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segunda-feira, 4 de junho de 2012

O que o TST entende sobre comum acordo para dissídio coletivo em caso de greve e a posição particular do Ministro Maurício Godinho Delgado



A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST, RO nº 47000-19.2007.5.04.0000, relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, julgado em 09/04/2012, publicado no DEJT em 20/04/2012, assim manifestou-se sobre a matéria:
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº45/2004. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A EC nº 45/2004, incorporando críticas a esse processo especial  coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro jurídico, apenas havendo -mútuo acordo - ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do Trabalho. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65. Recurso ordinário provido.

Inteiro Teor:
A C Ó R D Ã O
(SDC)
GMMGD/tp/mas/jr
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A EC nº 45/2004, incorporando críticas a esse processo especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro jurídico, apenas havendo -mútuo acordo- ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do Trabalho. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65. Recurso ordinário provido.
             Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-47000-19.2007.5.04.0000, em que é Recorrente SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DOS VALES DO RIO PARDO E TAQUARI e Recorridos FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - FECOSUL, FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - FECOMÉRCIO, SINDICATO DO COMÉRCIO ATACADISTA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO INTERMUNICIPAL DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS FUNERÁRIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE MATERIAL ÓPTICO, FOTOGRÁFICO E CINEMATOGRÁFICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE VEÍCULOS E DE PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEÍCULOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO ATACADISTA DE ÁLCOOL E DE BEBIDAS EM GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO INTERMUNICIPAL DOS CONCESSIONÁRIOS E DISTRIBUIDORES DE VEÍCULOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DE CANOAS, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE LAJEADO e SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE CACHOEIRA DO SUL.
             Trata-se de dissídio coletivo de revisão ajuizado pela Federação dos Trabalhadores no Comércio do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 4-69).
             O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região rejeitou todas as preliminares arguidas em contestação. No mérito, julgou parcialmente procedentes as reivindicações da categoria profissional, consoante o teor do acórdão de fls. 1371-1489.
             O Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios dos Vales do Rio Pardo e Taquari interpôs recurso ordinário, às fls. 1505-1545.
            Despacho de admissibilidade à fl. 1553.
            Contrarrazões às fls. 1567-1571
             O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls 1587-1588).
                     PROCESSO ELETRÔNICO.
                     É o relatório.
                     V O T O
                     I) CONHECIMENTO
            O recurso ordinário é tempestivo e estão preenchidos os demais pressupostos genéricos de admissibilidade do apelo.
                     CONHEÇO.
                     II) MÉRITO
            DISSÍDIO COLETIVO - COMUM ACORDO (ARTIGO 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA)
            A Corte a quo rejeitou a preliminar de ausência de mútuo consenso para o ajuizamento do dissídio coletivo.
            Inconformado, o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios dos Vales do Rio Pardo e Taquari interpôs recurso ordinário, renovando a citada preliminar, insistindo na tese de que, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, o mútuo consenso é requisito essencial e necessário à instauração da instância coletiva (fls. 1527-1528).
           Com razão.
            Quanto à necessidade do mútuo consenso para a instauração da representação coletiva, este Relator, em outra oportunidade, já se manifestou quanto à matéria lançada no feito.
           Eis os fundamentos do entendimento deste Relator:
            De fato, a Emenda Constitucional nº 45/2004 conferiu nova redação aos §§ 2º e 3º do art. 114 da Constituição Federal, verbis:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(...)
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito."
             Importante registrar que esta Seção Especializada em Dissídios Coletivos, em diversos julgamentos, se pronunciou no sentido de ser condição necessária o mútuo consenso ao ajuizamento do dissídio coletivo. Contudo, não obstante o merecido respeito e homenagens devidas à jurisprudência estabelecida pela Corte na sua composição anterior, dissinto desse entendimento, data venia.
            Com efeito, a singela expressão - de comum acordo - inserida no § 2º do artigo 114 da Constituição da República pela Emenda Constitucional nº 45/2004 não tem, evidentemente, o conteúdo normativo disruptivo e avassalador de revogar toda uma tradição jurídica instaurada no País há mais de sessenta anos e regulada pelo Capítulo IV do Título X da Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 856 a 875.
             A decisão eminentemente política de revogar a figura clássica do dissídio coletivo - decisão político-institucional de profundo impacto na ordem jurídica da República - é privativa do poder político da Nação, o Parlamento, tendo de ser assumida por ele em todos os seus termos e por sua alta responsabilidade política. Jamais pode ser resultado de interpretação do Judiciário, poder institucional cuja função precípua é dar efetividade à ordem jurídica e não acanhá-la, reduzi-la ou produzir-lhe supressão cirúrgica e drástica de complexos institutos sedimentados.
             Data venia, por interpretação jurídica é inviável produzir-se a revolução normativa pretendida pelos arguintes, quer o Sindicato-Suscitante, quer o douto Parquet. Tal revolução normativa seria papel do Poder Político da República brasileira, o Congresso Nacional, se fosse o caso.
             É bem verdade que a figura do Dissídio Coletivo tem sido bastante criticada por traduzir forte intervenção do Estado, via Judiciário, nas questões coletivas trabalhistas.
            Essas críticas ganharam corpo na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e continuaram presentes nas décadas posteriores. Tais críticas resultaram na indução constitucional de buscarem as partes coletivas, previamente ao ajuizamento do dissídio, a negociação coletiva, realizando tentativas reais de concertação. O dissídio coletivo, portanto, desde 1988, somente passou a ser ajuizado após a frustração da negociação coletiva, seja pelo esgotamento das tentativas conciliatórias, seja pela recusa de uma das partes ao procedimento negocial (§ 1º e início do § 2º do artigo 114 da Constituição, em seu texto original).
             Incorporando ainda mais tais críticas à Emenda Constitucional 45/2004, criou nova figura jurídica relacionada ao Dissídio Coletivo, o dissídio coletivo por arbitragem judicial, instituído na nova redação do § 2º do artigo 114 da Carta Política. Quer isso dizer que as partes negociais coletivas poderão, desde a data de vigência da Emenda Constitucional, dar efetividade à ideia de arbitragem instigada no texto original de 1988 (§ 1º do artigo 114), agora mediante a arbitragem judicial a ser realizada pelos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País e pelo Tribunal Superior do Trabalho, no âmbito de suas respectivas competências. Com isso a Constituição reformada reduziu a importância do dissídio coletivo clássico, criando inovadora alternativa arbitral judiciária, no intuito de instigar os seres coletivos trabalhistas quer à negociação coletiva, quer à arbitragem.
            Não há, contudo, na nova redação do artigo 114 e seus incisos e parágrafos da Constituição (EC-45/2004), comando expresso ou implícito de revogação do Capítulo IV do Título X da CLT; não há diretriz normativa expressa ou subliminar extirpando da ordem jurídica o dissídio coletivo clássico - embora este só possa ser utilizado, desde a EC 45/2004, em situações de inviabilidade da negociação coletiva e também da arbitragem judicial. Um degrau a mais foi criado na Constituição para se chegar ao dissídio coletivo clássico; porém não houve revogação da figura jurídica, que preserva plena adequação e compatibilidade com a ordem constitucional do País, considerados os incentivos à negociação coletiva, a novel figura da arbitragem judicial e, como última via de solução de conflitos coletivos, o dissídio coletivo clássico.
             A figura clássica do dissídio coletivo subjaz até mesmo no texto atual do § 2º do artigo 114 da Constituição, uma vez que o caminho da arbitragem judiciária, por mútuo acordo das partes, é mera faculdade (facultado diz o texto constitucional), sendo requisito estritamente da novel figura instituída. O dissídio clássico está enfatizado também no § 3º do mesmo artigo 114. De par com tudo, insere-se na competência ampla da Justiça do Trabalho, remetida, expressamente, pela Carta Magna, à norma infraconstitucional (de que é melhor exemplo a própria CLT). Nesta linha de recepção do Capítulo IV do Título X da CLT, acentua o texto enfático do artigo 114, IX, da Constituição de 1988: - Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar (...) outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei - (grifos acrescidos).
    Finalizando, não parece adequado se interpretar que a Constituição - o documento político e jurídico mais democrático já construído na história do País - queira instigar os trabalhadores à greve, querendo também acentuar o desequilíbrio entre capital e trabalho, pela desmesurada força que estaria conferindo ao silêncio ou recusa expressa empresarial à negociação coletiva ou arbitragem no plano das relações coletivas laborais. Os princípios constitucionais da proporcionalidade (este atenuando as diversas formas de exercício do poder) e da razoabilidade (este tornando equânimes as diretrizes fixadas pela ordem jurídica, consideradas as peculiaridades sociais), ambos princípios com decisivo assento na Carta Magna, também não autorizam, data venia, outra interpretação para os preceitos constitucionais enfocados e o conjunto normativo da Constituição da República.
            Em consequência, frustrada a negociação coletiva trabalhista, e não realizada a arbitragem privada, e não escolhendo as partes coletivas trabalhistas em consenso mútuo ajuizar o dissídio coletivo para arbitragem judicial, surge a possibilidade jurídica de instauração pela parte coletiva que teve frustrada a busca da negociação e da arbitragem a pertinente figura do dissídio coletivo clássico, a se reger pelas regras do Capítulo IV do Título X da CLT, compatibilizadas com as diretrizes dos § § 2º e 3º do artigo 114 da Constituição da República.
           No entanto, a jurisprudência desta Seção Especializada em Dissídios Coletivos abraçou o entendimento de que a redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, embora não tenha extirpado o poder normativo definitivamente da Justiça do Trabalho, fixou a necessidade do mútuo consenso das partes, ao menos tácito, como pressuposto intransponível para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica.
           O fundamento da jurisprudência hoje dominante, reconheça-se, é razoável.
          É que a Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, incorporou sedimentadas críticas a esse processo especial coletivo, por meio do qual o Poder Judiciário cria inúmeras normas jurídicas trabalhistas. Tamanho poder criador de normas traduziria excesso de intervenção estatal no plano do Direito Coletivo do Trabalho, o que seria inadequado a um Estado Democrático de Direito criado em 1988 pela Constituição da República.
          Passados 16 anos do advento da Constituição, já adaptada a sociedade e os sindicatos às suas normas, entendeu a EC nº 45/2004 ser pertinente restringir-se esse veículo processual singular, remetendo o poder criativo de normas essencialmente à negociação coletiva.
         Nesse novo quadro constitucional, apenas havendo mútuo acordo entre os seres coletivos trabalhistas ou nos casos de greve, é que se tornou viável a tramitação do dissídio coletivo de natureza econômica na Justiça do Trabalho.
         Na hipótese dos autos, o recorrente arguiu, em contestação (fl. 211), a preliminar de ausência do mútuo consenso para o ajuizamento do dissídio coletivo, em conformidade com a jurisprudência majoritária desta Corte.
         Assim, não atendido nestes autos o referido pressuposto processual intransponível - existência de comum acordo -, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário para extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65.
                     ISTO POSTO
           ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, para extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65. Custas, pela Federação dos Trabalhadores, em reversão.
                     Brasília, 09 de abril de 2012.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Mauricio Godinho Delgado
Ministro Relator



fls. PROCESSO Nº TST-RO-47000-19.2007.5.04.0000

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