Capítulo escrito por Clovis Renato Costa Farias na Obra “Carta
de Liberdades Sindicais”, publicada pelo Ministério Público do Trabalho em
2016, organizada pelo Prof. Dr. Gérson Marques. ISBN nº 978-85-67589-28-2
A tutela coletiva nas ações que
envolvem a discussão sobre o aprimoramento das relações de trabalho devem
partir do reconhecimento das entidades representativas e da legitimidade de
seus atos. Em sua realização devem mitigar a desigualdade existente entre
trabalhador e empregador na relação laboral (hipossuficiência social), ínsitas
ao sistema capitalista de produção.
Desse modo, as movimentações
coletivas laborais (negociação,
mediação, paralisação, conciliação, dissídio coletivo, etc.) devem ser
garantidas para assegurar a legalidade e a paridade de armas entre as
entidades, sob o balizamento da equidade e do socialmente aceitável.
Algo que deve envolver as ações
extrajudiciais e a judicialidade, quando a participação do Estado, via Poder
Judiciário, for provocada.
Destaque-se a compreensão de que
“dissídios coletivos”, presente no verbete, traz em si a noção de que as
relações que envolvam a discussão de direitos coletivos dos trabalhadores, tais
como a formação de Acordo (ACT), Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e greve,
seus delineamentos e sua adequação ao ordenamento jurídico pátrio devem ser
tratadas pelo instrumento processual Dissídio Coletivo, nos termos normatizados
pelos parágrafos do art. 114 da Constituição de 1988, da CLT, das Leis nº
4.725/65 e nº 7.701/88.
Contextualização relevante diante
da prática nacional recorrente que tem levado juízes de primeira instância a
julgarem ações que não deveriam ser manejadas para tais fins no Processo do
Trabalho, tais como o interdito proibitório. O que tem inviabilizado o direito
de greve e frustrado diversos instrumentos legítimos de negociação e pressão
dos trabalhadores, especialmente pela falta de razoabilidade nas tutelas
concedidas.
Tal posicionamento encontra-se
demarcado pelo Supremo Tribunal Federal que editou a Súmula Vinculante nº 23, a
qual dispõe que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação
possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores
da iniciativa privada. Postura da qual se discorda, com o devido respeito.
Nesses termos, em sede de
Dissídio Coletivo, as tutelas proferidas devem servir para assegurar a
legalidade e a paridade de armas entre as entidades, sob o balizamento da
equidade e do socialmente aceitável.
Para tanto, em caso de dissídio
coletivo de natureza econômica, deve ser observada a Constituição para
respeitar as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as
convencionadas anteriormente. Ademais, somente deve ser aceita a proposição da
ação em caso de comum acordo e o ingresso via Ministério Público somente deve
ocorrer em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do
interesse público. Neste último caso, quando a ação tiver de ser manejada pelo
MPT, este deve agir com razoabilidade e primando pelo incentivo à negociação
coletiva, para que se evite a intervenção intempestiva do Estado nas relações
coletivas de trabalho, em descumprimento de outras normas fundamentais (art. 8º,
III, CF/88).
No mesmo passo, em caso de
concessão de tutelas em sede de dissídio coletivo de greve, deve-se primar pela
observação do cumprimento, por ambas as partes, do disposto na legislação de
greve. Assim, antes da concessão das tutelas, deve o Poder Judiciário primar
pelo incentivo e respeito às negociações coletivas prévias, cumprindo as leis
de greve quanto às relações obrigacionais ou à conciliação, evitando, ao
máximo, as liminares sem ouvida da parte contrária, sob pena de malferir
irreversivelmente o direito de greve e instigar a litigiosidade judicial.
Ademais, em caso de decisão
relacionada ao afastamento dos movimentos reivindicatórios das proximidades da
empresa, o Poder Judiciário deve tomar as devidas cautelas para não
inviabilizar a pressão decorrente da visibilidade objetivada pelos
trabalhadores. É imperativo que sejam evitadas decisões, recorrentes na
contemporaneidade, que afastam em demasia os movimentos pacíficos dos locais de
trabalho, com imposição de multas de grande vulto contra os sindicatos e
membros da categoria.
Deve-se evitar tutelas que
imponham a retirada das faixas e demais materiais de divulgação da greve e
instalações dos comandos locais de greve das proximidades da empresa. Decisões contrárias ferem diversas liberdades
sindicais, normas constitucionais e tratados internacionais, com crescente
desmoralização das entidades representativas, da diretoria e dos trabalhadores
em greve.
A Recompilação de Decisões e dos
Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), cuja função consiste em contribuir
para a efetiva aplicação dos princípios gerais da liberdade sindical, que
constitui uma das garantias primordiais da paz e da justiça social, dispõe que “o respeito das garantias processuais não é
incompatível com um processo equitativo e rápido; pelo contrário, uma delonga
excessiva pode ter efeito intimidatório nos dirigentes envolvidos, com
repercussão no exercício de suas atividades” (v. 103); “a falta de garantias de
um processo judicial regular pode envolver abusos e ter como resultado que
dirigentes sindicais acabem vítimas de decisões infundadas. Além disso, pode
criar um clima de insegurança e de temor susceptível de influir no exercício
dos direitos sindicais”.
Ainda, conforme a Recompilação,
“o direito de greve e o direito de organizar reuniões sindicais são elementos
essenciais do direito sindical, razão pela qual as medidas tomadas pelas
autoridades para fazer respeitar a legalidade não deveriam ter como efeito
impedir os sindicatos de organizar na ocasião de conflitos do trabalho” (v.
131); “os trabalhadores devem poder gozar do direito de manifestação pacífica
para defender seus interesses profissionais” (v. 132); “as autoridades só
deveriam recorrer à força pública quando a ordem pública se achasse realmente
ameaçada” (v. 137); “a autorização para fazer reuniões e manifestações
públicas, que constituem importante direito sindical, não deve ser negada
arbitrariamente” (v. 139); “enquanto os sindicatos devem observar as
disposições legais para a manutenção da ordem pública, as autoridades públicas
devem abster-se de qualquer ingerência que reduza o direito dos sindicatos de
organizar e realizar reuniões com plena liberdade” (v. 144).
Desse modo, torna-se de extrema
relevância o verbete em comento, por haver recorrente mitigação dos direitos de
greve e manifestação em grade parte das tutelas concedidas pelo Poder
Judiciário na atualidade, as quais devem seguir, no mínimo, os balizamentos
normativos nacionais e internacionais, conforme disposto acima, otimizando os
direitos fundamentais.
(Clovis
Renato Costa Farias)
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