Os
governos das maiores economias do mundo e seus economistas não sabem o que
fazer com a pobreza dos seus trabalhadores. Na maior potência econômica do
planeta, uma sinistra metástase de pauperização absoluta da população assusta
não só os reformadores sociais, que gostariam de reverter a situação com a
nobre consciência dos capitalistas, quanto os próprios capitalistas – estes,
entretanto, não têm ideia de como poderiam mudar seu tradicional modus operandi
de engordar seus lucros sem emagrecer ainda mais seus trabalhadores.
A
economista Catherine Ruetschlin nos informa melhor sobre os sintomas mais
recentes dessa doença. “No decorrer dos dois últimos anos, o número de
americanos empobrecidos atingiu o nível mais alto de todos os tempos. As taxas
de pobreza dispararam durante 2008 e 2009, quando o país entrou na Grande
Recessão e o mercado de trabalho se contraiu, levando milhões de trabalhadores
a lutar com desemprego persistente ou aceitar trabalhos que oferecem baixos
salários e nenhuma segurança. Mas mesmo quando as firmas recuperaram seu ritmo
e ingressaram em novo período de recuperação, a pobreza não diminuiu.
Atualmente, mais de 46 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza nos
EUA, incluindo mais de 10 milhões de trabalhadores com emprego integral. Na
verdade, de 2010 a 2011, não houve alteração na taxa de pobreza dos EUA, mesmo
com o PIB crescendo 3% ao ano. Isso quer dizer que enquanto os negócios estão
voltando aos seus lucros anteriores, os benefícios da recuperação não
alcançaram os trabalhadores e famílias vivendo na parte de baixo da
distribuição da renda, onde o crescimento dos salários poderia tanto melhorar
as condições de vida quanto aumentar os gastos dos consumidores.” 1
Mesmo com
uma nova fase de expansão do capital e dos lucros, iniciada no 2º trimestre de
2009, a taxa de pobreza não diminuiu. Mas também não aumentou. Essa atual
lentidão no bombeamento da fração ativa do exército industrial de reserva
decorre da dinâmica particular dos diferentes ciclos econômicos. Em geral, os
movimentos de expansão e de contração do exército de reserva ocorrem na mesma
direção das fases de expansão e contração do capital, mas não na mesma
proporção. A proporção entre emprego da força de trabalho e produção de capital
também é particular a cada ciclo econômico. Depende das necessidades de
restauração da taxa média de lucro do ciclo anterior. O peso dessas
necessidades (e da pobreza) aumenta progressivamente, à cada recuperação das
crises parciais e abertura de novo período de expansão.
Na fase de
expansão que se desenrola atualmente nos EUA, por exemplo, iniciada no primeiro
trimestre de 2009, o contingente de desempregados pela crise parcial de
2008/2009 está retornando à produção mais lentamente que nos demais períodos de
expansão do pós-guerra. Isso explica, ainda na superfície do fenômeno, porque a
taxa de pobreza mais elevada do período pós-guerra mantem-se, ao mesmo tempo,
rígida à baixa. E será elevada para níveis inimagináveis com a explosão do
próximo período de crise.
Os pobres
pedem socorro – “Uma voz no helpline [telefone de socorro] está dizendo o que o
MacDonalds não vai atender: os trabalhadores da rede de fast-food (lanchonete)
precisam de ajuda”. Essa é a manchete de uma esclarecedora matéria de Susan
Berfield sobre a pobreza absoluta dos trabalhadores na maior empresa de
fast-food do mundo.2 E sobre quanto o pagamento abaixo do salário mínimo leva
os novos pobres da maior potência econômica mundial a pedir socorro publicamente
e entupir as agências de inscrição nos programas de governo de assistência aos
assalariados desprovidos de meios de sobrevivência.
A helpline
da McResourse, descoberta por Berfield, foi criada por um grupo de advogados
chamado Low Pay Is Not OK [Baixo Salário Não É Legal]. Vale a pena entrar no
site http://lowpayisnotok.org/mcvideo e ver um pouco da cara da classe
trabalhadora nos EUA. A galera da Low Pay Is Not OK oferece aos trabalhadores
do MacDonalds orientações de acesso às linhas de assistência públicas, do food
stamps (bolsa alimento) até o Medicaid (ajuda médica).
Quanto
menores os salários nas indústrias privadas, maiores as despesas nas contas
públicas. Esta correlação fatal é perfeitamente demonstrada, com abundância de
dados, por um estudo da economista Sylvia Allegretto e outros, da Universidade
da Califórnia, em Berkeley.3 A pesquisa focou na indústria de fast-food do
país. Mais da metade (52 por cento) das famílias dos trabalhadores desta
indústria está inscrita em um ou mais programas de assistência pública,
comparada com 25% da força de trabalho dos EUA como um todo. Só para essa
indústria o governo dos EUA gasta US$ 7 mil milhões por ano com assistências
públicas. Os trabalhadores do MacDonalds são socorridos com US$ 1.2 mil milhões
deste total. Uma média de US$ 3.9 mil milhões é destinada apenas para dois
programas: Medicaid e Programa de Seguro de Saúde para Crianças. O salário
médio na indústria de fast-food é de US$ 8.69 por hora, com muitos empregos
pagando o salário mínimo oficial (US$ 7.25/hora) ou perto. As pessoas
trabalhando em fast-food nos EUA estão na linha de pobreza ou perto dela. Uma
em cada cinco famílias com alguém empregado em fast-food tem um rendimento
abaixo da linha de pobreza. E 43 por cento delas tem um rendimento de duas
vezes a linha de pobreza oficial ou menos.
Um
problema que não é tratado na pesquisa de Allegretto é se a atual linha de
pobreza oficial bate com a realidade. Como o governo calcula a linha de
pobreza? Com que critérios? Isso tem a ver com a quantidade real de pessoas que
não ganha nem o necessário para se reproduzir e sua família.
Pauperismo
oficial – Quantos pobres existem nos EUA? Não acredite nos números oficiais.
Eles não contabilizam corretamente os trabalhadores que se encontram abaixo da
chamada linha de pobreza efetiva, quer dizer, que não dispõem de rendimento que
lhes permita adquirir ou alugar no mercado os meios necessários à reprodução de
uma família composta de um casal e duas crianças. É com uma velha metodologia,
que não é atualizada há cinquenta anos, que ainda se calcula o pauperismo
oficial nos EUA e quem, portanto, tem direito àquelas esmolas da burguesia como
food stamps (bolsa alimentação), housing assistance (bolsa moradia), Medicaid
(assistência médica), dentre outros.
Portanto,
a situação é mais grave do que parece, pois os recursos fiscais a serem
aprovadas para essas esmolas sociais seriam ainda maiores se os critérios
oficiais da linha de pobreza fossem atualizados. Nos EUA existem muito mais
mais pobres do que é noticiado oficialmente. Portanto, tem mais gente (quase o
dobro) com direito a procurar as agências do governo para não morrer de fome ou
de uma doença qualquer. Segundo o economista John E. Schwarz, da Universidade
do Arizona, em artigo publicado nesta semana no jornal The Los Angeles Times,
com a velha metodologia, o governo calcula a linha de pobreza atual em torno de
US$ 23.500, e não US$ 41.000, caso fosse atualizada. “Pelos padrões utilizados
pelo governo, só 15% dos americanos encontram-se abaixo da linha de pobreza.
Entretanto, mais de 35% da população tem um emprego que paga menos que o
salário mínimo (living wage), ou são desempregados procurando um emprego, e
também 10% da população que recebe pouco acima do salário mínimo. A
desatualizada linha da pobreza oficial provoca enormes repercussões para os
pobres, para os próximos da pobreza, e, na verdade, para toda economia… Muitos
americanos concordam com o novo valor a ser ajustado.
Em 2007,
Gallup descobriu que a faixa entre US$ 40.000, e US$ 45.000, é o rendimento
anual considerado ‘o menor rendimento que uma família de quatro pessoas
precisaria para se manter na sua comunidade’. Baseado em orçamentos e custos de
vida do Escritório de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos (BLS), é
preciso cerca de US$ 40.000, anuais, para uma família de dois adultos e duas
crianças serem capazes de alugar um minúsculo apartamento com dois dormitórios
e dispor de US$ 1,50 por pessoa para a refeição diária, sem contar o custo das
outras necessidades.”4 Essa reavaliação de Schwarz da linha de pobreza efetiva,
pode-se acrescentar, confirma-se também com os dados publicados pela União de
Bancos Suíços (UBS) em seu relatório sobre preços e rendimentos entre setenta e
duas cidades e cinquenta países.5
Armadilha
– O verdadeiro problema – que se dimensiona melhor com essa reavaliação de
Schwarz da verdadeira massa de pobres na ponta dos sistema – é que existe uma
perigosa armadilha para a burguesia norte-americana e seu governo. Já venceu
neste ano-fiscal, por exemplo, a verba federal que mantinha o food stamps – em
vigor desde 2009, auge do último período de crise parcial. Agora a verba corre
o risco de não ser renovada na polêmica discussão atual do Orçamento, limite da
dívida, etc.. Seria mais fogo na caldeira social.
Esses
programas sociais são o pavor do governo, dos deputados e senadores que aprovam
o Orçamento da União. Pode-se imaginar como estes senhores poderiam – só para
compensar o inevitável aumento das esmolas destinadas aos contingentes
esfomeados da ativa e da reserva do exército industrial – autorizar crescentes
cortes dos recursos alocados aos contingentes de mariners e “forças especiais”
do exército imperial espalhado pelos quatro cantos do mundo; ou ao patriótico
exército financeiro nacional que recebe, só do Fed, banco central dos EUA), US$
80 mil milhões mensais, etc.?
Terão
muita dificuldade para desarmar essa armadilha: no exterior, imobilidade da
máquina imperialista; no interior, rebelião social e guerra civil. Resta
verificar razões mais profundas (e irreversíveis) do capital que realmente
contam no desdobramento deste criativo apodrecimento da ordem burguesa na ponta
do sistema. No próximo boletim.
Por José
Martins
CRÍTICA
SEMANAL DA ECONOMIA
EDIÇÃO Nº
1168/1169 – Ano 28; 2ª Semana Outubro 2013.
Núcleo de
Educação Popular 13 de Maio – São Paulo, SP.
Tel. +55
11 92357060 ou +55 48 96409331
e-mail:
criticasemanal@uol.com.br
1
Catherine Ruetschlin – Retail’s Hidden Potential: How Raising Wages Would
Benefit Workers, the Industry and the Overall Economy [ O Potencial Invisível
do Varejo: Como o Aumento dos Salários Poderia Beneficiar Trabalhadores, a
Indústria e Toda a Economia] – in Demos, November 19, 2012
2 Susan Berfield – “A Help-Line Voice Saying What
McDonald’s Won’t: Fast-Food Workers Need Aid”, in Business Week,
25/Outubro/2013.
3 Sylvia Allegretto, Marc Doussard, Dave
Graham-Squire, Ken Jacobs, Dan Thompson and Jeremy Thompson – Fast Food,
Poverty Wages; The Public Cost of Low-Wage Jobs in the Fast-Food Industry
[Lanchonetes, Salários de Miséria; O Custo Público dos Empregos de Baixo
Salário na Indústria de Lanchonetes]– University of California, Berkeley,
Center for Labor Research and Education. 15/10/2013
4 John E. Schwarz, “ Recalibrating the poverty line.
The government’s figure doesn’t reflect the real number of poor people.” [Recalibrando a linha de
pobreza. Os números do governo não refletem o número real de pessoas pobres],
In The Los Angeles Times, 24/Out/2013
5 UBS –
Prices and Earnings; a comparison of purchasing power around the globe [Preços
e Rendimentos; comparação do poder de compra em todo o globo]– 2012 Edition
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