Em seu
novo livro, o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo, Ruy Braga,
utiliza os instrumentos teóricos da sociologia marxista crítica a fim de propor
uma leitura inovadora da história social do Brasil – do populismo fordista ao
atual lulismo hegemônico –, tendo como vetor analítico a “política do
precariado”. Definido como o
proletariado precarizado, o conceito de “precariado” situa esse grupo como
parte integrante da classe trabalhadora, enfatizando a precariedade como
inevitável no processo de mercantilização do trabalho.
Neste
livro ambicioso, Braga se coloca diante da tarefa
de decifrar a relação entre o proletariado precarizado e a hegemonia lulista.
Uma das inspirações do autor são as
análises afiadas de Francisco de Oliveira, que priorizaram a reflexão sobre a
“formação do avesso” ao demonstrar a despolitização da classe trabalhadora como
consequência do governo petista e das políticas públicas federais que
alimentaram na última década o mito da superação da crise por meio do aumento constante
do consumo popular. Em um trabalho de intensa acumulação crítica, Braga
também dialoga com André Singer e Jessé Souza em suas leituras do fenômeno
lulista. O livro é dividido em quatro capítulos, seguidos por uma coletânea de
artigos escritos ao longo de 2011 e 2012. Tais “intervenções” indicam de
maneira privilegiada o movimento de reflexão engajada de um pensador
profundamente atento às dinâmicas históricas de seu tempo e às manifestações
fragmentadas do processo de precarização em marcha.
O estudo
de Ruy Braga procura dar conta tanto dos
processos econômicos estruturais (o fordismo periférico, sua crise, a passagem
ao pós-fordismo financeirizado) como da dimensão subjetiva do proletariado
precarizado (a angústia dos subalternos, a inquietação operária, a pulsão
plebeia ou classista dos explorados). Essa atenção à subjetividade do proletariado precarizado, particularmente
desenvolvida no capítulo sobre os teleoperadores da indústria do call center,
forma atual do precariado brasileiro, é uma das contribuições mais
interessantes e originais para a análise da hegemonia em questão. Outro
diferencial inovador é insistência na
necessária reflexão sobre a política do precariado antes e depois do golpe
militar – o que resulta na ousada tese de que o lulismo se caracteriza pela
superação do populismo – no sentido da Aufhebung hegeliana: nega, conserva e
eleva a um patamar superior.
Tão
rigorosa quanto inovadora, essa obra é
também provocante a ponto de desmanchar consensos e “eminentemente radical,
crítica e subversiva”, nas palavras de Michael Löwy, autor do prefácio. Na contracorrente do consenso dominante, a
pesquisa de Ruy Braga indica que a despeito da relativa “satisfação” acusada
pelas eleições presidenciais, e da aparente estabilidade do modo de regulação
proporcionada pelo “transformismo” petista, a hegemonia lulista encontra-se
assentada em um terreno historicamente movediço. A instabilidade de base seria
resultado de um consentimento passivo das massas que aderiram momentaneamente
ao governo, seduzidas pelas políticas públicas redistributivas e pelos modestos
ganhos salariais advindos do crescimento econômico; e de um consentimento ativo
das direções sindicais, seduzidas por posições no aparato estatal, fora as
incontáveis vantagens materiais proporcionadas pelo controle dos fundos de
pensão.
Quando a
pulsão plebeia esmiuçada no livro volta a impulsionar a atividade grevista no
país, Ruy Braga nos impele a refletir sobre os limites do atual modelo de
desenvolvimento brasileiro. A política do precariado é, portanto, leitura
obrigatória para os que desejam entender e transformar o momento presente.
Sobre o
livro
“Por que
tantos trabalhos acadêmicos de sociologia são chatos? Uso a palavra ‘chato’ em
seus dois sentidos: ‘aborrecido’ e ‘achatado’, isto é, superficial, sem
profundidade. A resposta é simples: eles são conformistas, positivistas, sem
força crítica e sem radicalidade. Felizmente, existem pesquisas que vão
exatamente no sentido contrário. É o caso deste belo trabalho de Ruy Braga,
obra eminentemente radical, crítica e
subversiva, inspirada por um compromisso irredutível com a causa do
‘precariado’, sua autoatividade e sua luta emancipadora.” – Michael Löwy
Trecho do
livro
“O recente
aumento dos acidentes e das mortes no trabalho, a resiliência do número
absoluto de trabalhadores submetidos à informalidade, a concentração da massa
dos empregos na base da pirâmide salarial ou a elevação da taxa global de
rotatividade e de terceirização da força de trabalho dão ideia da desagregação
social que a ortodoxia rentista afiançada pela “Carta ao Povo Brasileiro”
assegurou ao país na década de 2000. Por seu lado, a teoria da formação da
“nova classe” somada à tese da hegemonia às avessas ajudaram a esboçar uma
resposta sociológica ao enigma da conversão do petismo ao rentismo globalizado:
para pilotar o modelo de desenvolvimento pós‑fordista no país sem romper com o ciclo da valorização financeira só
mesmo pacificando as fontes do trabalho barato, daí uma modesta desconcentração
de renda na base da
pirâmide salarial a fim de garantir uma severa concentração de capital
financeiro no cume do regime de acumulação. Tudo somado ao “transformismo” da
direção histórica dos movimentos sociais no país”.
Sobre Ruy
Braga
Ruy Braga
é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e
ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP (Cenedic). É
autor de A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade
salarial (Xamã, 2003) e um dos organizadores de Hegemonia às avessas: economia,
política e cultura na era da servidão financeira (Boitempo, 2010) e da
coletâneas de ensaios Infoproletários: Degradação real do trabalho virtual (com
Ricardo Antunes, 2009, Boitempo). Ruy Braga também é colunista do Blog da
Boitempo.
Sobre a
Coleção Mundo do Trabalho
Coordenada
por Ricardo Antunes, publica estudos sobre o trabalho, a sua centralidade na
sociedade capitalista, a análise do sindicalismo, questões de gênero e o
impacto das transformações trazidas pela globalização.
Título: A política do precariado
Subtítulo: do populismo à hegemonia lulista
Autor(a): Ruy Braga
Prefácio: Michael Löwy
Posfácio: Quarta capa: Peter Evans
Páginas: 264
Ano de publicação: 2012
ISBN: 978-85-7559-298-4
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