25/03/1964
No dia 25 de março de 1964, poucos dias antes do
golpe militar que derrubou João Goulart, o presidente da Associação dos
Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, fez um veemente discurso durante ato
comemorativo do segundo aniversário da entidade. O discurso teve grande
repercussão e, para pressionar o comando da Marinha a rever as punições
aplicadas contra 12 dirigentes da AMFNB, a entidade resolveu transformar a
comemoração em assembléia permanente, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do
Rio de Janeiro. Fuzileiros navais enviados ao local para debelar a sublevação
uniram-se aos amotinados, abrindo uma gravíssima crise na Marinha. O movimento
só foi sufocado com a ajuda de tropas da Polícia do Exército, mas Jango deu mão
forte aos marinheiros. Substituiu o ministro da Marinha e mandou libertar os
marujos. Dias depois, era deposto.
O cabo Anselmo foi preso logo depois do golpe
de 64, mas conseguiu escapar da cadeia, exilando-se, primeiro no Uruguai e
depois em Cuba. Retornou
clandestinamente ao Brasil em 1970, sendo preso menos de um ano depois. Na
prisão, mudou de lado e, a partir daí, passou a trabalhar para a polícia como
agente infiltrado, tendo sido responsável pela prisão e morte de inúmeros
militantes das organizações revolucionárias que combateram o regime militar.
É a
seguinte a íntegra do discurso:
“Aceite, Senhor Presidente, a saudação dos
marinheiros e fuzileiros navais do Brasil, que são filhos e irmãos dos
operários, dos camponeses, dos estudantes, das donas de casa, dos intelectuais
e dos oficiais progressistas das nossas Forças Armadas;
Aceite,
Senhor Presidente, a saudação daqueles que juraram defender a Pátria, e a
defenderão se preciso for com o próprio sangue dos inimigos do povo: latifúndio
e imperialismo;
Aceite,
Senhor Presidente, a saudação do povo fardado que, com ansiedade, espera a realização
efetiva das reformas de base, que libertarão da miséria os explorados do campo
e da cidade, dos navios e dos quartéis.
Brasileiros
civis e militares! Meus companheiros!
A
Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil completa, neste mês de
março, o seu segundo aniversário. E foram as condições históricas, a fome, as
discriminações, os anseios de liberdade, as perseguições e as injustiças
sofridas, que determinaram a criação de uma sociedade civil, realmente
independente, com a finalidade de unir, através da educação, da cultura e da
recreação, os marinheiros e fuzileiros navais do Brasil.
Autoridades
reacionárias, aliadas ao antipovo, escudadas nos regulamentos arcaicos e em
decretos inconstitucionais, a qualificam de entidade subversiva. Será
subversivo manter cursos para marinheiros e fuzileiros? Será subversivo dar
assistência médica e jurídica? Será subversivo visitar a Petrobrás? Será
subversivo convidar o Presidente da República para dialogar com o povo fardado?
Quem tenta
subverter a ordem não são os marinheiros, os soldados, os fuzileiros, os
sargentos e os oficiais nacionalistas, como também não são os operários, os
camponeses e os estudantes.
A verdade
deve ser dita.
Quem,
neste País, tenta subverter a ordem são os aliados das forças ocultas, que
levaram um Presidente ao suicídio, outro à renúncia, e tentaram impedir a posse
de Jango e agora impedem a realização das reformas de base; quem tenta
subverter são aqueles que expulsaram da gloriosa Marinha o nosso diretor, em
Ladário, por ter colocado na sala de reuniões um cartaz defendendo o monopólio
integral do petróleo; quem tenta subverter a ordem são aqueles que proibiram os
marujos do Brasil, nos navios, de ouvir a transmissão radiofônica do comício
das reformas.
Somos
homens fardados. Não somos políticos. Não temos compromissos com líderes ou
facções partidárias. Entretanto, neste momento histórico, afirmamos o nosso
entusiástico apoio ao decreto da Supra, ao da encampação da Capuava e demais
refinarias particulares, e ao do tabelamento dos aluguéis. Aguardamos, aliados
ao povo, que o Governo Federal continue a tomar posições em defesa da bolsa dos
trabalhadores e da emancipação econômica do Brasil. Na data de hoje comemoramos
o nosso segundo aniversário, isto é, o aniversário da Associação dos
Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil.
Ao nosso
lado estão os irmãos das outras armas: sargentos do Exército e da Aeronáutica,
soldados, cabos e sargentos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Estão,
também, companheiros da mesma luta, os sargentos da nossa querida Marinha de
Guerra do Brasil. Aqui, sob o teto libertário do Palácio do Metalúrgico, sede
do glorioso e combativo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado da
Guanabara, que é como o porto em que vem ancorar o encouraçado de nossa
Associação, selamos a unidade dos marinheiros, fuzileiros, cabos e sargentos da
Marinha com os nossos irmãos militares do Exército e da Aeronáutica, da Polícia
Militar e do Corpo de Bombeiros, e com os nossos irmãos operários. Esta unidade
entre militares e operários completa-se com a participação dos oficiais
nacionalistas e progressistas das três armas na comemoração da data aniversária
de nossa Associação.
Nós,
marinheiros e fuzileiros, que almejamos a libertação de nosso povo, assinalamos
que não estamos sozinhos. Ao nosso lado, lutam, também, operários, camponeses,
estudantes, mulheres, funcionários públicos e a burguesia progressista; enfim,
todo o povo brasileiro.
Nosso
empenho é para que sejam efetivadas as reformas de base, Reformas que abrirão
largos caminhos na redenção do povo brasileiro. Eis por que, do alto desta
tribuna do Palácio do Metalúrgico, afirmamos à Nação que apoiamos a luta do
Presidente da República em favor das reformas de base. Aplaudimos com veemência
a Mensagem Presidencial enviada ao Congresso de nossa Pátria.
Clamamos
aos deputados e senadores que ouçam o clamor do povo, exigindo as reformas de
base. Ainda esperamos que o Congresso Nacional não fique alheio aos anseios
populares. E com urgência reforme a Constituição de 1946, ultrapassada no
tempo, a fim de que, extinguindo o § 16 do art. 141, possa realmente, no
Brasil, se fazer uma reforma agrária. Dizemos que somos contrários à
indenização prévia em dinheiro para desapropriações. O bem-estar social não pode
estar condicionado aos interesses do Clube dos Contemplados. É necessário que
se reforme a Constituição para estender o direito de voto aos soldados, cabos,
marinheiros e aos analfabetos. Todos os alistáveis deverão ser elegíveis, para
que novamente não ocorra a injustiça como a cometida contra o sargento Aimoré
Zoch Cavalheiro.
Em nossos
corações de jovens marujos palpita o mesmo sangue que corre nas veias do bravo
marinheiro João Cândido, o grande Almirante Negro, e seus companheiros de luta
que extinguiram a chibata na Marinha. Nós extinguiremos a chibata moral, que é
a negação do nosso direito de voto e de nossos direitos democráticos. Queremos
ver assegurado o livre direito de organização, de manifestar o pensamento, de
ir e vir. Defendemos intransigentemente os direitos democráticos e lutamos pelo
direito de viver como seres humanos. Queremos, na prática, a aplicação do
princípio constitucional: "Todos são iguais perante a lei". Nós,
marinheiros e fuzileiros navais, reivindicamos: reforma do Regulamento
Disciplinar da Marinha, regulamento anacrônico que impede até o casamento; não
interferência do Conselho de Almirantado nos negócios internos da Associação
dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil; reconhecimento pelas autoridades
navais da AMFNB; anulação das faltas disciplinares que visam apenas a intimidar
os associados e dirigentes da AMFNB; estabilidade para os cabos, marinheiros e
fuzileiros; ampla e irrestrita anistia aos implicados no movimento de protesto
de Brasília.
Iniciamos
esta luta sem ilusões. Sabemos que muitos tombarão para que cada camponês tenha
direito ao seu pedaço de terra, para que se construam escolas, onde os nossos
filhos possam aprender com orgulho a História de uma Pátria nova que começamos
a construir, para que se construam fábricas e estradas por onde possam
transitar nossas riquezas. Para que o nosso povo encontre trabalho digno, tendo
fim a horda de famintos que morrem dia a dia sem ter onde trabalhar nem o que
comer. E sobretudo para que a nossa Bandeira verde e amarela possa cobrir uma
terra livre onde impere a paz, a igualdade e a justiça social.”
Autor:
Carlos Maringuela
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