Dados do
Ministério do Trabalho mostram que 8,5 mil dirigentes estão há mais de dez anos
à frente de organizações
por Henrique
Gomes Batista / Ruben Berta - 20/07/2015
6:00 / Atualizado 20/07/2015
Em 1990,
Collor substituiu Sarney como presidente, trocando o Cruzado Novo pelo Cruzeiro
e fazendo o confisco da poupança. A música mais tocada era “Evidências”, de
Chitãozinho & Xororó, enquanto “Tieta” e “Rainha da Sucata" brilhavam
na TV. No esporte: o Brasil sequer era tetracampeão do mundo e Neymar ainda nem
tinha nascido. Em 1990, Alfredo Sampaio assumia a presidência do Sindicato dos
Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Saferj). Onde está até hoje.
Mais que um
caso isolado, a situação de Alfredo é um dos retratos dos problemas que assolam
o sindicalismo no país, tema da série de reportagens que O GLOBO inicia hoje,
mostrando que as entidades criadas para a defesa de interesses coletivos dos
trabalhadores muitas vezes têm sido usadas para objetivos particulares.
Representantes
de quem?
Dados do
Ministério do Trabalho apontam que havia, em 2014, ao menos 8.518
sindicalistas, incluindo cargos de presidente e diretores em geral, com mais de
dez anos de mandato — no Poder Executivo só podem ficar oito anos no cargo. O
número pode ser maior, pois falta transparência e uma série de entidades não fornece
seus dados. Mais de 25 anos após a Constituição ter avançado para garantir a
liberdade sindical, fundamental para lutas e conquistas dos trabalhadores,
lacunas como a falta de transparência, fiscalização frouxa e a pouca
representatividade deixam um caminho aberto para os abusos. Algumas centrais
sindicais já reconhecem que é necessário pensar em novas normas. O próprio
Supremo Tribunal Federal (STF) indica que as entidades não tem salvo-conduto e
precisam ser fiscalizadas.
O sindicato
dos atletas esbarra em outros problemas: falta de representatividade (Alfredo
Sampaio é técnico e não atleta); nepotismo (seu filho é o diretor da academia
da Saferj), e conflito de interesses (ele tem uma empresa de marketing
esportivo).
Há casos
também de enriquecimento ilícito e desvios de sindicatos, que muitas vezes são
verdadeiras máquinas de ganhar dinheiro. Isso num universo de 10.620 entidades
por onde, no ano passado, circularam R$ 3,18 bilhões apenas de Contribuição
Sindical — o chamado Imposto Sindical — obtida com um dia de salário de todos
os trabalhadores com carteira assinada.
Dirigente
com um pé em Niterói e outro em Dubai
por Ruben
Berta
Eram pouco
mais de 17h da segunda-feira, dia 6 de julho, quando tocou o telefone na
redação do GLOBO. Do outro lado da linha, estava a presidente do Sindicato dos
Empregados no Comércio de Niterói, Rita de Cácia Rodrigues Almeida. Horas
antes, ela tinha sido procurada pela equipe de reportagem na sede da entidade,
onde não era vista há quase duas semanas. No telefone, sua voz às vezes
falhava, era ouvida muito baixa, como se estivesse ligando de um lugar bem
distante. E estava.
— Alô, estou
em Dubai com meu marido. Soube que você quer uma entrevista comigo, é isso? Vai
passar ao vivo na televisão? Quero que seja ao vivo. Chego amanhã (terça) no
Galeão então, voo previsto para 14h30m, para dar essa entrevista! — disse Rita.
A luxuosa
cidade dos Emirados Árabes é a mesma onde a representante da categoria dos
comerciários de Niterói e adjacências estava quando, em setembro do ano
passado, foi o principal alvo de uma operação da Polícia Civil denominada
Sindicato do Crime. A suspeita contra ela é de desvio de recursos de uma taxa
paga por lojistas para a liberação do trabalho de seus funcionários durante os
feriados. As investigações resultaram num processo criminal, que corre em
segredo de justiça, cuja principal acusação é de apropriação indébita. Enquanto
isso, Rita segue firme como presidente da entidade. Eleita em 2008, ela tem um
mandato de nada menos do que 12 anos. Ou seja, se nada mudar, ficará, no
mínimo, até 2020. E seguirá na ponte aérea Niterói-Dubai.
— “Sindicato
do Crime” e eu estou solta... Achei isso o maior barato, uma história hilárica
(sic)! Sabe o que é uma história hilárica (sic)? É essa. Eu vim aqui compor mais
um pouquinho com a história hilárica (sic). Se você viesse com a polícia,
algemas e provas para me entrevistar, você seria um bom repórter. Mas indagar?
Pelo amor de Deus, eu pagaria a sua passagem para ir a Dubai, para me indagar
no meu palácio! Não aqui no aeroporto! — bradou Rita no meio da entrevista que
durou dez minutos e chamou a atenção até dos seguranças que estavam no saguão
do Terminal 2 do Galeão.
Antes de o
avião da Emirates Airlines pousar em solo carioca, três advogados já a
esperavam no aeroporto para acompanhar a entrevista. E mais: ela ainda
contratou um serviço de filmagem para registrar tudo.
— Você pode
fazer a imagem que você quiser porque eu sou púbrica (sic). Como nós estamos
fazendo de vocês (repórter e fotógrafa). Do mesmo jeito que vocês estão
arquivando, a gente vai arquivar tudo também — garantiu ela.
SALÁRIO DE
R$ 50 MIL
Apesar de o
processo contra Rita de Cácia estar atualmente em segredo de justiça, o GLOBO
teve acesso a uma cópia do inquérito que deu sustentação à Operação Sindicato
do Crime. Além de levantar operações de compra e venda de imóveis que nos
últimos anos atingiram valores de até R$ 5 milhões, os agentes também ouviram,
em depoimento da própria sindicalista no início do ano passado, a afirmação de
que recebia um salário de cerca de R$ 50 mil para presidir a entidade, “não
podendo precisar porque houve um reajuste recente”. O assunto, obviamente, foi
um dos temas da entrevista no Galeão.
— Eu não
trabalho de graça. Assim como você falou que estava fazendo seu trabalho aqui,
que ganha seu salário... — afirmou Rita.
Quando o
repórter comentou que ganhava bem menos do que R$ 50 mil, ela não titubeou em
mais uma resposta:
— Mas aí é
um problema teu se você não soube fazer o seu trabalho. Se você não batalhou
pra ganhar mais! Se você batalhou pra ser um indagador! Eu batalhei pra ser
dirigente sindical! Mas a minha família não leva salário alto! Eu sou dirigente
sindical. Agora você indaga lá se tem parente meu levando salário alto!
Um assunto
leva a outro e traz exatamente o gancho para a próxima pergunta. Também nos
autos do inquérito policial, consta que um dos filhos de Rita, Chriszanto
Gonzales, praticante de MMA, recebe R$ 21 mil por mês para ser vice-presidente
do sindicato. Fora os R$ 6 mil para ser diretor da Federação dos Empregados no
Comércio dos Estados do Rio e do Espírito Santo. A sindicalista se irrita ainda
mais.
— Olha só,
se você repetir mais uma vez o nome do meu filho, aí nós vamos sair daqui para
a polícia. Você veio investigar a Rita, veio pegar entrevista com a Rita. E
você não é polícia. Você quer investigar meu filho, vai lá pegar uma entrevista
com ele! Agora, não com a Rita de Almeida. Mas ele é vice-presidente... — disse
ela, que foi rapidamente interrompida por um de seus advogados.
Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/dirigentes-sindicais-se-eternizam-no-poder-16841357#ixzz4E2bjBTMi
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