Ouvi, não
há muitos dias, de um ilustre advogado e jornalista que somente no Brasil
existe Justiça do Trabalho. Como contestasse eu a assertiva, ante a minha
negativa da sua veracidade, o autor da asserção e mais dois colegas que
participavam da conversa ficaram surpreendidos e fizeram-me prometer que
escreveria um artigo para desfazer aquela idéia, tão equivocada quanto
difundida. É esta promessa que ora cumpro.
Começarei
pelos países da Comunidade Econômica Européia, que possuem jurisdição do
trabalho especial e autônoma em face da jurisdição comum. São eles a Alemanha,
a Bélgica, a Dinamarca, a Espanha e a Grã-Bretanha.
Na
Alemanha a jurisdição é composta de tribunais do trabalho, na base, tribunais
regionais do trabalho para apelação, em cada Lander (região) e tribunal federal
do trabalho, sediado em Kassel, na cúpula. Para a matéria constitucional existe
a Corte Federal da Constituição, com sede em Karlsruhe. Além dos juizes togados
compõem os tribunais do trabalho os "juizes benévolos"(que nós aqui
denominamos classistas), representantes dos empregados e dos empregadores,
designados por um período de quatro anos pela autoridade máxima do trabalho do
Lander respectivo, dentre os nomes constantes de listas enviadas pelas
associações representativas das duas classes, obedecida rigorosamente a ordem
dos nomes na lista. A competência dos tribunais de trabalho é, em todas as
instâncias, para julgar principalmente os dissídios individuais de trabalho,
entre empregadores e empregados, mas também os litígios entre patrão e comitê
de empresa ou entre parceiros sociais. Segundo WOLFGANG DAUBLER, na prática
sucede que os artigos da lei sobre tribunais de trabalho referentes à
competência "abarquem quase todo o campo do direito do trabalho".
Os
"juizes benévolos" não percebem remuneração, mas uma indenização
quando funcionam mais de seis vezes em trinta dias, além do reembolso das
despesas de transporte e uma pequena ajuda de custo para cobrir As despesas
correntes.
O tribunal
do trabalho da Bélgica, órgão do poder judiciário que constitui a primeira
instância, se compõe de juizes profissionais e de "juizes sociais".
Os tribunais do trabalho são compostos de câmaras, cada qual presidida por um
juiz profissional (togado, dizemos aqui) e dois juizes sociais, um representante
dos empregadores e outro dos empregados, nomeados pelo Rei. A Corte do trabalho
se compõe de magistrados de carreira e de conselheiros sociais, representantes
dos trabalhadores e dos empregadores, mas dentre os nomes indicados em duas
listas, uma dos corpos políticos (conselhos provinciais ou Senado) e outra
pelos próprios corpos de justiça (assembléias gerais da corte de apelação). O
tribunal do trabalho conhece, em primeira instância, de todos os dissídios de
trabalho surgidos por ocasião do trabalho em matéria de direito do trabalho ou
de direito da seguridade social, qualquer que seja o montante das somas do
litígio. Os juizes sociais recebem "jetons" por sua presença.
A
Dinamarca possui jurisdição especial do trabalho. A Corte do trabalho
dinamarquesa é constituída de juizes: um presidente, ultimamente, juiz da Corte
Suprema, e seis juizes ocasionais, peritos na matéria, designados pelas
organizações sindicais (Confederação dos Empregadores e Confederação dos
Sindicatos). As questões de trabalho são decididas originariamente pelas
jurisdições ordinárias. A instância única é a Corte do Trabalho, de cuja
decisão nenhum recurso cabe. Os juizes ocasionais são remunerados.
Na Espanha
a jurisdição do trabalho é uma jurisdição especializada desde 1940 e integra o
poder judiciário, sendo independente, de modo que nem o poder legislativo nem o
executivo pode interferir em seus poderes. Depende ela do Conselho Geral do
Poder Judiciário. O órgão de primeira instância é o juiz (ou tribunal) do
trabalho( "juizado social"). Compõe-se de um único juiz,
profissional, pois na justiça do trabalho da Espanha não há juiz classista em
qualquer dos seus níveis. Juiz do trabalho conhece em primeira e única
instância dos processos relativos ao direito do trabalho, tanto no que concerne
aos conflitos individuais como aos conflitos coletivos jurídicos ou das
reclamações em matéria de seguridade social, ou, ainda, contra o Estado se a
legislação do trabalho lhe atribuir essa competência.. O tribunal supremo, com
sede em Madri, conhece dos recursos de cassação, revisão ou qualquer outro
recurso extraordinário previsto pela lei, em matéria de direito do trabalho e
das questões de competência entre jurisdições que não tenham outro superior
hierárquico comum. A competência recursal é da 4ª câmara, do mesmo tribunal
supremo especializado em direito do trabalho.
A
Grã-Bretanha possui desde 1964 um sistema de jurisdição do trabalho denominadas
tribunais industriais, ou tribunais do trabalho, independentes dos outros
tribunais. São essas jurisdições compostas de um presidente, juiz profissional,
e ainda de um representante dos empregados e um representante dos empregadores,
designados dentre os nomes constantes de listas, pelo Secretariado de Estado
para o emprego. Na maior parte dos casos os tribunais de trabalho são o
primeiro grau de jurisdição para dirimir os dissídios entre empregadores e
empregados, e, em certas hipóteses, entre o sindicato e o empregado. Na sua
maior parte as apelações das sentenças proferidas pelos tribunais de trabalho
são interpostas para o Employment Appeal Tribunal( tribunal de apelação do
trabalho). Os juizes classistas percebem 87 libras esterlinas por dia. A High
Court, que julga os recursos das recomendações ou decisões da Labour Court, é
formada exclusivamente por juizes profissionais.
Transportando-nos
do âmbito da CEE para o do Mercosul verificaremos que, aí, além do Brasil,
possuem Justiça do trabalho autônoma como a dele, os seus parceiros: Argentina
e Paraguai.
Na
Argentina, a denominação dada, por lei, a todas as instâncias judiciais do
trabalho em conjunto é a de justiça do trabalho. A esta competem "as
causas contenciosas ou conflitos individuais de direito, quaisquer que forem as
partes – inclusive a Nação, suas repartições autárquicas, a municipalidade da
Cidade de Buenos Aires e qualquer ente público – por demandas ou reconvenções
fundadas no contrato de trabalho, convenções coletivas de trabalho, laudos com
eficácia de convenções coletivas ou disposições legais ou regulamentares de
direito do trabalho, e as causas entre trabalhadores e empregadores relativas a
um contrato de trabalho, embora se fundem em disposições do direito comum
aplicáveis àquele. A competência também compreenderá as causas que persigam só
a declaração de direito..." A justiça do trabalho é constituída por
tribunais locais (provinciais), exceto os da capital federal, que são nacionais
integrados, entre outros, pela Câmara Nacional de Apelações do trabalho da
Capital federal e juizes nacionais de primeira instância do trabalho da mesma
Capital, onde a justiça do trabalho se compõe, portanto, de duas instâncias. A
Corte Suprema de Justiça nacional decida das causas trabalhistas em matéria de
constitucionalidade. Os tribunais de trabalho, como escreveu ERNESTO
KROTOSCHIN, "órgãos que integram o poder judiciário, são
independentes". Os tribunais de trabalho argentinos são compostos
exclusivamente de juizes togados.
O Código
Processual do Trabalho (Lei n. 742 de 1961) institui a justiça do trabalho, que
será exercida pelos Juizados e Tribunais, integrantes do poder judiciário, e
pela junta permanente de conciliação e arbitragem, que faz parte da
administração do trabalho. A organização judiciária do trabalho é constituída
exclusivamente de juizes especiais togados, e integrada por juizes de primeira
instância, por tribunais de apelação e pela Corte Suprema de Justiça. Quanto à
sua instituição e hierarquia a justiça do trabalho tem a mesma posição dos
outros ramos especializados da justiça (art. 11). Os tribunais de apelação do
trabalho atuam em Segunda instância e se compõem de três magistrados. Quando
forem mais de um serão divididos em turmas. Compete à justiça do trabalho
decidir em única instância, quando o valor do seu objeto não exceda o salário
mínimo, ou em Segunda instância nos demais casos, as questões de caráter
contencioso suscitadas pelo Código do trabalho ou pelo contrato individual de
trabalho, as controvérsias entre os sujeitos pactuantes ou aderentes de um
contrato coletivo de conciliações de trabalho sobre a existência, interpretação
ou cumprimento deste, os litígios sobre reconhecimento sindical, todo conflito
entre um sindicato e seus filiados derivados do cumprimento dos estatutos
sociais ou do contrato coletivo de condições de trabalho e as controvérsias
entre trabalhadores motivadas pelo contrato de equipe. A Corte Suprema de
Justiça conhecerá dos recursos de apelação contra as resoluções originárias dos
tribunais de apelação do trabalho.
Um país em
vias de incorporação ao Mercosul e dos que mais têm se ajustado, em sua legislação,
aos princípios do neoliberalismo, o Chile, manteve, no seu Código do trabalho,
a "jurisdicción laboral". Nas comunas ou grupos de comunas em que
determine a lei existam "Juzgados de Letras del Trabajo", tribunais
especiais integrantes do poder judiciário têm competência para as questões
derivadas do contrato de trabalho, da interpretação e do cumprimento dos
contratos coletivos, assim como para os os litígios sobre reconhecimento
sindical ou entre um sindicato e seus filiados por descumprimento dos estatutos
sociais ou do contrato coletivo.
Subindo
para o norte da América, vamos encontrar a jurisdição especial do trabalho no
México, onde ela é constituída pelas Juntas de Conciliação e Arbitragem, em
cada Estado, e pela junta Federal de Conciliação e Arbitragem, na capital do
país. A composição de todas essas Juntas é tripartida e paritária, pois
integradas por um presidente, representante do governo, formado em direito, e
representantes, em igual número, do trabalhadores e dos empregadores, eleitos pelas
respectivas classes. As Juntas, consoante esclarece JOSÉ DÁVALOS, fazem parte
do poder judiciário e gozam de independência e autonomia. Compete-lhes
solucionar todos os conflitos do trabalho, individuais e coletivos, jurídicos e
econômicos. A Junta Federal conhece dos conflitos de trabalho quando trate de
matéria de competência da União. Dos "laudos das juntas cabe recurso"
para os Tribunais Colegiais do Circuito por violação de direitos individuais
garantidos na Constituição e para a Suprema Corte de Justiça quando esteja em
juízo interpretação definitiva da carta magna.
Poderia
mencionar ainda outros países se tempo e espaço houvesse. Mas os exemplos dados
parecem-me suficientes para convencer de que a existência, em nosso país, de
uma jurisdição do trabalho especial e independente da jurisdição comum não é
singularidade brasileira.
Luiz de
Pinho Pedreira da Silva*
Fonte:
http://www.amatra5.org.br/php/revista/revista2_10.html
17 comentários:
Indago se o ilustre articulista pode informar-me sobre existência de uma legislação trabalhista tão rígida como a nossa, sobretudo quando trata, indistintamente de seu nível de formação técnica ou profissional, todos os trabalhadores, como hipossuficientes. Obrigado, do colega
Marcos Abreu
Não pode, porque não existe.
Exatamente. Vejam, mesmo q a justiça trabalhista fosse extinta, os tribunais estaduais e federais criariam varas especializadas em justiça do trabalho, como existem as varas de família, criminais e civeis. O problema não é a instituição em si, mas o CAMINHÃO de LEIS q PREJUDICAM a saúde do mercado e do EMPREGO. O problema é a MENTALIDADE FASCISTA/MARXISTA que está na base de formação dos juizes trabalhistas. ISSO NÃO EXISTE nos países mencionados. Além do mais, a força trabalhista da europa moderna é a IMIGRAÇÃO ILEGAL, que PASSA LONGE DESSA JUSTIÇA.
Com certeza esta orb é um mega empresario. Porque ja misturou alhos com bugalhos. Se a empresa é correta com o seu quadro funcional. Não existe ação trabalhista meu chapa!
Santa inocência Henrique. Você com certeza NUNCA teve uma empresa e atuou na condição de EMPREGADOR. Se tivesse sido empregador por apenas três meses não falaria algo tão desnecessário. A legislação trabalhista é intervencionista, antiquada, impertinente e com regras intempestivas.
Já a Justiça do Trabalho é parcial, despreparada e costuma decidir de forma irresponsável. No lugar de julgar, legisla usurpando a função do legislativo.
O que precisamos é de leis claras, menos penduricalhos e "interpretações" conservadoras e que desequilibram as relações laborais.
Henrique você demonstra desconhecimento de causa pelo fato de considerar todas as empresas como "mega empreendimentos" esquecendo (ou não sabe mesmo) que 92% dos CNPJs ativos são de micro e pequenas empresas que também emprega 56% da força de trabalho do país. E são estas pequenas empresas que pagam caro por gerar emprego e renda num país com a nossa legislação e com esta (in)Justiça do Trabalho. Te liga!!!
O que entendi do comentário do Henrique foi de que empresa correta não perderá na JT.O número de Ações improcedentes aumentou demasiadamente na última década, o que afasta o argumento de que a JR e tendenciosa. Logicamente possui anacronismos que devem ser extintos.Mas,enquanto persistir o abismo da desigualdade social a JT é essencial. Ivan
O que entendi do comentário do Henrique foi de que empresa correta não perderá na JT.O número de Ações improcedentes aumentou demasiadamente na última década, o que afasta o argumento de que a JR e tendenciosa. Logicamente possui anacronismos que devem ser extintos.Mas,enquanto persistir o abismo da desigualdade social a JT é essencial. Ivan
Edson meu caro, você foi empregador? Parece que não, atuo na área a mais de seis anos em defesa de diversas categorias, vou citar um exemplo que você pode desconstruir sem atirar palavras de forma irresponsável e sem qualquer embasamento. Existem diversas redes de supermercado na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Seu, mas vou citar duas empresas que possuem algumas demandas perante a justiça do trabalho: Zaffari e Walmart.
A primeira citada dificilmente é condenada na justiça do trabalho, porque cumpre boa parte da legislação, a segunda é campeã em condenações, faz com que funcionários dancem em reuniões e tratam os trabalhadores com total desrespeito, além de não guardar corretamente a documentação relativa ao contrato de trabalho. Os empresários brasileiros são irresponsáveis e desorganizados em sua maioria e agora encontraram uma culpada para seu fracasso, a justiça do trabalho. Permitir descumprimentos de legislação que claramente é o que você tem em mente, causa concorrência desleal entre o bom é o mau empregador.
Cumpra a lei meu caro, está é a melhor maneira de evitar que a justiça do trabalho bata a sua porta.
E como é nos países onde não existe a justiça do trabalho, como Japão, Austrália por exemplo??
Caros ser empresário nesse país é insano, a começar que a lei trabalhista vigente é perversa para o empresário e cruel para com o aumento de cargos de trabalho, existe uma indústria da indenização que normalmente se paga / x uma na própria indenização e outra na justiça, além do que este passivo trabalhista que vai se formando na empresa é de desiludir qualquer empreendedor ou novo empreendedor, lamentável uma lei que foi feita na década de 30 no governo de Getúlio Vargas seguindo os padrões trabalhistas facistas da Itália ( que aliás se demonstra o país mais corrupto da Europa) será que depois de 7 décadas não seria hora de mexermos e modernizarmos essa perversa lei sem considerar o custo absurdo que deve ser sustentar essa estrutura jurídica
Caro Artur estou para ver alguém conseguir ganhar uma ação trabalhista mesmo estado integramente dentro da lei e de acordos coletivos, isso até pode ocorrer mas é raríssimo ou já prescrito
A discussão perdeu o rumo da técnica e do bom senso. Quem quer o fim da Justiça do Trabalho é Banco Mundial e o perverso capital internacional. É verdade que o Congresso Nacional precisa atuar mais, adequar a legislação do trabalho, com amplo e profundo debate com as partes interessadas (principalmente as representações dos trabalhadores e empresários). O que faz o TST "legislar" através de súmulas é a omissão do Poder Legislativo. Concordo com a falta de segurança jurídica que reina, face a ausência de normas, mas não se pode admitir nenhuma alteração legislativa sem a prévia discussão com todas as instituições pátrias envolvidas, como foi feito com essa malfadada "reforma trabalhista". A Justiça do Trabalho é essencial para o equilíbrio entre capital trabalho (ainda mais sabendo que a justiça comum está falida - não funciona) e a legislação protetiva é essencial para coibir os abusos do forte e poderoso sobre aquele que não pode se defender numa relação de profunda desiguldade econômica e jurídica.
Não fala bobagem, vai ler mais sobre a JT.
Quem é correto com seus empregados não são acionados na Justiça do Trabalho. O PROBLEMA não é a legislação trabalhista e, sim, a tributária. Empresário paga um salário de fome para o trabalhador e vem com esse papo que é muito contratar.
Fabio Andrade, procure se informar.
Em todas as nações com um nível maior de organização da jurisdição existe sim a jurisdição trabalhista. Assim como no Japão e na Australia.
Gostei das opiniões
A justiça do trabalho não inviabiliza a produção, não é antiquada ou intervencionista. O que inviabiliza a produção é a carga tributária e a burocracia.
Precisamos de leis objetivas e menos incentivos como o fornecimento de auxílio alimentação e plano de saúde aos empregados com dedução de impostos para o empregador.
Modernizar não sinônimo de desregulamentar.
Nosso presidente e nossos empresários mamadores deveria seguir a lição de Henry Ford que produzia com eficiência e aumentou os salários dos empregados para que estes comprassem seus carros.
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