“[...] o mundo parece mais propenso a acabar sendo
governado pela ditadura de seus banqueiros centrais do que pelos trabalhadores.
O nexo Estado-finanças tem todas as características de uma instituição feudal,
repleta de intrigas e passagens secretas, exercendo um poder estranho e
totalmente antidemocrático, não apenas sobre o capital circula e se acumula,
mas sobre quase todos os aspectos da vida social. A fé cega nos poderes
coercitivos residentes no nexo Estado-finanças é consistente com a confiança e
as expectativas que Keynes considerou tão cruciais para a sustentação do
capitalismo.
Cada Estado tem uma forma particular do nexo
Estado-finanças. As variações geográficas nos arranjos institucionais são
consideráveis, e os mecanismos de coordenação interestatais, como o Banco de
Compensações Internacionais de Basileia e o Fundo Monetário Internacional, têm
também um papel importante. As potências envolvidas na construção dos arranjos
como as que se reuniram para tomar as decisões internacionais-chave sobre a
futura arquitetura financeira do sistema de comércio mundial, como em Breton
Woods em 1944, são normalmente da elite, peritos, altamente tecnocráticos e
antidemocráticos. E assim isso continua em nossos dias. Somente os iniciados
nos caminhos secretos estão sendo chamados a corrigi-los.
Amplas lutas políticas acontecem, no entanto, sobre
e em torno do nexo Estado-finanças. Com frequência mais populistas do que
classistas, esses protestos geralmente se concentram em ações dessa facção da
classe que controla o nexo Estado-finanças. A campanha ‘Cinquenta anos são o
suficiente’ contra a continuação do FMI e do Banco Mundial na década de 1990
inspirou-se em uma aliança de interesses diversos, trazendo juntos, por
exemplo, o trabalho, bem como ambientalistas [...] O foco foi em grande medida
o papel disciplinador, neocolonial e imperialista dessas instituições. O
trabalho, por sua parte, muitas vezes, só participa dessas lutas com um pé
atrás. [...] Mais comumente, o populismo se concentra no que fazem os barões da
alta finança, as imensas fortunas e o poder do dinheiro que muitas vezes
adquirem e o poder social esmagador que com frequência exercem ao ditar as
condições de existência de todos os outros. A polêmica sobre o salário e o
bônus dos banqueiros em 2009 na Europa e nos Estados Unidos é ilustrativa desse
tipo de movimento populista e seus limites. [...] As forças sociais envolvidas
na forma como o nexo Estado-finanças funciona – e nenhum Estado é exatamente
como qualquer outro – diferem, portanto, um pouco da luta de classes entre
capital e trabalho geralmente privilegiada na teoria marxista. Não pretendo sugerir por isso que as lutas
políticas contra as altas finanças não são do interesse do movimento sindical,
porque é claro que são. Mas há muitas questões, incluindo impostos, tarifas,
subsídios e políticas de regulação tanto internas quanto externas, em que o
capital industrial e o trabalho organizado em determinados contextos
geográficos serão aliados, não oponentes. Isso aconteceu com o pedido de
socorro da indústria automobilística dos EUA em 2008 e 2009. As montadoras e os
sindicatos sentaram lado a lado na tentativa de preservar os empregos e salvar
as empresas da falência. Por outro lado, há uma vasta gama de interesses, além
do trabalho, que luta contra o poder da alta finança. Quando os financistas se
tornaram dominantes em todos os outros setores, como aconteceu nos Estados
Unidos a partir de meados dos anos 1980, e quando os que deveriam ser
regulamentados capturam o aparelho regulador do Estado, o nexo Estado-finanças
tende a favorecer interesses particulares em vez do corpo político em geral.
Indignação popular continuada é então essencial para restabelecer o equilíbrio.”
(HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 53-54)
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