Em ritmo de prosa, verso e ciranda teve início, na tarde
desta quarta-feira (08), o Seminário “Convivência com o Semiárido e a Afirmação
de Direitos”, na sede da Federação dos/as Trabalhadores/as da Agricultura do
Ceará (Fetraece), em Fortaleza. Agricultores, agricultoras e movimentos sociais
organizados debateram os avanços e os desafios vividos nos últimos anos para a
Convivência com o Semiárido. O seminário é uma realização da Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), FETRAECE, Fórum Cearense pela Vida no
Semiárido (FCVSA), Movimento dos/as Atingidos/as por Barragens (MAB) e
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Com objetivo de refletir e traçar historicamente e
atualmente a Convivência com o Semiárido, a conjuntura do agravamento do
período de estiagem no Ceará e de que forma o governo está se posicionando em
relação à seca, os convidados que fizeram parte da mesa, levantaram suas
conquistas e reforçaram a importâncias das políticas públicas para uma melhor
Convivência com o Semiárido e como as pequenas ações, feitas desde o início,
muitas delas sem o apoio Estado, e que transformam o jeito do sertanejo viver e
conviver com os desafios do campo.
Cristina Nascimento, representante do FCVSA e da
coordenação nacional da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), destacou as
ações que a ASA e um conjunto de organizações estão agindo para quebrar com o
estigma sobre o semiárido e a estiagem na região, e ainda a importância das
tecnologias sociais e a cultura do povo do semiárido. “A seca é algo natural.
Ela não é o fim, mas sim, um desafio com possibilidades para se viver/conviver
com o semiárido”. Dentre os ganhos destes anos entre as ações da ASA, Cristina
destacou as cisternas de placas, que fazem com que muitas famílias consigam
guardar sua água para consumo e uma segunda água para a produção; e a geração
de renda, quando se tem um quintal produtivo ou outros espaços de produção na
comunidade. Para ela, o que ainda falta é uma política estruturante para o
semiárido brasileiro. Para finalizar, Cristina frisou: “Devemos ficar atentos
para reafirmar todas as conquistas dos movimentos sociais. Que os direitos
conquistados não sejam obscuros diante dos interesses de grupos de
latifundiários”.
Dom João Costa, Bispo da Diocese de Iguatu e
vice-presidente da CNBB, juntamente com Dom Antônio Cavuto, Bispo da Diocese de
Itapipoca, ambos representantes da CNBB, trouxeram suas contribuições ao
debate. A partir da Nota redigida pela CNBB na 51º Assembleia dos Bispos do
Brasil, realizada em Aparecida em abril deste ano, Dom João reafirmou a
importante participação da Igreja nos processos de desenvolvimento de ações que
melhoram a vida e a convivência do homem e da mulher no campo. E ainda, como a
esperança e a fé são pilares importantes para continuar a luta por melhorias e
garantia de políticas públicas do estado para a região. Dom João ressaltou a importância
de momento de integração politica e social dos movimentos e demais segmentos da
sociedade para se debater o semiárido. “Seminários como este deveriam se
repetir mais vezes”. Dom Cavuto reforçou a importância da união e fé neste
processo de construção para o semiárido. “Precisamos está unidos e organizados
para as mudanças aconteçam na convivência com o semiárido”.
O Movimento dos Sem Terra também integrou a mesa com seus
desafios de anos de luta e contribuição na mudança que vem acontecendo na Convivência
com o Semiárido desde o surgimento do movimento. Paulo Magalhães trouxe algumas
indagações e leituras enquanto representante do movimento. “O que é mais grave:
a seca ou a cerca?”. “Qual é a diferença: a seca sem água ou a seca com a água
do Canal (da integração)?”. Uma forma de discutir a privatização da água,
quando pequenos agricultores têm seus direitos negados de acesso água, devido à
privatização de espaço que deveria ser público, mas que beneficiam poucos, como
são as construções das grandes obras hídricas, neste caso, o Canal da
Integração, a Transposição do Rio São Francisco. “É impossível conviver com o
semiárido se não houver a democratização da terra e da água”.
Luiz Carlos, pela Fetraece, fez uma leitura histórica dos
processos e progressos alcançados pelos movimentos sociais no semiárido. Ações
estas que mudaram a cara do campo e do sertanejo. Processos como a
conscientização crítica da sociedade para a Convivência com o Semiárido, na
luta pela garantia da água e da terra; a proposição de políticas para a
convivência como projetos e as tecnologias sociais; a persistência e
resistência dos movimentos sociais para a mobilização e luta na garantia de
direitos; e ainda, o enfrentamento aos modelos dominantes, como por exemplo, as
cisternas de placas serem substituídas por cisternas de plástico. Algo que vai
contra a política de convivência e desenvolvimento local.
Para finalizar a tarde de exposições e proposições, o
professor e pesquisador do departamento de geografia da Universidade Federal do
Ceará (UFC) Amaro de Alencar, trouxe as suas contribuições deste processo
histórico da agricultura do Ceará e alguns mitos e inquietações, como a meia
verdade, segundo ele, que os grandes heróis no desenvolvimento do Estado do
Ceará não se deu pelo gado e algodão. “Não se fala que naquela época, muitas
famílias tiravam de seus quintais produtivos o seu sustento, alimento. Há ainda
uma negação, por parte da mídia, local e nacional, em relação à seca. A seca
mata mais que qualquer outro fenômeno natural e a mídia não mostra”.
Além de uma negação, para o professor, se escondem fatos
que realmente mudaram e muda até hoje a vida de quem vive no campo. Amaro
relacionou ainda, a Lei da Água, que desde os primeiros processos de reforma
agrária, nunca se falou nesta; a democratização do acesso a terra e a água. E
por fim, ele indagou: “como se cria uma Comissão Permanente de combate a Seca.
Se a seca é algo natural, como iremos combate-la?”. Um questionamento feito ao
Departamento Nacional de Obras Contra a seca (DNOCS) e aos deputados que tomam
parte desta comissão.
Para fechar o espaço de debate, do primeiro dia do
Seminário “Convivência com o Semiárido e a Afirmação de Direitos”, alguns
representantes dos movimentos presentes deram a sua contribuição ao diálogo, ao
levantarem a importância de lutar pela democratização da terra e da água;
promover mais espaços de discussão e aberto a sociedade em geral, para promover
o diálogo e disseminação dessas práticas e inquietações dos movimentos sociais;
e a questão de gastos de recursos públicos em outras da Copa do Mundo, quando
se é questionado os recursos investidos nas ações na estiagem, e na convivência
do semiárido, como a construção de cisternas de placas.
“Não haverá água acessível, se não houver acesso a
terra”, sintetizou Francisca Machado, da cidade de Coreaú.
Por Rones Maciel, comunicador popular do P1+2 \ Instituto
Antônio Conselheiro (IAC)
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