anular o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) e reconhecer o direito à segunda aposentadoria de um servidor. Em abril de 2014, o ministro havia deferido pedido de liminar para restabelecer a aposentadoria por invalidez até decisão de mérito no caso.
“De acordo com os autos, o autor do MS aposentou-se por tempo de serviço em março de 1993 no cargo de agente fiscal de rendas do Estado de São Paulo. Em fevereiro de 1999, foi aposentado por invalidez no cargo de procurador da Fazenda Nacional.
A segunda aposentadoria chegou a ser registrada pelo TCU em 2007, mas foi cassada posteriormente, em processo de revisão de ofício, sob a justificativa de que os proventos de aposentadoria não podem ser acumulados caso os respectivos cargos sejam inacumuláveis na atividade, proibição que seria válida mesmo antes do advento da Emenda Constitucional (EC) 20/1998.
Por sua vez, o aposentado argumentou que não foi comunicado da data do julgamento no TCU; que pode acumular os proventos, uma vez que os cargos foram exercidos de forma sucessiva, e não simultânea; que foi diagnosticado oficialmente com cardiopatia grave em outubro de 1998, antes do advento da EC 20, de 15 de dezembro de 1998; e que há a incidência do princípio da segurança jurídica, pois possui atualmente 82 anos e recebe as duas aposentadorias há mais de dez anos.
Agravo regimental
Em agravo regimental, interposto contra a decisão liminar que suspendeu o acórdão do TCU, a União sustentou que o Plenário do STF, no julgamento de recursos extraordinários, teria estabelecido que mesmo antes da EC 20 a acumulação de proventos e vencimentos só seria admitida quando a acumulação também fosse permitida na atividade. Alegou, ainda, que a parte final do artigo 11 da emenda proíbe a percepção de mais de uma aposentadoria.
Decisão
O ministro Luís Roberto Barroso reafirmou todos os fundamentos apresentados na decisão liminar. Em jurisprudência recente, o STF reconhece, segundo o ministro, que a redação original da Carta Magna não vedava a acumulação de proventos, o que somente veio a ocorrer a partir de 16 de dezembro de 1998, data da entrada em vigor da EC 20.
No caso concreto, embora a segunda aposentadoria do impetrante somente tenha sido formalmente concedida em fevereiro de 1999, ele já havia adquirido o direito à aposentadoria por invalidez em outubro de 1998, quando foi diagnosticado como portador de cardiopatia grave, comprovada nos autos. “Portanto, o impetrante já havia adquirido o direito à aposentadoria por invalidez antes da publicação da EC nº 20/1998, não podendo ser prejudicado pela demora da Administração em reconhecer esta situação e publicar a concessão do benefício”, disse o ministro.
Para o relator, a percepção da segunda aposentadoria deve ser admitida, desde que os respectivos requisitos também tenham sido preenchidos antes da entrada em vigor da EC nº 20/1998.
Quanto às alegações da União no agravo regimental, o ministro afirmou que a restrição da qual trata a parte final do citado dispositivo “não pode retroagir para alcançar os servidores que já haviam adquirido o direito à segunda aposentadoria” antes da vigência da emenda. O ministro também disse que os recursos extraordinários aos quais a União se refere tiveram por objeto situações distintas à do caso em análise.
Por fim, o ministro confirmou a decisão da liminar e concedeu a ordem para anular o acórdão do TCU, considerando prejudicado o agravo regimental da União.”[13]

No mesmo sentido, a Reclamação Constitucional nº 15405/RS, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 03/02/2015 pela Primeira Turma do STF, decidiu:
“EMENTA Constitucional e Administrativo. Reclamação constitucional. Ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão. Controle de legalidade pelo TCU. Direito ao contraditório e à ampla defesa. Súmula Vinculante nº 3. Artigo 103-A, § 3º, da CF/88. Reclamação procedente. 1. Há prescindibilidade do contraditório e da ampla defesa nos processos de análise de legalidade do ato de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, ressalvados os casos em que ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos de ingresso do processo no TCU ou 10 (dez) anos da concessão do benefício. 2. Jurisprudência reiterada do STF que indica a mitigação da parte final da Súmula Vinculante nº 3 tão somente para garantir, em casos específicos, o respeito ao cânone do due process of law. 3. É indevida a aplicação de entendimento reiterado do STF acerca do contraditório e da ampla defesa perante o TCU para negar a imprescindibilidade do registro pela Corte de Contas para o aperfeiçoamento do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão 4. Reclamação julgada procedente para cassar a decisão reclamada e as decisões posteriores, devendo a autoridade reclamada proceder a novo julgamento, observadas as ponderações do presente julgado.”
Em maio de 2015, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu aos magistrados representados pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) os efeitos da liminar que suspendeu decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que exigia a observância, pelos tribunais federais, do tempo mínimo de cinco anos no cargo para a concessão abono de permanência[14].

B.              Acórdãos que ampliam a força executória das decisões do TCU malogrando a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito – o caso da retirada de percentuais ganhos judicialmente pelos servidores públicos em face de decisões do TCU
Diante das teorias que legitimam o sistema normativo pátrio, nos termos apresentados no tópico anterior, esperava-se que o STF mantivesse o cumprimento de decisões transitadas em julgado em favor de servidores públicos federais, bem como o prazo decadencial de cinco anos para a revisão dos atos administrativos pelo Poder Público, mas, inusitadamente, o Supremo Tribunal Federal passou a prolatar acórdãos que estão retirando percentuais que já vêm sendo pagos há anos aos servidores, ganhos com inefável dificuldade em face da mora do Poder Judiciário e da resistência da União Federal.
Passou-se a aceitar a rediscussão de matérias que já repousavam sob o manto da coisa julgada  e o ato jurídico perfeito, o que deve, inclusive, ser alvo de denúncias às Cortes Internacionais de Direitos Humanos, além de rediscutidos, paralelamente, com os escassos instrumentos processuais e políticos que restam na República Federativa do Brasil.
Algo que somente reflete o papel político do STF ao legitimar atos dos demais “poderes” para ampliar os montantes de recursos dos cofres públicos, por via ilegítima.
Tal foi o caso do Mandado de Segurança nº 32332 (AgR/DF - Distrito Federal - Agravo Regimental em Mandado de Segurança), Relator Ministro Roberto Barroso), julgado em 09/06/2015 pela Primeira Turma do STF, cuja ementa ora se transcreve:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. TCU. VANTAGEM RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. POSSÍVEL PERDA DE EFICÁCIA DA SENTENÇA. 1. Afastamento da alegada violação ao princípio do contraditório, nos termos da jurisprudência consolidada deste Tribunal. 2. A Corte de Contas não desconsiderou decisão judicial com trânsito em julgado, mas apenas determinou que o pagamento da parcela observasse a metodologia de cálculo estabelecida no acórdão TCU nº 2.161/2005, segundo a qual as rubricas referentes às sentenças judiciais devem ser absorvidas por reajustes e reestruturações posteriormente concedidos aos servidores. Determinação que se encontra em harmonia com a jurisprudência do STF. 3. O Pleno da Corte, em repercussão geral, decidiu que “a sentença que reconhece ao trabalhador ou servidor o direito a determinado percentual de acréscimo remuneratório deixa de ter eficácia a partir da superveniente incorporação definitiva do referido percentual nos seus ganhos” (RE 596.663, Rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Observe-se que ao destacar que a “Corte de Contas não desconsiderou decisão judicial com trânsito em julgado, mas apenas determinou que o pagamento da parcela observasse a metodologia de cálculo estabelecida no acórdão TCU nº 2.161/2005, segundo a qual as rubricas referentes às sentenças judiciais devem ser absorvidas por reajustes e reestruturações posteriormente concedidos aos servidores,” o STF cria insegurança jurídica, fere a coisa julgada e possibilita a rediscussão da matéria alvo da ação originária, com consequente aceitação da sustação dos pagamentos de percentuais conquistados pelo servidor.
No Mandado de Segurança nº 31642/DF, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 02/09/2014 pela Primeira Turma do STF, destacou-se:
“Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVENTOS. APOSENTADORIA. REGISTRO. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO SALARIAL. PREVISÃO LEGAL. DECISÃO JUDICIAL. ALCANCE. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA À CORTE DE CONTAS. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA, COISA JULGADA, SEGURANÇA JURÍDICA E IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. PLANOS ECONÔMICOS. REAJUSTES SALARIAIS. VANTAGEM SALARIAL RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. REMUNERAÇÃO. ALCANCE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O processo de registro de aposentadoria, desde que não tenha transcorrido período de tempo superior a cinco anos entre o início do processo no TCU e o indeferimento do registro, não impõe o contraditório nesse lapso de tempo, nos termos da Súmula Vinculante nº 03 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. 2. A decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99 não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União – que consubstancia o exercício da competência constitucional de controle externo (CRFB/88, art. 71, III) -, porquanto o respectivo ato de aposentação é juridicamente complexo, que se aperfeiçoa com o registro na Corte de Contas. Precedentes: MS 30916, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 08.06.2012; MS 25525, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 19.03.2010; MS 25697, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 12.03.2010. 3. As URPs – Unidade de Referência de Preço - foram previstas visando a repor o poder aquisitivo de salários e vencimentos até a data-base da categoria, quando verificado o acerto de contas; entendimento sumulado pelo egrégio Tribunal Superior do Trabalho, verbis: “Súmula 322: Os reajustes salariais decorrentes dos chamados "Gatilhos" e URP's, previstos legalmente como antecipação, são devidos tão-somente até a data-base de cada categoria.” 4. A alteração por lei do regramento anterior da composição da remuneração do agente público, assegura-se-lhes somente a irredutibilidade da soma total antes recebida, assim concebido: os vencimentos e proventos constitucionais e legais. Precedentes: RE 563.965/RN-RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20.03.2009; MS 24.784, Rel. Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJe 25.06.2004; RE 185255, Rel. Ministro Sydney Sanches, Primeira Turma, DJ 19.09.1997. 5. A boa-fé na percepção de parte imotivada de vencimentos, reconhecido no acórdão do TCU, conjura o dever de devolução. 6. A garantia fundamental da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrerem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida - como as inúmeras leis que reestruturam as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União e fixam novos regimes jurídicos de remuneração. 7. In casu, restou demonstrado nos autos a improcedência do pedido de continuidade do pagamento da URP, tendo em vista, sobretudo, os reajustes salariais advindos após à sua concessão, com destaque ao aumento salarial provocado pela reestruturação de carreira dos docentes em universidades federais - verbi gratia, Lei nº 11.784/2008 -, que vieram a incorporar o valor que era pago em separado a título de antecipação salarial. 8. Segurança denegada.”
No caso acima, a manifestação do STF de que restou demonstrado nos autos a improcedência do pedido de continuidade do pagamento da URP, tendo em vista, sobretudo, os reajustes salariais advindos após à sua concessão, com destaque ao aumento salarial provocado pela reestruturação de carreira dos docentes em universidades federais - verbi gratia, Lei nº 11.784/2008 -, que vieram a incorporar o valor que era pago em separado a título de antecipação salarial, demarca que, sequer, o servidor prejudicado teve direito à ampla defesa e contraditório, uma vez que os autos mencionados tramitaram no TCU, envolvendo  a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, os quais não há, ilegitimamente, obrigação do Tribunal abrir espaço para ampla defesa e contraditório (Súmula Vinculante nº 03 do STF), verbis:
“Súmula Vinculante nº 03 do STF: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
Nesse sentido, o MS nº 26980 AgR/DF, Relator Ministro Teori Zavascki, julgado em 22/04/2014 pela Segunda Turma do STF, destacou-se:
“Ementa: I - CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA DECLARADA ILEGAL PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CÁLCULO DO ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO COM BASE NA REMUNERAÇÃO. DIREITO RECONHECIDO POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. SUPERVENIÊNCIA DE NOVO REGIME JURÍDICO. PERDA DA EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO JUDICIAL, EM RAZÃO DA ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LHE DERAM SUPORTE. SUBMISSÃO À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À GARANTIA DA COISA JULGADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE VIOLAÇÃO À IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL DA IMPETRANTE NÃO PROVIDO. 1. Ao pronunciar juízos de certeza sobre a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito que se apresentam no momento da sua prolação. Tratando-se de relação jurídica de trato continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte (cláusula rebus sic stantibus). Assim, não atenta contra a coisa julgada a superveniente alteração do estado de direito, em que a nova norma jurídica tem eficácia ex nunc, sem efeitos retroativos. 2. No caso, com o advento da Lei 8.112/1990, houve perda da eficácia vinculativa da sentença proferida nos autos da Ação Ordinária 9248005, não mais subsistindo o direito da impetrante ao cálculo do adicional por tempo de serviço com base em sua remuneração, não se caracterizando qualquer inconstitucionalidade no Acórdão TCU 3.370/2006-2ª Câmara, especialmente no que diz respeito à garantia da coisa julgada. 3. Não há elementos probatórios suficientes que demonstrem ter havido, com a nova forma de cálculo do adicional por tempo de serviço, desrespeito ao princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos. 4. Agravo regimental da impetrante a que se nega provimento. II – CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA DECLARADA ILEGAL PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. NEGATIVA DE REGISTRO. BOA-FÉ DO SERVIDOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. TERMO INICIAL. DATA DA CIÊNCIA DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE CONTAS. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO PROVIDO. 1. Havendo boa-fé do servidor público que recebe valores indevidos a título de aposentadoria, o termo inicial para devolução dos valores deve corresponder à data em que teve conhecimento do ato que considerou ilegal a concessão de sua aposentadoria. 2. Agravo regimental da União provido.”
Por fim, para o objeto deste estudo, o MS nº 27580 AgR/DF, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 10/09/2013 pela Primeira Turma do STF, assim destacou:
“Agravo regimental em mandado de segurança. Impetração voltada contra acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União com o qual ele determinou o corte de vantagens que considerou terem sido ilegalmente agregadas aos proventos de aposentadoria de servidor público. Admissibilidade. 1. Está assentado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não se aplica ao TCU, no exercício do controle da legalidade de aposentadorias, a decadência administrativa prevista na Lei nº 9.784/99. 2. Tampouco se pode falar em desrespeito ao princípio da irredutibilidade de vencimentos quando se determina a correção de ilegalidades na composição de proventos de aposentadoria de servidores públicos. 3. Não ocorre violação da autoridade da coisa julgada quando se reconhece a incompatibilidade de novo regime jurídico com norma anterior que disciplinava a situação funcional de servidor público. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

Desse modo, observa-se a utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar as reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e os atos jurídicos prefeitos retirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos cofres da União.
IV.         Conclusões
A questão da utilização de via imprópria e de meios ilegítimos para camuflar reais intenções do Estado ao desrespeitar a coisa julgada e os atos jurídicos prefeitos, retirando percentuais que vinham sendo pagos aos servidores públicos federais para fortalecimento dos cofres da União está gerando forte abalo na dignidade dos servidores públicos.
Assim, dispôs-se sobre a eficácia das decisões do Tribunal de Contas da União e a postura do Supremo Tribunal Federal, claudicante, em tempos de instabilidade sistêmica.
As decisões do STF apresentadas no último item demonstram que as análises feitas pelo TCU que estão a bloquear a continuidade do pagamento de percentuais obtidos judicialmente (decisão transitada em julgado), mitigaram direitos humanos e fundamentais, especialmente por forjarem argumentos pseudojurídicos para legitimarem o não pagamento pela União.
Fica claro que o TCU não garantiu ampla defesa e contraditório constitucionais aos servidores afetados, decidiu e passou a impor aos demais órgãos da Administração Pública Federal o bloqueio dos pagamentos, uma vez que alega ter existido a incorporação dos valores que estavam sendo pagos. Algo que rediscute o cerne das matérias já decididas e sob o manto da coisa julgada, impossível no devido processo legal, mas que está, pontualmente, sendo aceito pelas Turmas do STF.  
De forma lastimosa, o STF dispõe que a garantia fundamental da coisa julgada (CF/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrerem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida - como as inúmeras leis que reestruturam as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União e fixam novos regimes jurídicos de remuneração. Tudo com base em Acórdão do TCU em que não houve defesa por parte dos interessados e ora está sendo imposto, em especial, a pessoas que já se encontram com idade avançada e passando por incontáveis problemas de saúde.
Pior, o STF, por suas turmas, está, inclusive, contrariando regras legais ao dispor quer não se aplica ao TCU, no exercício do controle da legalidade de aposentadorias, a decadência administrativa prevista na Lei nº 9.784/99 (cinco anos).
Outrossim, o STF está a proteger os atos do TCU afirmando que não há desrespeito ao princípio da irredutibilidade de vencimentos quando se determina a correção de ilegalidades na composição de proventos de aposentadoria de servidores públicos. E, que não ocorre violação da autoridade da coisa julgada quando se reconhece a incompatibilidade de novo regime jurídico com norma anterior que disciplinava a situação funcional de servidor público.
Diante de todo o exposto, convém que a sociedade se organize para visualizar tais injustiças, bem como utilizem as vias recursais próprias no Supremo Tribunal Federal, em sua composição total no Tribunal Pleno, para modificar o entendimento apresentados pelas turmas.
Em tudo, fazendo-se pressão política e social, com ações jurídicas e políticas em paralelo, objetivando modificar o entendimento do STF no sentido de manter os pagamentos aos servidores nos moldes conquistados nas decisões transitadas em julgado.
Caso a corte se mantenha resistente, impõe-se a reabertura dos processos no Tribunal de Contas da União para que seja garantida ampla defesa e contraditório, de modo que os servidores possam apresentar cálculos atuariais que comprovem que a instituição dos Planos de Cargos e Carreiras novos não efetivou a correção referentes às perdas dos percentuais que o TCU está impondo a retirada.
Algo que não elide a atuação dos movimentos sociais e entidades representativas que busquem, também, soluções pressionando o Poder Legislativo para que garanta normativamente o que foi decidido em favor dos servidores, após árdua e longa luta judicial.
Por fim, que sejam acionadas as Cortes e Tribunais Internacionais sobre Direitos Humanos para que a República Federativa do Brasil seja punida pelos atos malferidores de diversos direitos humanos, tais como, ampla defesa, contraditório, coisa julgada, atos jurídicos prefeitos, legalidade, devido processo legal, irredutibilidade de vencimentos, dignidade da pessoa humana, dentre outros, nos casos apresentados.


Bibliografia
FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978. In. Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD.
KURZ, Robert. A crise do sistema mundial produtor de mercadorias. Net: http://obeco.no.sapo.pt/rkurz152.htm. SALCEDO, Gabriela. Congresso em Foco. Joaquim Barbosa vê ‘atentado’ ao Judiciário em fala de Dilma. Net: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/joaquim-barbosa-ve-atentado-ao-judiciario-em-fala-de-dilma/.
MALDONAD, Maurílio. Separação dos poderes e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. Net: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
____. Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm.
SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos (Checks and Balances). Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
SOUZA, André de. O Globo. Joaquim Barbosa critica Congresso e diz que partidos brasileiros são de mentirinha. Net: http://oglobo.globo.com/brasil/joaquim-barbosa-critica-congresso-diz-que-partidos-brasileiros-sao-de-mentirinha-8441158.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensa decisão do TCU que determinou corte de abono de permanência. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287910.
____. Suspensa decisão do TCU que determinou ao Senac aplicação de regras da Lei de Licitações. Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287823.
____. Ministro anula decisão do TCU que negou segunda aposentadoria a servidor. Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289427.
____. Ministro estende liminar que autoriza pagamento de abono de permanência a magistrados. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291854.

Clovis Renato Costa Farias
Advogado Sindical em Direito Coletivo do SINTUFCE
Doutorando em Direito pela UFC
Membro do GRUPE







[1] KURZ, Robert. A crise do sistema mundial produtor de mercadorias. Net: http://obeco.no.sapo.pt/rkurz152.htm. Acesso em: 14. ago. 2015.
[2] SALCEDO, Gabriela. Congresso em Foco. Joaquim Barbosa vê ‘atentado’ ao Judiciário em fala de Dilma. Net: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/joaquim-barbosa-ve-atentado-ao-judiciario-em-fala-de-dilma/. Acesso em: 14. ago. 2015.
[3]  SOUZA, André de. O Globo. Joaquim Barbosa critica Congresso e diz que partidos brasileiros são de mentirinha. Net: http://oglobo.globo.com/brasil/joaquim-barbosa-critica-congresso-diz-que-partidos-brasileiros-sao-de-mentirinha-8441158. Acesso em: 14. ago. 2015.
[4] MALDONAD, Maurílio. Separação dos poderes e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. Net: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf. Acesso em: 14. ago. 2015.
[5] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000. p.167-173.
[6] FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978. In. Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD.
[7] SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos (Checks and Balances). Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p.94.
[8] MALDONAD, Maurílio. Separação dos poderes e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. Net: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf. Acesso em: 14. ago. 2015.
[9] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 14. ago. 2015.
[10] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Net: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm Acesso em: 14. ago. 2015.
[11] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensa decisão do TCU que determinou corte de abono de permanência. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287910. Acesso em: 14. ago. 2015.
[12] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensa decisão do TCU que determinou ao Senac aplicação de regras da Lei de Licitações. Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287823. Acesso em: 14. ago. 2015.
[13] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro anula decisão do TCU que negou segunda aposentadoria a servidor. Net:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289427. Acesso em: 14. ago. 2015.
[14] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro estende liminar que autoriza pagamento de abono de permanência a magistrados. Net: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291854. Acesso em: 14. ago. 2015.

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