A Seção Especializada em
Dissídios Coletivos (SDC) do TST, RO nº 47000-19.2007.5.04.0000, relator Ministro Mauricio Godinho Delgado,
julgado em 09/04/2012, publicado
no DEJT em 20/04/2012, assim manifestou-se
sobre a matéria:
DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO
114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº45/2004. A
Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho
firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da
Constituição Federal estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de
natureza econômica. A EC nº 45/2004, incorporando críticas a esse processo
especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria
própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado
Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os
sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e
regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual
restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro
jurídico, apenas havendo -mútuo acordo - ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do
Trabalho. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do
art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65. Recurso ordinário provido.
Inteiro Teor:
A C Ó R D Ã O
(SDC)
GMMGD/tp/mas/jr
DISSÍDIO COLETIVO DE
NATUREZA ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO
114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº
45/2004. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior
do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do
artigo 114 da Constituição Federal estabeleceu o pressuposto processual
intransponível do mútuo consenso das partes para o ajuizamento do dissídio
coletivo de natureza econômica. A EC nº 45/2004, incorporando críticas a esse
processo especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em
matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado
Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os
sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e
regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual
restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro
jurídico, apenas havendo -mútuo acordo- ou em casos de greve, é que o dissídio
de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do Trabalho. Ressalvadas,
contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art. 6º, § 3º, da Lei
4725/65. Recurso ordinário provido.
Vistos, relatados e discutidos
estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-47000-19.2007.5.04.0000, em que é
Recorrente SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DOS VALES DO
RIO PARDO E TAQUARI e Recorridos FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - FECOSUL, FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E SERVIÇOS
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - FECOMÉRCIO, SINDICATO DO COMÉRCIO ATACADISTA
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO INTERMUNICIPAL DO COMÉRCIO VAREJISTA
DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS
DE SERVIÇOS FUNERÁRIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO
VAREJISTA DE MATERIAL ÓPTICO, FOTOGRÁFICO E CINEMATOGRÁFICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE VEÍCULOS E DE
PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEÍCULOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, SINDICATO DO
COMÉRCIO ATACADISTA DE ÁLCOOL E DE BEBIDAS EM GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL, SINDICATO INTERMUNICIPAL DOS CONCESSIONÁRIOS E DISTRIBUIDORES DE VEÍCULOS
NO ESTADO DO RIO GRANDE DO, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE GÊNEROS
ALIMENTÍCIOS DE CANOAS, SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE LAJEADO e SINDICATO
DO COMÉRCIO VAREJISTA DE CACHOEIRA DO SUL.
Trata-se de dissídio coletivo de revisão ajuizado pela Federação dos Trabalhadores
no Comércio do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 4-69).
O Tribunal Regional do Trabalho da
4ª Região rejeitou todas as preliminares arguidas em contestação. No mérito,
julgou parcialmente procedentes as reivindicações da categoria profissional,
consoante o teor do acórdão de fls. 1371-1489.
O Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios dos Vales do Rio
Pardo e Taquari interpôs recurso ordinário, às fls. 1505-1545.
Despacho de
admissibilidade à fl. 1553.
Contrarrazões às fls.
1567-1571
O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e
desprovimento do apelo (fls 1587-1588).
PROCESSO
ELETRÔNICO.
É o
relatório.
V O T O
I)
CONHECIMENTO
O recurso ordinário é
tempestivo e estão preenchidos os demais pressupostos genéricos de
admissibilidade do apelo.
CONHEÇO.
II) MÉRITO
DISSÍDIO COLETIVO - COMUM ACORDO (ARTIGO 114,
§ 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA)
A Corte a quo rejeitou a preliminar de
ausência de mútuo consenso para o ajuizamento do dissídio coletivo.
Inconformado, o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros
Alimentícios dos Vales do Rio Pardo e Taquari interpôs recurso ordinário,
renovando a citada preliminar, insistindo na tese de que, após a promulgação da
Emenda Constitucional nº 45, o mútuo consenso é requisito essencial e
necessário à instauração da instância coletiva (fls. 1527-1528).
Com razão.
Quanto à necessidade do mútuo
consenso para a instauração da representação coletiva, este Relator, em outra
oportunidade, já se manifestou quanto à matéria lançada no feito.
Eis os fundamentos do
entendimento deste Relator:
De fato, a Emenda Constitucional nº
45/2004 conferiu nova redação aos §§ 2º e 3º do art. 114 da Constituição
Federal, verbis:
Art. 114. Compete à
Justiça do Trabalho processar e julgar:
(...)
§ 2º
Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é
facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza
econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as
disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente.
§ 3º Em caso
de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse
público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo,
competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito."
Importante registrar que esta Seção
Especializada em Dissídios Coletivos, em diversos julgamentos, se pronunciou no
sentido de ser condição necessária o
mútuo consenso ao ajuizamento do dissídio coletivo. Contudo, não obstante o
merecido respeito e homenagens devidas à jurisprudência estabelecida pela Corte
na sua composição anterior, dissinto
desse entendimento, data venia.
Com efeito, a singela expressão - de
comum acordo - inserida no § 2º do
artigo 114 da Constituição da República pela Emenda Constitucional nº
45/2004 não tem, evidentemente, o
conteúdo normativo disruptivo e avassalador de revogar toda uma tradição
jurídica instaurada no País há mais de sessenta anos e regulada pelo Capítulo
IV do Título X da Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 856 a 875.
A decisão eminentemente política de
revogar a figura clássica do dissídio coletivo - decisão político-institucional
de profundo impacto na ordem jurídica da República - é privativa do poder
político da Nação, o Parlamento, tendo de ser assumida por ele em todos os seus
termos e por sua alta responsabilidade política. Jamais pode ser resultado de
interpretação do Judiciário, poder institucional cuja função precípua é dar
efetividade à ordem jurídica e não acanhá-la, reduzi-la ou produzir-lhe
supressão cirúrgica e drástica de complexos institutos sedimentados.
Data
venia, por interpretação jurídica é inviável produzir-se a revolução
normativa pretendida pelos arguintes, quer o Sindicato-Suscitante, quer o douto
Parquet. Tal revolução normativa
seria papel do Poder Político da República brasileira, o Congresso Nacional, se
fosse o caso.
É bem verdade que a figura do Dissídio
Coletivo tem sido bastante criticada por traduzir forte intervenção do Estado,
via Judiciário, nas questões coletivas trabalhistas.
Essas críticas ganharam corpo na
Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e continuaram presentes nas décadas
posteriores. Tais críticas resultaram na indução constitucional de buscarem as
partes coletivas, previamente ao ajuizamento do dissídio, a negociação
coletiva, realizando tentativas reais de concertação. O dissídio coletivo, portanto, desde 1988, somente passou a ser ajuizado
após a frustração da negociação coletiva, seja pelo esgotamento das tentativas
conciliatórias, seja pela recusa de uma das partes ao procedimento negocial (§
1º e início do § 2º do artigo 114 da Constituição, em seu texto original).
Incorporando ainda mais tais críticas
à Emenda Constitucional 45/2004, criou
nova figura jurídica relacionada ao Dissídio
Coletivo, o dissídio coletivo por
arbitragem judicial, instituído na nova redação do § 2º do artigo 114
da Carta Política. Quer isso dizer que as partes negociais coletivas poderão,
desde a data de vigência da Emenda Constitucional, dar efetividade à ideia de arbitragem instigada no texto original de
1988 (§ 1º do artigo 114), agora mediante a arbitragem judicial a ser realizada
pelos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País e pelo Tribunal Superior do
Trabalho, no âmbito de suas respectivas competências. Com isso a
Constituição reformada reduziu a importância do dissídio coletivo clássico, criando inovadora alternativa arbitral
judiciária, no intuito de instigar os seres coletivos trabalhistas quer à
negociação coletiva, quer à arbitragem.
Não
há, contudo, na nova redação do artigo 114 e seus incisos e parágrafos da
Constituição (EC-45/2004), comando expresso ou implícito de revogação do
Capítulo IV do Título X da CLT; não há diretriz normativa expressa ou
subliminar extirpando da ordem jurídica o dissídio coletivo clássico - embora este só possa ser utilizado, desde a EC 45/2004, em situações de inviabilidade da negociação
coletiva e também da arbitragem judicial. Um degrau a mais foi criado na
Constituição para se chegar ao dissídio coletivo clássico; porém não houve revogação da figura jurídica, que
preserva plena adequação e compatibilidade com a ordem constitucional do País,
considerados os incentivos à negociação coletiva, a novel figura da arbitragem
judicial e, como última via de solução de conflitos coletivos, o dissídio
coletivo clássico.
A figura clássica do dissídio coletivo
subjaz até mesmo no texto atual do § 2º do artigo 114 da Constituição, uma vez
que o caminho da arbitragem judiciária,
por mútuo acordo das partes, é mera faculdade (facultado diz o texto
constitucional), sendo requisito estritamente da novel figura instituída. O dissídio clássico está enfatizado também
no § 3º do mesmo artigo 114. De par com tudo, insere-se na competência
ampla da Justiça do Trabalho, remetida, expressamente, pela Carta Magna, à
norma infraconstitucional (de que é melhor exemplo a própria CLT). Nesta linha
de recepção do Capítulo IV do Título X da CLT, acentua o texto enfático do
artigo 114, IX, da Constituição de 1988: - Compete
à Justiça do Trabalho processar e julgar (...) outras controvérsias decorrentes
da relação de trabalho, na forma da lei - (grifos acrescidos).
Finalizando, não parece adequado se interpretar que a
Constituição - o documento político e jurídico mais democrático já
construído na história do País - queira
instigar os trabalhadores à greve, querendo também acentuar o desequilíbrio
entre capital e trabalho, pela desmesurada força que estaria conferindo ao
silêncio ou recusa expressa empresarial à negociação coletiva ou arbitragem no
plano das relações coletivas laborais. Os princípios constitucionais da proporcionalidade (este atenuando as
diversas formas de exercício do poder) e da razoabilidade (este tornando equânimes as diretrizes fixadas pela
ordem jurídica, consideradas as peculiaridades sociais), ambos princípios com
decisivo assento na Carta Magna, também não autorizam, data venia, outra interpretação para os preceitos constitucionais
enfocados e o conjunto normativo da Constituição da República.
Em
consequência, frustrada a negociação coletiva trabalhista, e não realizada a
arbitragem privada, e não escolhendo as partes coletivas trabalhistas em
consenso mútuo ajuizar o dissídio coletivo para arbitragem judicial, surge a
possibilidade jurídica de instauração pela parte coletiva que teve frustrada a
busca da negociação e da arbitragem a pertinente figura do dissídio coletivo
clássico, a se reger pelas regras do Capítulo IV do Título X da CLT, compatibilizadas
com as diretrizes dos § § 2º e 3º do artigo 114 da Constituição da República.
No entanto, a jurisprudência desta
Seção Especializada em Dissídios Coletivos abraçou o entendimento de que a
redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, embora não tenha
extirpado o poder normativo definitivamente da Justiça do Trabalho, fixou a
necessidade do mútuo consenso das partes, ao menos tácito, como pressuposto
intransponível para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica.
O fundamento da jurisprudência hoje
dominante, reconheça-se, é razoável.
É que a Emenda Constitucional nº 45,
de dezembro de 2004, incorporou sedimentadas críticas a esse processo especial
coletivo, por meio do qual o Poder Judiciário cria inúmeras normas jurídicas
trabalhistas. Tamanho poder criador de normas traduziria excesso de intervenção
estatal no plano do Direito Coletivo do Trabalho, o que seria inadequado a um
Estado Democrático de Direito criado em 1988 pela Constituição da República.
Passados 16 anos do advento da
Constituição, já adaptada a sociedade e os sindicatos às suas normas, entendeu
a EC nº 45/2004 ser pertinente restringir-se esse veículo processual singular,
remetendo o poder criativo de normas essencialmente à negociação coletiva.
Nesse
novo quadro constitucional, apenas havendo mútuo acordo entre os seres
coletivos trabalhistas ou nos casos de greve, é que se tornou viável a tramitação
do dissídio coletivo de natureza econômica na Justiça do Trabalho.
Na hipótese dos autos, o recorrente
arguiu, em contestação (fl. 211), a preliminar de ausência do mútuo consenso
para o ajuizamento do dissídio coletivo, em conformidade com a jurisprudência
majoritária desta Corte.
Assim,
não atendido nestes autos o referido pressuposto processual intransponível -
existência de comum acordo -, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário para
extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267,
IV, do CPC. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor
do art. 6º, § 3º, da Lei 4725/65.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção
Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por
unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, para
extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do
CPC. Ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, a teor do art.
6º, § 3º, da Lei 4725/65. Custas, pela Federação dos Trabalhadores, em
reversão.
Brasília, 09
de abril de 2012.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Mauricio
Godinho Delgado
Ministro
Relator
fls. PROCESSO Nº TST-RO-47000-19.2007.5.04.0000
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