A Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou, nesta terça-feira (5), tendência jurisprudencial da Suprema Corte
no sentido de que o Habeas Corpus (HC) não é cabível somente em caso de ameaça
direta ao direito de ir e vir, mas também nas hipóteses de ameaça reflexa ou
até remota a esse direito fundamental.
Com esse
entendimento, o colegiado concedeu, por unanimidade, o HC 112851 a C.W.S.O.
para determinar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decida, em um de seus
colegiados, um HC lá impetrado que questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). A corte regional
concedeu parcialmente o habeas lá impetrado, no qual a defesa requeria a
anulação dos efeitos de mandado de busca e apreensão determinado nas empresas
de que C.W.S.O. é sócio, sob acusação, entre outros, de crime contra a ordem
tributária (artigo 1º da Lei 8.137/1990) e sonegação de contribuições
previdenciárias (artigo 337-A do Código Penal – CP).
O caso tem
origem no mandado de busca e apreensão
de equipamentos e documentos nas empresas mencionadas, expedido pelo juízo da
10ª Vara Federal em Brasília. A defesa recorreu dessa decisão ao TRF-1,
alegando falta de justa causa, já que o suposto débito fiscal ainda não fora
oficialmente constituído. Além disso, a decisão teria ferido o princípio do
juiz natural, uma vez que o juízo responsável pelo caso seria a 12ª Vara
Federal Criminal de Brasília, que já se teria pronunciado sobre a suposta
sonegação fiscal, nos autos de outra ação. O TRF-1, no entanto, concedeu parcialmente
a ordem, determinando a devolução apenas de documentos não compreendidos no
período entre janeiro de 2006 e dezembro de 2008, objeto da investigação nas
empresas.
Em relação
a essa decisão, a defesa impetrou HC no
Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator do processo, no entanto, não
conheceu do pedido (decidiu que não caberia àquela corte julgar seu mérito),
porquanto não haveria risco imediato à liberdade de locomoção do acusado.
Segundo o ministro, não havia mandado de
prisão contra ele. Tampouco haveria esse risco pela via oblíqua ou reflexa.
Ademais, de acordo com o ministro do STJ, no caso, o HC estava sendo utilizado como sucedâneo de recurso ordinário. No mesmo
sentido se manifestou a Procuradoria-Geral da República, na sessão desta
terça-feira.
Ao
recorrer ao Supremo contra essa decisão,
a defesa pediu que fosse determinado ao STJ julgar o mérito da questão.
Alegou, em primeiro lugar, que o mandado
de busca e apreensão determinado pelo juízo da 10ª Vara Federal em Brasília
poderá desaguar em ação penal, aí sim ameaçando o direito de ir e vir do autor
do recurso. Além disso, reiterou o
argumento de ofensa ao princípio do juiz natural e da ausência de justa causa
para a busca e apreensão.
Decisão
O relator
do processo, ministro Gilmar Mendes,
pronunciou-se pela concessão do HC, determinando ao STJ que julgue, no mérito,
o HC lá impetrado. Ele lembrou que a tendência
pela ampliação do espectro do HC já começou a firmar-se na Suprema Corte sob a
égide da Constituição de 1891 e se consolidou posteriormente, mesmo com o
advento do mandado de segurança, em 1934, destinado a proteger o indivíduo
contra o abuso de poder.
“Incomoda-me
restringir seu espectro (o do HC) de tutela”, observou o ministro Gilmar
Mendes, observando que o HC é cabível
quando há ameaça a direito fundamental de feição judicial. Segundo ele, embora não haja, no caso hoje julgado,
ameaça imediata à liberdade de ir e vir, essa ameaça ficou subjacente quando se
validou um mandado de busca e apreensão sem justa causa e com violação do
princípio do juiz natural. “Penso ser cabível, porque o paciente está sujeito a ato restritivo do
Poder estatal”, afirmou o ministro.
No mesmo
sentido se pronunciaram o ministro Celso de Mello e o presidente da Turma,
ministro Ricardo Lewandowski. O primeiro deles apoiou os argumentos do ministro
Gilmar Mendes, observando que o recurso do HC
não pode ser comprometido com uma interpretação restritiva como a que lhe foi
dada pelo ministro do STJ. Tal visão, segundo ele, “compromete um dos
instrumentos mais caros de amparo às liberdades individuais no país”.
Ao
endossar o voto dos dois ministros, o ministro Ricardo Lewandowski fundamentou
seu voto em três argumentos: a falta de justa causa para o mandado de busca e
apreensão, a incompetência do juízo e, ainda, segundo ele, ofensa ao princípio
da colegialidade, pelo fato de um ministro do STJ ter decidido não julgar o
mérito do HC lá impetrado. Por isso, ele determinou que o STJ julgue o HC em
colegiado.
O ministro
Teori Zavascki acompanhou a decisão da Turma no mérito.
FK/AD
Fonte: STF
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