Antes de tudo, quero
saudar os que fazem a FAMETRO –
direção, professores e estudantes. E, agradecer pelo convite para esta AULA INAUGURAL. É um convite que muito me honra e que aceito com imenso prazer.
Entendo este momento como um momento de
partilha acadêmica, pois encontro-me aqui entre pesquisadoras e
pesquisadores que investigam questões que circunscrevem a vida contemporânea e
que, no seu cotidiano acadêmico, exercem o ofício da pesquisa. E encontro-me
entre estudantes que, no seu processo de formação, são provocados pelo desafio
de entender e explicar fenômenos da vida social no tempo presente, em curso, e
buscam vias e caminhos...
I PRETENSÕES DA
FALA...
Assim, proponho-me a fazer desta minha fala uma provocação para
o debate. Para tanto, tentei, ao longo dos últimos dias, qual artesã a
manejar o seu tear, tecer reflexões, com fios de diferentes tons, buscando compor um cenário da vida contemporânea, no
exercício do pensar crítico. E, esta tessitura reflexiva - que aqui apresento - constitui ponto de chegada, que se faz ponto de partida, nesta dialética
permanente do ofício da pesquisa. E a temática vai além, exigindo um pensar crítico sobre o próprio ofício do
fazer ciência e sobre o processo de tessitura analítica no desvendamento da
realidade. Chega-se, assim, a um pensar
crítico, sobre a produção do pensamento crítico... Assim, o tear da
artesania intelectual – como nomina o
mestre Wright Mills – se move em uma dupla direção: a reflexão substantiva, em uma aproximação analítica da realidade
contemporânea, nos movimentos de sua complexidade: a reflexão epistemológica da
própria produção do conhecimento, do fazer ciência... E nos lembra
Bourdieu, em suas “Lições de Aula”,
que a reflexão epistemológica é indispensável para que se faça Ciências Sociais,
com relevância e fecundidade. Passemos,
então, a apresentar as nossas tessituras reflexivas, na consciência da sua
incompletude, da sua parcialidade, confiando na força iluminadora do debate,
das discussões, tanto após esta fala, mas, sobretudo, nos coletivos das
disciplinas, ao longo das aulas...
II DESENHO, EM ESBOÇO,
DO MUNDO QUE VIVEMOS...
Em uma dinâmica que se
pretende dialética, tomamos, como ponto de partida, um desenho, em esboço, com
grandes traços, do concreto que nos desafia: o mundo que vivemos... Vamos contornar, com traços largos, um mapeamento descritivo do que chamamos MUNDO CONTEMPORÂNEO...VIDA CONTEMPORÂNEA.
COMO É QUE, HOJE, A VIDA ACONTECE EM NOSSA SOCIEDADE, NESTE JOVEM SÉCULO
XXI?
Vivemos, hoje, personas do
século XXI – adultos, jovens, crianças,
idosos (e torna-se difícil estas demarcações etárias) - em um mundo que nos envolve em seu ritmo
acelerado, com novas formas de viver e conviver, novas
formas de sociabilidade, passando
pela mediação das máquinas, a encarnarem a tecnologização sem limites, como
marca do nosso tempo... Máquinas
de todas as espécies e gerações na vida doméstica, no trabalho, no lazer e,
hoje, sobretudo na vida pessoal... São máquinas cada vez mais absorventes, em
suas múltiplas funções, com “tecnologia de ponta”, rapidamente superada em um
processo avassalador: celulares; notebooks; tablets; iphones; ipods; ipeds;
smartphones; robôs, cada vez mais artificialmente inteligentes e, em breve
tempo, dispositivos a comandar funções humanas!... São máquinas que passam a
ser partes de nós mesmos, extensões do nosso corpo, impondo a necessidade de
conexões permanentes: Facebook; Twitter; Whatsaapp; Instagram; Google Glass!...
Parece que não podemos mais estar conosco mesmo, estar em silêncio... Temos que
estar sempre clicando, digitando, conectando e conectados!...
É a revolução das comunicações, impondo uma metamorfose comportamental
que se faz visível em todos os espaços onde transitamos no cotidiano, ensimesmados,
imersos no click das comunicações virtuais... Inegavelmente, o espaço
virtual passa a ser parte constitutiva da vida social, hibridizando-se com o
espaço físico, territorial... E esta dominância crescente do espaço virtual
permite, possibilita ampliar o espectro da comunicação aligeirada, mundo afora,
restringindo o espaço da comunicação de vida, da partilha... Amplia-se o
espectro das relações virtuais e restringe-se as relações de vida!!! Estranha
metamorfose dos humanos em tempos virtuais!
E a grande busca dos indivíduos conectados, “plugados” é ser o melhor, é
“ser o cara”, é ser o vencedor...É ter a vida interessante e de sucesso que se
faz existir ao aparecer no Face; portar a felicidade instantânea de comprar as
quinquilharias que tornam os indivíduos poderosos, fortes, dominadores,
conforme promete o mundo encantado do marketing a produzir e controlar nossos
desejos!... E tudo é rápido, fulgaz,
descartável... descartam-se objetos,
pessoas, relações... difunde-se a paixão ilimitada pelo novo que, rapidamente,
torna-se superado... E, nesse mundo onde tudo se faz mercadoria,
vivenciamos uma crescente instabilidade, com medo e ansiedade de sobrar, de “ficar
de fora”, de “sair do jogo”, de ser “café com leite”... Estamos submetidos à
permanente concorrência para garantir um bom lugar, de preferência, o melhor...
E tudo volta-se para a vida privada... E,
em meio ao individualismo, à mercantilização sem limites, ao consumismo
exacerbado, difunde-se a cultura da
violência... são violências de toda
ordem, fazendo crescer a obsessão por segurança, em um mundo de múltiplas apartações, estruturalmente inseguro...um mundo de banalização da vida de mulheres
e homens, da natureza, da Mãe Terra... É um mundo onde tudo pode acontecer,
onde a vida se faz líquida, rompendo os laços, os elos entre o individual e o
coletivo, como nos ensina Zigmunt Bauman!...
Mergulhamos neste mundo sem pensar nele e sobre ele...a crítica se faz um bem raro nos tempos
líquidos de exaustão de informações. Muitas vezes, reproduzimos a visão
naturalizada do senso comum e/ou as concepções e visões divulgadas no
fantástico mundo midiático, intencionalmente montadas para difundir uma forma
de olhar, um jeito de pensar que reforce determinados interesses dominantes...
E assim parece que mergulhamos num profundo sono, deixamos de ver, ficamos
cegos, como magistralmente denuncia José Saramago no seu “Ensaio sobre a Cegueira!”
É preciso despertar deste sono e começar a ver, ouvir, entender,
desvendar, agir, intervir transformar... E, neste
sentido, a ciência e a arte constituem
vias privilegiadas do nosso despertar, do nosso pensar crítico... Hoje,
vamos nos voltar para o despertar pela via da ciência, ou, mais
especificamente, das Ciências Sociais, em seu sentido mais amplo e ampliado em
diferentes campos de estudo e investigação: Sociologia,
Serviço Social, Pedagogia, Antropologia, Ciência Política, Direito, Políticas
Públicas, História, Psicologia, Geografia Humana, Ciências da Administração,
Economia Política... Enfim, como “Alice no país das maravilhas”, precisamos
abrir-nos, pela via da ciência, para nos espantar, para ver e desvendar o mundo
que vivemos, internalizando a conclamação do epistemologo Gaston Bachelard: “O mundo é a minha provocação”!!! É
preciso aprender a nos deixar surpreender, sermos provocados pelo mundo social,
despertando do sono, sono fabricado neste mundo de liquidez e fluidez,
fetichizado pelas mercadorias, enebriado pelas cores, cheiros, formas da
exacerbação do consumo!...
É fato inconteste: ESTE MUNDO CONTEMPORÃNEO, EM SEU
VERTIGINOSO RITMO, EM SUAS ACELERADAS MUDANÇAS, INTERPELA PROVOCA A QUEM, POR
DEVER DE OFÍCIO, PRECISA DESVELAR, COMPREENDER A VIDA SOCIAL QUE SE MANIFESTA
NO COTIDIANO, NOS SEUS FATOS E EVENTOS...
De fato, quem
trabalha com o campo do social, em suas múltiplas dimensões, é interpelado a
desvendar a vida social, qual “Esfinge de
Édipo: decifra-me ou te devoro”!...
Nesta perspectiva,
temos, como pressuposto, que a relevância
das Ciências Sociais, no curso da História, decorre da sua capacidade de
interpelar e decifrar a vida social, atribuindo sentidos e significados ao
presente.
EM QUE IMPLICA ESTE DECIFRAR DA VIDA
SOCIAL? COMO O CIENTISTA SOCIAL PODE CHEGAR A ATRIBUIR SENTIDOS E SIGNIFICADOS
AO PRESENTE, NA SUA COMPLEXIDADE, QUE SE REVELA EM MÚLTIPLOS FENÔMENOS DO
COTIDIANO? O QUE SE FAZ NECESSÁRIO PARA ASSUMIR ESTE EMPREENDIMENTO REFLEXIVO
DE ENTENDER, DE EXPLICAR ESTE PANORAMA CONTEMPORÂNEO?
E três operações fundantes se impõe neste decifrar, neste desvendar
da vida social em tempos contemporâneos:
PROBLEMATIZAR / DELINEAR VIAS ANALÍTICAS MOVIMENTANDO TEORIAS / CONSTRUIR
CAMINHOS DEFININDO VIAS METODOLÓGICAS. Logo, decifrar a vida social em
curso, consubstanciada no Presente, significa problematizá-la, definindo vias
de estudo no processo de pensar o mundo ao movimentar teorias explicativas e
construindo caminhos metodológicos. E, assim,
nos colocamos no plano da investigação, nos percursos da análise... E,
avançamos, então, em nosso desenho da realidade, no sentido de nos apropriar do
concreto na reflexão, buscando fazer da vida social contemporânea um “concreto pensado”, como propõe Karl
Marx, em seu método de pesquisa.
Neste esforço reflexivo,
impõe-se como questão fundante: QUE
MUNDO SOCIAL EMERGE DAS PROFUNDAS TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS EM CURSO NAS
ÚLTIMAS DÉCADAS? QUAL A LÓGICA QUE MOVIMENTA ESTE MUNDO SOCIAL, GESTANDO ESSES
FENÔMENOS QUE MARCAM O NOSSO PRESENTE? COMO A VIDA SOCIAL É TECIDA NAS DOBRAS E
INTERSTÍCIOS DESSAS MUTAÇÕES, A ENCARNAREM NOVAS CONEXÕES DE TEMPO E ESPAÇO?
É esta uma questão
forte, fundante e meu esforço aqui é delinear uma aproximação analítica que propicie vias e trilhas na compreensão
deste mundo contemporâneo e sua lógica. Para tanto, vou trabalhar no tear
reflexivo, tecendo fios da crítica, movimentando aportes teóricos, nos limites
das minhas possibilidades como pesquisadora e no tempo que ainda disponho nesta
noite. E, com certeza, estas vias e trilhas, que aqui esboço, integram a agenda
das disciplinas e, assim, o processo de aproximações para tornar inteligível o
cenário contemporâneo faz-se permanente e está em movimento, a interpelar
professores e estudantes...
Senão vejamos!
III VIDA SOCIAL EM
TEMPOS CONTEMPORÂNEOS: UMA APROXIMAÇÃO ANALÍTICA
Nas últimas quatro décadas, mais
precisamente, no final do século XX e
início do século XXI, estamos a vivenciar um novo momento na civilização do
capital, marcado pela TECNOLOGIZAÇÃO DA
VIDA SOCIAL que se amplia e se intensifica a cada ano. De fato, como
decorrência da Revolução
Técnico-Científica, tem-se, em curso, um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes, sem limites e
sem controles, apartado das necessidades humanas e desconectado da ética da
sustentabilidade da vida e do cuidado neste planeta Terra. A revolução da
informática e da comunicação, combinada com a tendência do capitalismo para
ampliar a lei do valor, em processos ilimitados de mercantilização, transformam o modo de organização da vida
social. É a civilização capitalista
contemporânea, com novas formas de acumulação e valorização do capital. Hoje,
o sistema do capital mundializado, sob a égide das forças
cibernético-informacionais, é regido pela acumulação
rentista, nos termos marxianos D-D`,
ou seja, dinheiro gerando mais dinheiro. É inconteste o poderio do dinheiro em tempos contemporâneos, permeando a totalidade
das relações sociais. É o que bem sintetiza o pensador marxista César
Benjamim, em uma brilhante síntese da vida social:
Produz-se por dinheiro, especula-se por dinheiro, mata-se por dinheiro,
corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se
pensa em dinheiro. Cultua-se o dinheiro, o verdadeiro deus da nossa época – um
deus indiferente aos homens, inimigo da arte, da cultura, da solidariedade, da
ética, da vida do espírito, do amor. Um deus que se tornou imensamente
mediocrizante e destrutivo. E que é insaciável: a acumulação de riqueza
abstrata é, por definição, um processo sem limites (2004, p.2)
Em verdade, vivenciamos
uma nova temporalidade do capital, caracterizada
pela sua expansão ilimitada pela exacerbação da liquidez, da instabilidade e da
insegurança a explicitarem-se, com intensa e dramática visibilidade, no cenário
mundial, nos anos finais da primeira década do século XXI, na CRISE DO CAPITAL.
A
rigor, esta crise que marca o tempo presente, é grave e profunda, com raízes
fincadas nos novos padrões de acumulação e valorização do capital. Como avalia
o pensador marxista contemporâneo István Mészáros, é uma crise estrutural com
permanentes desdobramentos e deslocamentos que, por sua própria natureza,
obrigatoriamente, afeta a Humanidade como um todo (MÉSZÁROS, 2009; 2003).
Nenhum
país pode evocar imunidade à esta crise estrutural do capital, nem mesmo a
China, com seu superávit de trilhões de dólares que, neste capitalismo de
liquidez e risco, pode evaporar-se de um dia para outro, em meio a uma
turbulência (MÉSZÁROS, 2013). E, especificamente no Brasil, as expressões da
crise do capital ganham visibilidade em 2012/2013, evidenciando a instabilidade
e o risco dos arranjos do modelo brasileiro, nos circuitos híbridos do ajuste e
do neodesenvolvimentismo (CARVALHO; CASTRO, 2013). (Esta é uma instigante provocação para outra discussão...)
Em
verdade, o sistema do capital, no século XXI, confronta-se com uma crise civilizacional, expressando a
insustentabilidade do seu modo de funcionamento. É a própria insustentabilidade
do capitalismo contemporâneo, fundada na expansão predatória e sem limites do
capital, a manifestar-se numa articulação de crises: ambiental, climática, alimentar, energética, financeira, crise do mundo
do trabalho, crise social e uma profunda crise de sentidos. E, múltiplos
são os fenômenos indicadores desta crise civilizatória: uso intensivo e indiscriminado de recursos naturais, beirando ao
“débâcle”; a privatização exacerbada de bens comuns: a água, o ar, a biodiversidade;
a expulsão do próprio processo de trabalho de centenas de milhões de
trabalhadores/trabalhadoras que se tornam supérfluos ao modo de funcionamento
do capital; precarização estrutural do trabalho, precarizando o modo de vida de
homens e mulheres trabalhadoras, capturando a sua subjetividade; violências e
inseguranças sempre em aprofundamento; exclusões sociais e apartações;
consumismo ilimitado como modo de existência social; a lógica da
descartabilidade a perpassar a totalidade das relações sociais; o
individualismo e restrição de horizontes de vida... (Estamos a enfocar alguns
desses indicadores nesta nossa aproximação analítica).
Adentrando
nessa lógica expansionista, que comanda o “capitalismo
mundializado com dominância financeira”, em crise, impõe-se a exigência de
pensar o TRABALHO, nesta nova
temporalidade do capital.
No
século XXI tem-se, em curso, o que se denomina de PRECARIEDADE ESTRUTURAL DO TRABALHO, em estreita vinculação com a “tecnologização da ciência”. Hoje, sem
paralelos em toda a era moderna, acirra-se a contradição circunscrita por Marx,
nos Grundrisse em 1857-1858: a crescente
substituição do “trabalho vivo” de homens e mulheres pelo “trabalho morto”,
objetivado nas máquinas. O sistema do capital, ao apropriar-se das conquistas
do extremo desenvolvimento tecnológico, efetiva um revolucionamento da própria relação homem-máquina, homem-técnica,
constituindo o que Giovanni Alves nomeia de MAQUINOFATURA, fazendo emergir o “homo tecnologicus”, a encarnar a “ciberhominização”: No plano virtual, repõe-se, contraditoriamente,
a relação homem-técnica: a máquina como
instrumento e o homem como vigia da máquina... De fato, com a mediação da
ciência e da tecnologia, o sistema do capital vai prescindindo da presença
física e do próprio “saber” e do próprio “fazer” do trabalhador, com o
predomínio das chamadas “máquinas inteligentes”, nos circuitos
cibernético-informacionais, incorporadas a redes digitais. Gesta-se, assim, o
crescimento e a AMPLIAÇÃO DA
PRECARIEDADE LABORAL, materializada no desemprego
e nos múltiplos processos de precarização, a alastrar-se no conjunto da classe
trabalhadora, em seus distintos segmentos e diferentes categorias
profissionais.
É
preciso enfatizar que esta precarização laboral ampliada adentra os diferentes
domínios da vida, capturando a própria subjetividade dos homens e mulheres
trabalhadores(as), nesta nova ordem do capital. Assim, a precarização do trabalho que ocorre, hoje, no século XXI, sob o
capitalismo global, seria não apenas “precarização do trabalho”, no sentido da
força-de-trabalho como mercadoria, mas seria também a “precarização do
homem-que-trabalha”, no sentido de precarização existencial, perpassando a
relação trabalho-vida.
De
fato, no seio da maquinofatura, o capitalismo mantêm sob tensão o homem e a
mulher trabalhadores, em sua integralidade. Concretamente, homens trabalhadores
e mulheres trabalhadoras vivenciam a precarização laboral e a precarização da
própria existência, comprometendo a saúde, a perspectiva de vida e a inserção
na totalidade das relações sociais. O sofrimento no trabalho, sob múltiplas
formas, levam ao adoecimento físico e mental, com doenças características da
epidemiologia laboral.
E
avançando no desvendamento deste precário mundo do trabalho, no tempo presente,
neste século XXI, Giovanni Alves (2012;2013) circunscreve uma fecunda chave
analítica ao demarcar, como um fenômeno contemporâneo, a “universalização da condição de proletariedade”, como condição existencial de homens e
mulheres que vivem em tempos de maquinofatura e de precarização estrutural da
força-humana-que-trabalha. Assim, esta condição de proletariedade
expande-se na vida social contemporânea, atingindo diferentes segmentos das
classes trabalhadores, inclusive os que possuem níveis elevados de
escolarização. Logo, a segmentos da chamada classe média são também incluídos
nestes percursos de precarização de condições de trabalho e vida, sobremodo nos
circuitos da crise estrutural do capital, em seus permanentes deslocamentos...
Esta
universalização da condição de proletariedade, a estender-se no âmbito do
capitalismo contemporâneo, no século XXI, constitui um novo segmento da classe
trabalhadora que se impõe como um enigma do nosso tempo, a nos interpelar: O PRECARIADO.
E QUEM É ESTE PRECARIADO E COMO SE
CIRCUNSCREVE NO CENÁRIO CONTEMPORÃNEO NA CONDIÇÃO DE UMA CAMADA SOCIAL DE
CLASSE?
São milhões de trabalhadores jovens-adultos
com alta escolaridade, desempregados ou inseridos em contratos de trabalho
precários que transitam de uma ocupação a outra, quase sempre com baixos
salários, sem projetos de vida e perspectiva de futuro. É uma multidão de
jovens proletários assalariados, vinculados a camadas médias, com níveis
elevados de qualificação profissional, entrando e saindo de empregos precários,
a viver em situação de insegurança econômica e social, sem identidade
ocupacional, sem garantia de direitos e tomados pelo sentimento de ansiedade
perante o futuro. É uma camada da classe trabalhadora em construção, a
vivenciar a precarização do trabalho e da própria vida, precisamente nesta
articulação contemporânea entre faixa
geracional (jovens-adultos), grau
educacional (alta escolaridade) e forma de inserção no trabalho e no mundo
social (precarizada, instável e insegura)(ALVES, 2012; 2013). Logo,
vivenciam uma precarização laboral e
uma precarização existencial,
imersos na angústia, na depressão, na restrição de sentidos da vida.
Assim,
o precariado configura-se em grupos de juventudes frustradas, e revoltadas que
se disseminam mundo afora, sobremodo nos países capitalistas globais, nos
circuitos da crise, e, hoje, com visibilidade no Brasil, unificados pela
insegurança, pelo medo, risco e desencantamento e pela indignação a
expressar-se de forma crescente. Segundo Guy Standing, este precariado encarna
o perigo de uma “Bolha Educacional Global” (2013).
Este
exercício da crítica, aqui esboçado, tentando desvendar a civilização
contemporânea do capital, revela que vivemos
em mundo social dominado pela expansão do capital em detrimento das
necessidades humanas. A lógica é a
da acumulação, do lucro, sem limites, acirrando assimetrias e apartações,
desconsiderando qualquer possibilidade da vida plena, do bem-viver.
A
lógica de expansão do capital não tem limites e controles e, precisamente,
nesse momento contemporâneo do capitalismo, acentua e agrava a sua tendência destrutiva, não poupando nada, nem
ninguém, a minar as condições fundamentais de sobrevivência humana e a colocar
em risco o planeta Terra. Neste sentido, István Mészáros alerta para a
gravidade dos problemas atuais do capitalismo no contexto da crise estrutural
do capital, a afetar até a “dimensão mais fundamental do controle social
metabólico da humanidade, incluindo a natureza, de forma perigosa” (2013, p.6).
E, contrapondo-se à Schumpeter e sua tese da “destruição criativa”, afirma estar acontecendo no sistema do
capital, nesta nova temporalidade histórica, uma “produção destrutiva”. O sistema parece atingir o limite de suas
contradições!...
Este
atingir o limite das contradições bem se expressa no agravamento da Questão Social que se aproxima da barbárie... É o
mundo do trabalho imerso na precarização estrutural... É a questão urbana, a
explodir em tensões e confrontos em meio às assimetrias, tornando à vida nas
cidades insuportável, com extrema precarização de bens e serviços para a
crescente maioria da população que tenta se equilibrar no “fio da navalha” das
exclusões e inclusões precárias... Em verdade, tem-se a gestão das cidades para
o capital, segundo os ditames da especulação imobiliária, dos circuitos
financeirizados, dos interesses dos representantes do capital. E as cidades
passam a ser geridas em função de eventos (Vide Copa do mundo e Olimpíadas). E,
assim, hoje, para além da destituição de direitos, vivemos a desmontagem da
própria lógica dos direitos... A vida social parece tão impregnada da liquidez,
da descartabilidade, da privatização, da mercantilização que regem a
civilização do capital que não considera a lógica dos direitos como referência
fundante da democracia. E, assim, mergulhamos na desvalorização, na banalização
da vida, sobremodo dos que são descartáveis, são supérfluos para o capital.
E
neste cenário-limite vivencia-se a explosão
das violências, de toda ordem e toda espécie, e, então, desenvolve-se a
obsessão da segurança, em um mundo capitalista estruturalmente violento. A
pesquisadora Rejane Vasconcelos nos aponta uma preciosa via analítica quando,
em sua tese de doutorado, sustenta ser a
violência uma mercadoria na civilização do capital, sendo, portanto,
dimensão constitutiva do sistema produtor de mercadorias que, sem limites e sem
controles, tudo submete à expansão da lei do valor.
É
decisivo considerar que este momento contemporâneo do capitalismo, nos marcos
desta expansão ilimitada e destrutiva do capital, sustenta-se em uma MISTIFICAÇÃO IDEOLÓGICA que conduz ao extremo individualismo, ao consumismo com forma de existência, pretendendo
restringir a intervenção dos sujeitos à
vida privada, bloqueando e desqualificando alternativas de organização do
coletivo que questione e confronte com a lógica deste sistema. A rigor, a
própria lógica que preside o desenvolvimento capitalista, qual seja, a lógica da concorrência, do mercado, do
produtivismo impõe-se, cada vez mais, como ideologia dominante (HARVEY,
2011). É o predomínio de uma cultura do mercado, da produtividade, do
consumismo, da descartabilidade. E, mistificação ideológica impõe o “cardápio da felicidade”, onde a receita
é voltar-se para si e para os seus, na inesgotável ânsia de ter, de atender
desejos inesgotáveis do consumismo, de dotando-se das “mercadorias – insignas
do sucesso”: carros; apartamentos em condomínios sempre mais fechados; roupas
de griffes; perfumes; aparelhos de última geração...
E na
sua crítica a esta sociedade líquida e que nos liquefaz, Bauman alerta que a
felicidade não está na riqueza de poucos, que a felicidade não se mede pelo que
cada um acumula, mas, justamente, pela distribuição. É evidente que Bauman
confronta com a mistificação ideológica que sustenta esta sociedade, no limite
de suas contradições.
No
exercício da imaginação dialética é importante focar as RESISTÊNCIAS E LUTAS EMERGENTES NA CIVILIZAÇÃO DO CAPITAL que se
materializam em movimentos de diferentes perfis e formatos a nos interpelar. São novas formas do fazer política que
encarnam uma cultura política a atualizar o potencial emancipatório da luta por
afirmação de direitos. Nesta perspectiva a 2ª década do século XXI é
particularmente instigante com os movimentos que tomam ruas e praças em todo o
mundo. Cabe discutir as bases sociais destas rebeliões e o que tais movimentos
nos circuitos da História estão a colocar em xeque... (E aí temos uma temática
emergente em nossa agenda de debates!
Em
verdade, esses tempos contemporâneos em suas múltiplas dimensões evidenciam a
exigência do “fazer ciência”. E aqui encarnamos um princípio marxiano: se a
aparência e a essência coincidissem, toda ciência seria supérflua. De fato, é a
ciência que chega a essência, considerando as manifestações da aparência. E, de
imediato uma questão de fundo se impõe: DE
QUE CIÊNCIA ESTAMOS, AQUI, A FALAR? Múltiplas são as concepções no interior
do debate epistemológico!... Neste sistema do capital, pensando a ciência com a
perspectiva de desvendamento, decifração da realidade, estamos a pensar ciência
no âmbito do pensamento crítico a viabilizar a imaginação dialética...É Ciência
no âmbito da Práxis: uma ciência contextualizada, em uma dada realidade, a ser
compreendida e explicada, no sentido de contribuir para a sua transformação nos
circuitos da História! É o reconhecimento da natureza política da Ciência como
uma construção que se institui e se desenvolve na teia das relações sociais de
um dado espaço, em um tempo histórico específico. Assim comungamos com
Boaventura de Sousa Santos que a “Ciência é uma forma de conhecimento e uma
prática social que encarna compromissos com nítidas expressões
sócio-politicas-culturais (1987; 2004).
Nesta
direção, fazer ciência é um “dever de ofício” dos cientistas sociais que
integram diferentes áreas de estudo, distintos campos do saber... E fazer
Ciência coloca em pauta o exercício da
Pesquisa?
E eis que chegamos a uma outra questão-fundante: O QUE É PESQUISA? E novamente é preciso demarcar uma concepção de
Pesquisa, em meio a um emaranhado de entendimentos.
Valemo-nos
novamente de mestres que encarnam uma razão crítica...E, aqui penso nas
reflexões epistemológicas de Pierre Bourdieu e no exaustivo exercício da
Pesquisa de Karl Marx: 15 anos na Biblioteca de Londres investigando o sistema
do capital, refletindo sobre a Economia Clássica e construindo uma matriz
analítica na articulação conceitual. E inspirada nestes dois mestres, podemos
afirmar que a Pesquisa é um OFÍCIO
que se aprende, que se tenta ensinar, que exercitamos com disciplina, com
teorias e métodos, com criatividade e sensibilidade...
E
vocês aqui tem excelentes mestres e mestras que exercitam a pesquisa no
cotidiano... (Camila Holanda)
Particularmente
defendo como perspectiva político-epistemológica do fazer ciência o que
denomino de Racionalismo Aberto e Crítico: razão em movimento a partir das
provocações do mundo, exercendo a crítica, buscando compreender os fenômenos,
os fatos, os eventos interpeladores, em suas determinações e mediações no
exercício do pensar relacional. É um racionalismo a efetivar tessituras
permanentes entre teoria/realidade, abstrato/concreto, objetivando chegar ao
concreto pensado. Para tanto, encarnamos como princípios norteadores: a construção processual do conhecimento; a
perspectiva da incerteza e a busca incessante do conhecer; a lógica da
descoberta em detrimento da lógica de prova; a ótica da complexidade a exigir
transdisciplinaridade e articulação de saberes; a construção de interlocuções
entre diferentes vertentes analíticas.
E
este racionalismo aberto e crítico alimenta-se das provocações do mundo, a
despertar o apetite de conhecer sempre mais, mobilizando a fazer descobertas...
Interpela-nos a “ser pesquisador nas circunstâncias do nosso tempo histórico”:
tempo de incertezas e instabilidades no âmbito de inimaginável avanço
científico-tecnológico; tempo de profusão ilimitada de informações e imagens na
chamada “sociedade do espetáculo”; tempo de reflexões minimalistas e ausências
de pensamento crítico; tempo de vertigem de mudanças e crises que se
entrecruzam; tempos de renascimento da crítica na mais genuína matriz marxiana;
tempo de embates e lutas por uma radicalização da democracia; tempos em que
ecoam as vozes das ruas, impondo a questão da política das lutas libertárias
agenda do nosso tempo. Voltamos a falar e a pensar emancipação!
E
cabe refletir:
Para
onde apontam os ventos nos Circuitos da História?
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