Ouvimos
Peter Birke, membro do grupo Blauer Montag (Hamburgo), do Die Linke e
historiador da Fundação Rosa Luxemburgo, sobre a situação social na Alemanha. /
Entrevista de Raquel Varela
Qual foi o
resultado das eleições alemãs?
Os
liberais e os conservadores têm agora uma maioria apertada, mas suficiente para
fazerem uma coligação de governo. Ambos são neoliberais, mas ainda não se
entendem em como vão vender a política, uma vez que os liberais têm uma base
francamente liberal e os conservadores têm eleitores cansados das políticas
neoliberais.
Como vês
os resultados do SPD e do Die Linke?
O SPD
(social-democrata) está em crise e teve o pior resultado desde a fundação da
República Federal Alemã. O Die Linke (A Esquerda) está a crescer, teve 12%. O
Die Linke foi buscar os votos ao SPD. Como nenhum dos partidos chegou a um
acordo, sobretudo porque o SPD se recusou a tal, são minoritários e por isso
estão fragilizados no Parlamento.
Como
explicas estes resultados?
Bom, há
muitos factores. A análise dos resultados eleitorais permitiu concluir que nas
regiões pobres da Alemanha, ou seja, na Alemanha do Leste ou nos bairros pobres
onde mora a classe trabalhadora das grandes cidades da Alemanha Ocidental, a
abstenção foi superior a 50%, enquanto nas regiões e bairros ricos a abstenção
foi de cerca de 20%. Os ricos foram votar e uma parte dos trabalhadores não.
Isso ajudou a direita a vencer as eleições.
Como
explicas isso, que os trabalhadores não vão votar?
Há uma
grande frustração na Alemanha com a política social-democrata e muitos não
confiam no Die Linke, que lhes oferece a mesma política, uma espécie de
social-democracia dos anos 70, mas que os trabalhadores não vêem como pode ser
aplicada. O Die Linke ganhou muitos votos, mas também perdeu muitos para a
abstenção.
Como
funcionam os sindicatos na Alemanha?
São poucos
e gigantes. São grandes sindicatos que funcionam em regime de cogestão. Os
representantes dos trabalhadores gerem, em minoria, as empresas capitalistas
com os patrões. Fazem parte dos conselhos de administração. É a isso que se
chama o «consenso alemão», a forma de evitar a luta de classes na Alemanha.
Dois dos maiores são o IG Metall, no sector industrial, e o Ver.di, nos
serviços. Em geral têm mantido uma política fortemente nacionalista de negociar
com os patrões a deslocalização das empresas, mantendo os postos de trabalho
alemães, sem nenhum tipo de solidariedade internacional. Isso não funciona.
E os
trabalhadores alemães não apoiam essa política? Por que dizes que isso não
funciona?
Porque não
salva os empregos dos alemães e os trabalhadores alemães estão a perceber isso.
É uma política aplicada desde a metade dos anos 90, com o início dos processos
de deslocalização, mas com o agravamento da crise tem ficado claro que não se
consegue ganhar empregos com essa política. Ainda ontem anunciaram o
despedimento de 10 000 trabalhadores num grande armazém.
Atribuis
essa política nacionalista à cogestão?
Sim,
claro. Essa política, como te disse, estava em crise, porque não está a
resultar. Agora, com a crise, os sindicatos tiveram um novo fôlego porque as
administrações precisam deles para acalmar a situação laboral e aceitam algumas
negociações.
É verdade
que há zonas no Ruhr, na Alemanha Ocidental, com 20% de desemprego?
Os números
têm sido muito ludibriados pelas estatísticas oficiais. Oficialmente há 5% de
desemprego na Alemanha do Sul e Ocidental, 10% no Norte e 20% no Leste, mas
este número em algumas zonas chega a duplicar e há zonas do Norte, ou bairros
de cidades, com 20% e no Leste com 40% de desemprego. Calcula-se que 40% da
população do bairro onde vivo em Hamburgo está desempregada.
É verdade
que 1/3 das crianças de Hamburgo passa por algum tipo de pobreza?
Não sei se
é esse número. Há um forte debate sobre a pobreza infantil a decorrer na
Alemanha. Sobretudo em Hamburgo porque é a cidade com mais ricos e com mais
pobres da Alemanha e há crianças pobres na rua. É uma pobreza chocante, mas não
sei se é esse número. Tenho, sim, a certeza de que há um sentimento maioritário
na sociedade de que o capitalismo não consegue organizar a vida das pessoas, o
seu bem-estar (a sociedade alemã mudou muito nos últimos anos a este respeito),
mas também sei que a maioria não tem clareza sobre as alternativas.
Por todo o
lado a contra-revolução assume-se também sob a forma de colocar as pessoas num
estado vegetativo, mas que impede explosões sociais (bolsa família, cesta
básica, rendimento mínimo). Como funcionam as ajudas sociais aí?
Ao abrigo
da lei Hartz IV, os desempregados, depois de, consoante a idade, terem gasto as
suas poupanças pessoais (lei que motivou grandes protestos em 2005 na
Alemanha), recebem cerca de 300 euros para alojamento e outro tanto para
alimentação.
Caixa:
Os
Sindicatos na Alemanha
O IG Metall
é o maior sindicato da Alemanha com 2,333 milhões de filiados. Representa os
trabalhadores da indústria metalúrgica, automóvel, têxtil, electrónica,
madeira, plásticos e comunicação tecnológica. O Ver.di é um sindicato que
representa mais de mil categorias profissionais, essencialmente funcionários
públicos e serviços, na área da saúde, educação, telecomunicações, indústria,
serviços de correios, bancos. Tem cerca de 2,2 milhões de filiados. Ambos são
filiados na central sindical DGB, que tem 8 sindicatos e mais de 6,7 milhões de
filiados. / Raquel Varela
Caixa:
De derrota
em derrota…
Nas
negociações da Volkswagen, em 2007, quem trabalhava 4 dias por semana, 28
horas, passou a trabalhar 33 horas semanais, sem aumento de salário, tudo com o
aval do sindicalista e cogestor Hans-Jürgen Uhl. Nas negociações, em
contrapartida, o sindicato teve como promessa que a produção do Volkswagen Golf
iria continuar na Alemanha, o que teve como resultado o encerramento da
produção na cidade de Bruxelas, mandando 3300 trabalhadores belgas para a rua.
A partir da década de 90 foram as direcções sindicais a servir de
intermediários na chantagem sobre os trabalhadores de base, levando-os a
aceitarem o aumento da jornada de trabalho sem aumento salarial, banco de
horas, redução de direitos, tudo sob a espada de dâmocles da deslocalização. O
resultado desta política de cogestão foi que os capitalistas alemães foram
mantendo as taxas de lucro com a maior exploração dos trabalhadores
(produtividade), os trabalhadores perderam regalias, mas também o emprego, uma
vez que a curto prazo (5, 10 anos) essas negociações não evitaram a
deslocalização das empresas, que hoje atinge entre 10 e 40% da população alemã,
dependendo das regiões. / RV
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