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domingo, 4 de maio de 2014

Complexidades entre o movimento sindical e os movimentos populistas no contexto do Estado-finanças (David Harvey)

“[...] o mundo parece mais propenso a acabar sendo governado pela ditadura de seus banqueiros centrais do que pelos trabalhadores. O nexo Estado-finanças tem todas as características de uma instituição feudal, repleta de intrigas e passagens secretas, exercendo um poder estranho e totalmente antidemocrático, não apenas sobre o capital circula e se acumula, mas sobre quase todos os aspectos da vida social. A fé cega nos poderes coercitivos residentes no nexo Estado-finanças é consistente com a confiança e as expectativas que Keynes considerou tão cruciais para a sustentação do capitalismo.
Cada Estado tem uma forma particular do nexo Estado-finanças. As variações geográficas nos arranjos institucionais são consideráveis, e os mecanismos de coordenação interestatais, como o Banco de Compensações Internacionais de Basileia e o Fundo Monetário Internacional, têm também um papel importante. As potências envolvidas na construção dos arranjos como as que se reuniram para tomar as decisões internacionais-chave sobre a futura arquitetura financeira do sistema de comércio mundial, como em Breton Woods em 1944, são normalmente da elite, peritos, altamente tecnocráticos e antidemocráticos. E assim isso continua em nossos dias. Somente os iniciados nos caminhos secretos estão sendo chamados a corrigi-los.
Amplas lutas políticas acontecem, no entanto, sobre e em torno do nexo Estado-finanças. Com frequência mais populistas do que classistas, esses protestos geralmente se concentram em ações dessa facção da classe que controla o nexo Estado-finanças. A campanha ‘Cinquenta anos são o suficiente’ contra a continuação do FMI e do Banco Mundial na década de 1990 inspirou-se em uma aliança de interesses diversos, trazendo juntos, por exemplo, o trabalho, bem como ambientalistas [...] O foco foi em grande medida o papel disciplinador, neocolonial e imperialista dessas instituições. O trabalho, por sua parte, muitas vezes, só participa dessas lutas com um pé atrás. [...] Mais comumente, o populismo se concentra no que fazem os barões da alta finança, as imensas fortunas e o poder do dinheiro que muitas vezes adquirem e o poder social esmagador que com frequência exercem ao ditar as condições de existência de todos os outros. A polêmica sobre o salário e o bônus dos banqueiros em 2009 na Europa e nos Estados Unidos é ilustrativa desse tipo de movimento populista e seus limites. [...] As forças sociais envolvidas na forma como o nexo Estado-finanças funciona – e nenhum Estado é exatamente como qualquer outro – diferem, portanto, um pouco da luta de classes entre capital e trabalho geralmente privilegiada na teoria marxista. Não pretendo sugerir por isso que as lutas políticas contra as altas finanças não são do interesse do movimento sindical, porque é claro que são. Mas há muitas questões, incluindo impostos, tarifas, subsídios e políticas de regulação tanto internas quanto externas, em que o capital industrial e o trabalho organizado em determinados contextos geográficos serão aliados, não oponentes. Isso aconteceu com o pedido de socorro da indústria automobilística dos EUA em 2008 e 2009. As montadoras e os sindicatos sentaram lado a lado na tentativa de preservar os empregos e salvar as empresas da falência. Por outro lado, há uma vasta gama de interesses, além do trabalho, que luta contra o poder da alta finança. Quando os financistas se tornaram dominantes em todos os outros setores, como aconteceu nos Estados Unidos a partir de meados dos anos 1980, e quando os que deveriam ser regulamentados capturam o aparelho regulador do Estado, o nexo Estado-finanças tende a favorecer interesses particulares em vez do corpo político em geral. Indignação popular continuada é então essencial para restabelecer o equilíbrio.”

(HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 53-54)

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