As janelas e portas das casas de Madryn Street estão
emparedadas. Todo o bairro vai ser demolido em breve. Ringo Starr nasceu no
número 9. Esteve perto da morte várias vezes na infância; a mais sonora foi no
bombardeamento alemão que destruiu parte da rua.
O guia mostra-nos uma fotografia com correspondência
amontoada à porta da casa de George Harrison, em Mackets Lane, 174, no regresso
da primeira viagem à América. O que vemos confere.
Seguimos em suspense. Chegamos a Menlove Avenue, Mendips,
251, a casa onde John Lennon viveu com a tia Mimi. Não muito longe mas com o
espaço a contar aceleradamente paramos em Forthlin Road, 20, onde morava Paul
McCartney.
Está tudo na arquitectura. As casas dos Beatles são
pequenas; as fachadas, opacas. Apenas a de John tem bow windows, e as luzes
acesas, numa avenida larga. São em pleno subúrbio, longe do centro de Liverpool
e da sua digna monumentalidade.
A ideia de dois destes rapazes a percorrer estas longas
ruas, tocando frente a frente no minúsculo vestíbulo de Mendips ou compondo as
primeiras canções em Forthlin Road, esmaga a nossa imaginação. Este é o espaço
de uma das grandes histórias do século XX. Do cemitério de St. Peters Church
vemos o lugar onde os Quarrymen, a banda de John, tocavam empoleirados numa
carrinha. No dia 6 de Julho de 1957, depois de actuações seguidas atentamente,
Paul decide apresentar-se. Aí
perto, dobrando uma apertada curva, entra no Church Hall; "that was the
day that it started moving", dirá John.
O que mais impressiona é o acaso que gera a arquitectura dos
Beatles; o urbanismo igualitário que se move no sentido de uma convergência
espacial única. E, mais do que o talento brutal, a pura determinação destes
rapazes. Mas a história dos Beatles, na sua enorme beleza sobrenatural, é
também uma história triste. O Dakota Building em Nova Iorque, onde John Lennon
morreu, é a imagem do orfanato de Strawberry Field para onde ia brincar.
Esta permanência da arquitectura perturba; Strawberry Fields
Forever passa a ser sobre a morte. E a beleza é arrancada a Penny Lane, como um
truque de magia.
Nestas duas canções, os Beatles memorializam o espaço em que
há poucos anos habitavam; este é o tempo cósmico em que se movem. No início, a
distância que os separa do centro de Liverpool parece mais insuperável que a
que os guiará ao centro do mundo. Dado esse pequeno passo, é como quem toca na
Lua.
Por coincidência
cósmica, Paul McCartney fala-nos destes Early Days no novo disco: " Two
guitars across our backs/ we would walk the city roads..." Estas
ruas que entram no quarto do Hospital dos Lusíadas; a Simone nasceu; e com os
Beatles celebramos o segredo do universo.
Fonte: Centro de Estudos Sociais – Coimbra
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