Tema 1: Servidor
recebe de boa-fé valores pagos indevidamente pela própria Administração
Pública: ele tem o dever de restituir a quantia?
Posição do
STJ
O STJ possui
entendimento pacífico no sentido de que é incabível a restituição ao erário dos
valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou
inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Em virtude
do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa
expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública,
porque jungida à legalidade estrita.
Assim,
diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos
indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar
qualquer desconto na remuneração do servidor público a título de reposição ao
erário.
Veja esse
precedente do STJ proferido em sede de recurso especial repetitivo:
(...) quando a
Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento
indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos
são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos,
ante a boa-fé do servidor público. (...)
(REsp 1244182/PB, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012)
Posição do
TCU
Vale a pena
conhecer também o entendimento do TCU, que é parecido com o do STJ, apesar de
um pouco mais rigoroso com o servidor ao exigir que o erro da Administração
Pública seja escusável. Confira-se:
Súmula 249 do TCU: É
dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por
servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de
interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente
investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de
legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
Posição da
AGU
Vejam a
posição da AGU, que trilha no mesmo sentido do STJ, acrescentando, no entanto,
que o pagamento indevido pode ocorrer, além da interpretação errônea, pela má
aplicação da lei ou erro da Administração:
Súmula 34 da AGU: É
incabível a restituição de valores de caráter alimentar percebidos de boa-fé,
por servidor público, em virtude de interpretação errônea, má aplicação da lei
ou erro da Administração.
Tema 2: Servidor
recebe valores por força de decisão judicial precária que depois é revogada:
ele tem o dever de restituir a quantia?
Se o
servidor público recebe os valores por força de decisão judicial posteriormente
revogada, tal quantia poderá ser exigida pela Administração Pública?
SIM. Existem
várias decisões do STJ afirmando que, neste caso, não se poderia falar em
boa-fé do servidor, considerando que sabia que poderia haver alteração da
decisão que tinha caráter precário (AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1267968/SC,
Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 07/02/2013).
(...) Esta Corte Superior
consolidou entendimento no sentido de que não cabe a restituição de valores
recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de equívoco de
interpretação ou de má-aplicação da lei pela Administração. Todavia, é legítimo o desconto de vantagem patrimonial
paga a servidor público pelo erário, em face de cumprimento de decisão judicial
precária, posteriormente revogada. (...)
(EDcl no REsp 1255160/RJ,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgados em 18/12/2012, DJe
08/02/2013)
Tema 3: Segurado do
INSS que recebe benefício previdenciário por força de tutela antecipada
posteriormente revogada: ele tem o dever de restituir a quantia?
Imagine a
seguinte situação:
João ajuíza
uma ação contra o INSS pedindo a concessão de auxílio-doença, alegando que
possui uma incapacidade total e temporária para o exercício de suas funções.
O autor
junta atestado médico comprovando a incapacidade.
O juiz
concede a tutela antecipada determinando que o INSS fique pagando mensalmente o
auxílio-doença até que a sentença seja proferida.
É realizada
perícia médica judicial e o médico-perito discorda do resultado do atestado
médico apresentado pelo autor e afirma que João tem sim condições de trabalhar.
Diante do
resultado da perícia, o juiz sentencia a demanda, revogando a tutela antecipada
anteriormente concedida e julgando improcedente o pedido.
Ocorre que
João recebeu 10 meses de auxílio-doença por força da tutela antecipada.
Indaga-se: o
autor terá que devolver a quantia recebida?
Posição antiga do STJ:
Não
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Entendimento atual do STJ:
SIM
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A jurisprudência do STJ era
pacífica no sentido de que os segurados do RGPS não tinham obrigação de
restituir valores obtidos por força de tutela antecipada que foi
posteriormente revogada.
O STJ fundamentava suas decisões no
fato de que as verbas previdenciárias possuem natureza alimentar. Logo,
deveria ser observado o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgRg no
AREsp 194.038-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
julgado em 18/10/2012 (Info 507).
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A 1ª Seção do STJ (engloba a 1ª e a
2ª Turmas) alterou seu entendimento e decidiu que o segurado da Previdência
Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido
em antecipação dos efeitos da tutela que tenha sido posteriormente revogada.
REsp
1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013 (Info 524).
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Desse modo,
segundo o atual entendimento da 1ª Seção do STJ, o segurado da Previdência
Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido por
força de tutela antecipada que tenha sido posteriormente revogada.
Qual é a
razão jurídica invocada pelo STJ para alterar seu entendimento?
O STJ
afirmou que, para decidir o tema, deve-se considerar não apenas o princípio da
irrepetibilidade dos alimentos, mas também a boa-fé OBJETIVA envolvida na
situação.
Existe
boa-fé subjetiva
Para o Min.
Herman Benjamin, nas hipóteses de benefícios previdenciários oriundos de
antecipação de tutela, não há dúvida de que o autor da ação possui boa-fé
subjetiva, considerando que ele recebe os benefícios por conta de uma decisão
judicial, havendo assim legitimidade jurídica no recebimento desses valores,
apesar de precária (não definitiva).
Não existe
boa-fé objetiva
Por outro
lado, o Min. Herman Benjamin entende que o autor da ação não apresenta, no
caso, boa-fé objetiva, tendo em vista que os pagamentos determinados por meio
de antecipação de tutela não gozam de definitividade, de maneira que o
requerente é titular de um direito precário e, como tal, não pode pressupor que
aquelas quantias foram incorporadas em seu patrimônio de forma irreversível.
Em outras
palavras, o autor da ação deve saber que está recebendo aquelas quantias a
título provisório e que elas poderão ser retiradas de seu patrimônio caso a
tutela antecipada seja revogada.
Dessa forma,
não há legitimidade jurídica para que o segurado presuma que não terá de
devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, ele está assistido
por advogado e, conforme prevê o art. 3º da LINDB, ninguém se escusa de cumprir
a lei alegando que não a conhece. Logo, ele deve estar ciente da precariedade
do provimento judicial que lhe é favorável.
Como o autor
sabia que os recursos recebidos não integrariam em definitivo o seu patrimônio,
qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares,
salvo situações emergenciais e excepcionais, não poderia estar acobertado pela
boa-fé, já que é princípio basilar tanto na ética quanto no direito, que
ninguém pode dispor do que não possui (Min. Humberto Martins, no AgRg no REsp
126480/CE).
Argumento da
irrepetibilidade não é suficiente
Conclui-se,
portanto, segundo essa nova visão do STJ, que não é suficiente que a verba
recebida seja alimentar. É necessário que o titular do direito o tenha recebido
com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento.
Em suma,
mesmo o benefício previdenciário sendo considerado como verba alimentar, a
pessoa que o recebeu por força de tutela antecipada posteriormente revogada tem
o dever de devolver tais valores porque não agiu de acordo com a boa-fé objetiva.
Forma de
devolução das quantias
Em caso de
revogação da tutela antecipada, o autor terá que devolver os valores recebidos.
No entanto, quais são os critérios para que isso seja feito?
O STJ
afirmou que essa devolução não poderá comprometer o sustento do indivíduo, em
atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, os
Ministros definiram que a devolução dos valores recebidos deve ser feita
conforme os seguintes parâmetros:
a) o INSS
deverá ajuizar uma ação de execução da sentença que declarou que o autor não
tinha direito;
b) caso a
pessoa que recebeu indevidamente os valores esteja, atualmente, gozando de
algum benefício do INSS (ex: está recebendo aposentadoria), o INSS poderá
cobrar os valores mediante desconto em folha de até 10% do benefício que ela
estiver recebendo até pagar toda a dívida. Ex: a pessoa recebe mil reais de
aposentadoria e deve 500 reais. O INSS poderá descontar todos os meses 100
reais dos proventos da pessoa até que ela quite o débito.
Tema 4: Segurado do
INSS que recebe benefício previdenciário por força de sentença judicial
transitada em julgado e que depois é rescindida: ele tem o dever de restituir a
quantia?
Imagine
agora a seguinte situação:
Pedro propõe
uma ação contra o INSS pedindo a concessão de um benefício previdenciário.
O juiz
federal julga procedente o pedido, sentença que é mantida em 2ª instância e
transitada em julgado.
O INSS
ajuíza, então, uma ação rescisória, que é julgada procedente.
Ocorre que
Pedro recebeu durante vários meses o benefício previdenciário.
Indaga-se: o
segurado terá que devolver a quantia recebida?
NÃO. Os
valores que foram pagos pelo INSS aos segurados por força de decisão judicial
transitada em julgado, a qual, posteriormente, vem a ser rescindida, não são
passíveis de devolução, ante o caráter alimentar dessa verba e pelo fato de que
o segurado recebeu e gastou tais quantias de boa-fé. (AR 3.926/RS, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, julgado em 11/09/2013).
Se a decisão
já havia transitado em julgado, a fruição do que foi recebido indevidamente
está acobertada pela boa-fé, considerando que o segurado poderia supor, de
forma legítima, que os valores integraram em definitivo o patrimônio do
beneficiário e que não mais iriam ser questionados (AgRg no REsp 126480/CE).
Desse modo,
há uma diferença entre os valores recebidos por força de uma tutela antecipada
e aqueles auferidos em decorrência de uma sentença transitada em julgado:
Decisão em tutela antecipada
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Sentença transitada em julgado
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Os valores recebidos possuem
natureza alimentar.
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Os valores recebidos possuem
natureza alimentar.
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O beneficiário não ostenta boa-fé
objetiva (não pode ter legítima
expectativa de que os valores ingressaram de forma definitiva).
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O beneficiário ostenta boa-fé
objetiva (possui legítima expectativa de que os valores ingressaram de forma
definitiva).
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Em caso de revogação da decisão,
deverá devolver os valores.
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Em caso de rescisão da coisa
julgada, não terá obrigação de devolver os valores.
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Fonte:
http://www.dizerodireito.com.br/2013/09/recebimento-indevido-de-valores-e-dever.html
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