Delegação do Brasil (Bancada dos Trabalhadores na CIT/OIT) em Genebra |
Intervenção no Caso do Brasil
Autoria
e apresentação: Antonio Lisboa
- Senhor presidente, em nome das centrais sindicais brasileiras, gostaria de cumprimenta-lo pelo excelente trabalho na condução desta importante comissão. Cumprimento também a todos os delegados e delegadas presentes, na figura de seus porta-vozes.
- Para nós, trabalhadores, o Comitê de Peritos desempenha uma função insubstituível no sistema tripartite desta organização. A técnica e a imparcialidade dos peritos não podem ser questionadas ou colocadas em dúvida só porque seus comentários podem ser, eventualmente, desfavoráveis a nossas proposições. A função dos peritos é imprescindível na orientação dos debates capazes de gerar o necessário equilíbrio dessa organização. Aqueles que atacam o comitê de peritos, atacam a própria organização.
- A gravidade das violações trazidas pela lei 13.467 se reflete nas severas observações e solicitações ao Governo Brasileiro, contidas na página 65 (versão em espanhol).
- Este caso é o mais grave ataque aos direitos dos Trabalhadores em toda a história de nosso país; é o mais grave ataque aos direitos sindicais da história brasileira; é uma grave violação às Convenções 98 e 154; é, por fim, um grave desrespeito à OIT e seus órgãos de controle.
- Parte relevante de nossa discussão foi iniciada ainda no ano de 2001, repito: no ano de 2001, quando o Governo Brasileiro pretendeu aprovar uma lei que permitiria a retirada de direitos dispostos em lei por meio de negociações coletivas. Em 2002, repito: no ano de 2002 respondendo a consulta formulada pela CUT Brasil, o Departamento de Normas afirmou de forma clara que a possibilidade de uma negociação coletiva retirar direitos disposta na legislação nacional, sim, viola as convenções 98 e 154. Portanto, ao contrário do que afirma o governo em seu informe a esta comissão, este debate não é novo.
- Em 23 de dezembro de 2016, o Governo apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que alterava 7 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho[1], nossa mais importante norma trabalhista. Posteriormente, em 12 de abril de 2017, o relator do projeto apresentou seu parecer, propondo mais de 100 alterações adicionais, nenhuma proposta por trabalhadores ou feita em consulta com os trabalhadores. Ressalto que consultas feitas no âmbito legislativo não atendem aos requisitos mínimos do tripartismo. Além da absoluta falta de consulta aos representantes dos trabalhadores, nem mesmo importantes setores ligados ao mundo do trabalho como a Associação Nacional dos Juízes do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho ou a Associação de Advogados Trabalhistas foram ouvidos.
- Em abril de 2017, o Ministério Público do Trabalho, órgão que integra o Estado Brasileiro, apresentou uma carta ao Departamento de Normas demonstrando sua preocupação com o projeto de lei. Em resposta, o Departamento reiterou a posição oferecida ainda em 2002 e reafirmou expressamente que a negociação coletiva não pode retirar direitos previstos em lei, sob pena de violação às Convenções 98 e 154.
- Caros Delegados, apesar da grande publicidade dada às consultas e ao conteúdo do Relatório do Comitê de Peritos, o projeto da Reforma Trabalhista foi aprovado em julho de 2017, e, repito, sem que os trabalhadores fossem efetivamente consultados. O princípio do diálogo social pressupõe consultas exaustivas aos interlocutores sociais, o que definitivamente não ocorreu.
- A lei traz um enfraquecimento geral de todo o sistema de proteção dos trabalhadores, atacando a organização sindical e o direito dos trabalhadores de buscar auxilio judicial para suas demandas, impondo pesados ônus financeiros àqueles que o fazem. Nesse tema repudiamos qualquer prática no sentido de constranger e perseguir Magistrados do Trabalho que na sua atividade jurisdicional têm aplicado a lei sob enfoque jurídico distinto.
- Com o argumento de modernizar as relações laborais no Brasil, a nova lei, em verdade, é um retorno a parâmetros pré-modernos de relações jurídicas, pautadas pela ideia há muito superada, da plena liberdade de contratação, como se as duas partes de uma relação laboral dispusessem dos mesmos poderes de negociação. Esse retrocesso fica claro quando a lei permite que negociações individuais revoguem a aplicação de acordos ou convenções coletivas em nítida violação ao art. 4 da Convenção 98.
- Em novembro de 2017, momento em que a lei entrou em vigor, dados do IBGE, instituto oficial do estado brasileiro, registraram taxa de desemprego de 12,2%. Pois bem, dados do mesmo instituto, em abril de 2018, registraram um aumento para 13,1%, equivalendo a 13,7 milhões de desempregados. Soma-se a isso, 7,8 milhões de desalentados (trabalhadores potenciais que desistiram de buscar emprego), e 6,2 milhões de subocupados. Portanto, um total de 27,7 milhões de brasileiros - 24,7% da população economicamente ativa. Ou seja, a reforma, não só não gerou o prometido emprego como aumentou os índices de desocupação.
- A propaganda governamental de que a nova lei serve para a promoção da negociação coletiva não passa de mais um mito. Estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de São Paulo indicou queda de 34% no número de acordos coletivos nos primeiros meses de 2018. Portanto, ao contrário do que se procura fazer crer, a nova lei promove a negociação individual ao invés da negociação coletiva.
- A lei 13.467 permite que a negociação coletiva prevaleça sobre o legislado ainda que para retirar direitos; permite que o acordo coletivo ou acordo por empresa prevaleça sobre a convenção; permite, como já citamos, que acordos individuais excluam trabalhadores da proteção conferida pelos Acordos e Convenções - claras violações à Convenção 98.
- A Reforma atacou duramente a organização sindical, na medida em que extinguiu o modelo então existente de financiamento, sem criar um modelo alternativo. Para além disso, os sindicatos estão impedidos de aprovar em assembleia taxas ou contribuições para seu sustento, violando mais uma vez a Convenção 98. É impossível fortalecer a negociação coletiva fragilizando os sindicatos.
- Senhor presidente, conforme demostramos, a Reforma Trabalhista viola claramente as convenções 98 e 154. A Reforma não é apenas a lei, mas uma postura frente ao sistema de regulação das relações laborais, que retira direitos, ataca os sindicatos, promove a negociação individual em detrimento da negociação coletiva e distancia o Brasil da Agenda de Trabalho Decente. Por essa razão, consideramos que não há caminho no sentido da proteção aos trabalhadores que não seja a revogação da lei 13.467/2017.
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É com grande pesar que hoje me dirijo a esta Comissão. Estamos testemunhando um jogo político que não deveria ter lugar nesta organização e que depõe contra a qualidade do sistema de supervisão normativa cujo fortalecimento sempre defendemos.
Membro fundador, o Brasil ratificou 97 Convenções da OIT, das quais 80 encontram-se em vigor. Somos um dos Estados mais expostos à supervisão normativa da organização. Nosso desempenho no contexto dos mecanismos de controle da OIT é exemplar.
Todos os anos, o Governo brasileiro apresenta a integralidade das suas Memórias, demonstrando a plena vigência e implementação dos instrumentos que ratificamos. Além disso, reúne-se periodicamente a Comissão Tripartite de Relações Internacionais, espaço em que as normas da OIT e sua aplicação são amplamente discutidas, em plena aplicação do diálogo social promovido pela Convenção 144.
O respeito do Brasil aos mecanismos de controle da Organização Internacional do Trabalho evidencia-se, ainda, pelo compromisso em responder prontamente a todos as observações e pedidos de informações dos órgãos de controle.
Com todas essas credenciais, e sem motivos que justificassem a urgência desse exame, é difícil entender por que os peritos, descumprindo seu mandato de analisar a aplicação dos instrumentos da OIT na lei e na prática, não esperaram o ciclo regular de memórias para tratar da aplicação da Lei 13.467/2017, prejulgada em importantes aspectos já alguns dias após sua entrada em vigor. Tão apressada foi essa análise que até os artigos das normas examinadas estavam trocados.
Por ser um país comprometido com a OIT e com seu sistema de supervisão normativa, causa-nos grande desconforto o tratamento enviesado, parcial e pouco técnico do caso brasileiro.
Com isso, a OIT se torna peça de manobra em um jogo em que se combinam motivações político-partidárias e interesses corporativos, como as barulhentas e desrespeitosas manifestações nos últimos dias evidenciam.
Não são os trabalhadores que estão sendo prejudicados pela modernização, mas alguns sindicatos acostumados a viver à sombra do Estado e sem nenhum compromisso com os trabalhadores que dizem representar.
A prova cabal disso é que das mais de duas dezenas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram propostas no Supremo Tribunal Federal contra pontos da reforma, nenhuma - repito, nenhuma - trata dos pontos objeto de observação das centrais ao Comitê de Peritos. Dois terços delas, por outro lado, tratam do fim do imposto sindical, o verdadeiro motivo por trás dos ataques ao Governo.
Por que o fim do imposto sindical não é questionado na OIT, se é tão atacado em casa? Porque se essa medida, que aproxima o Brasil da imensa maioria dos países do mundo e promove a autonomia e independência dos sindicatos, conforme preconizado pela Convenção 98, fosse questionada, estaria evidenciada a fragilidade de todo o caso levantado pelas centrais.
Pôs-se fim, com a reforma, a uma provisão que foi criada, nos anos 1940 por um Governo que queria os sindicatos sob seu controle e que se inspirara, para tanto, na experiência da Itália de Mussolini. Para alguns, isso parece ser uma situação defensável ainda hoje.
O Comitê de Peritos afirma que a possibilidade hipotética de que negociações possam modificar provisões legais mais favoráveis aos trabalhadores desestimularia negociações coletivas e, portanto, seria contrária aos objetivos da Convenção 98, em análise que serve como uma luva à tese de alguns grupos políticos de que o Governo estaria promovendo a precarização do trabalho.
O Comitê esquece que só haverá precarização se os sindicatos assim o desejarem, voluntariamente preferindo pactuar um acordo ruim a permanecer com as provisões legais; se os órgãos de fiscalização laboral não funcionarem; se a justiça do trabalho não existir; se a Constituição da República for rasgada. Nada disso aconteceu nem acontecerá.
Esquece de dizer que os sindicatos não são obrigados a pactuar condições menos favoráveis do que a lei e que uma negociação que não preveja a possibilidade de concessões de lado a lado, só assegurando vantagens a uma das partes, não oferecerá à outra qualquer incentivo para negociar. É princípio básico de qualquer negociação que haja concessões de lado a lado.
Mas parece que os peritos nunca participaram de uma negociação coletiva.
Em países como o Brasil, que possuem uma legislação trabalhista extremamente ampla e detalhada, querer amarrar as negociações coletivas somente a pontos não cobertos pela legislação ou acima das provisões legais, seria reduzir de maneira irracional seu escopo e alcance, contrariamente ao que a C.98 estabelece quando determina que o Governo promova negociações o mais amplas possíveis. Isso se reconhece no Manual da OIT sobre o tema e tem sido reafirmado reiteradamente pela Comissão de Liberdade Sindical, em em larga jurisprudênciarecomendações recorrentes.
Mas parece que os peritos não estão familiarizados com os trabalhos técnicos da OIT.
O Comitê de Peritos também se esquece de mencionar que, no sistema legal brasileiro, um conjunto amplo de direitos trabalhistas possui proteção constitucional, não sendo passível de revogação por nenhuma reforma, nem mesmo reforma à própria Constituição, direitos esses que foram acolhidos pela Lei 13467/2017.
Também se esquece de mencionar que as 80 Convenções que estão em vigor no Brasil fazem parte do nosso ordenamento jurídico, não sendo afetadas pela presente reforma.
Mas parece que os peritos não sabem como funciona o sistema legal brasileiro, ainda que reconheçam, no estudo geral, de forma algo contraditória com suas observações sobre as alegações das centrais, que a proteção constitucional assegurada a eles no Brasil é exemplo que deve ser copiado.
Esses direitos, cabe reiterar, não são passíveis de derrogação e foram expressamente excluídos da possibilidade de qualquer negociação, o que prova que o objetivo da reforma não foi revogar direitos, mas, consolidando-os, garantir o maior espaço possível para a negociação coletiva, assim implementando de maneira mais efetiva o que a C.98 estabelece.
Mas não foi só isso que o Comitê de Peritos esqueceu de mencionar, ao especular sobre possíveis efeitos da reforma.
O Comitê também esqueceu de mencionar que, no Brasil, era comum no passado a anulação de cláusulas trabalhistas de acordos coletivos, ou de acordos inteiros, pelo judiciário, em razão de julgados sem qualquer amparo legal objetivo, o que gerava insegurança jurídica e desestimulava, mais uma vez, a negociação coletiva.
Somente dando força de lei aos acordos e protegendo-os desse tipo de desrespeito paternalista à autonomia da vontade das partes – por meio da prevalência do negociado sobre o legislado – é que se pode, efetivamente, prestigiar a negociação coletiva, como defendido pela OIT.
Mas parece que os peritos não levaram em conta as condições nacionais na análise do caso brasileiro.
Causa surpresa ainda que centrais sindicais questionem esse ponto, já que a lei incorpora aqui proposta feita originalmente em 2011 por um dos maiores e mais fortes sindicatos do país – o sindicato dos metalúrgicos do ABC.
Ao que tudo indica, parece que o projeto é bom, mas foi apresentado na hora errada, pelo Governo errado.
Alega-se que a prevalência do negociado sobre o legislado abre a possibilidade de que sindicatos negociem em desfavor dos trabalhadores.
Não é essa a experiência que temos com negociação coletiva no Brasil, porém. Estudos mostram que, em 2016, ano de forte crise econômica no país, mais da metade dos sindicatos negociou reajustes salariais acima da inflação, enquanto a imensa maioria logrou garantir a preservação do emprego num momento em que as demissões avultavam.
Verifica-se que, desde a aprovação da nova lei, os sindicatos no Brasil já estão incorporando nos acordos e convenções coletivos as provisões contidas no novo ordenamento, o que mostra não ter havido desestímulo às negociações coletivas com a nova legislação.
Mas parece que quando a análise prática desmente as teorias que melhor servem aos interesses políticos, é melhor ignorar a prática e aferrar-se às teorias.
Além das garantias constitucionais, os trabalhadores contam com a proteção do sistema de homologação de convenções e acordos coletivos, que exige a comprovação de que o acordo foi aprovado em assembleia representativa da categoria; contam com o sistema de inspeção do trabalho, composto por profissionais de carreira aptos a identificar e combater administrativamente fraudes e violações; contam com o ministério público do trabalho, único no mundo, que sempre pode provocar uma ação judicial quando perceber descumprimento de preceito legal, como tem feito, e contam com a própria justiça do trabalho, com profissionais especializados que, em 2017, antes da entrada em vigor da nova lei, receberam mais de 4 milhões de ações novas.
O Comitê esquece-se de dizer, ainda, que, no Brasil, há muitos sindicatos – hoje são 17.509 entidades sindicais registradas – e muitos tem feito muito pouco pelos seus representados.
Não é difícil saber por que são tantos, em evidente discrepância com o resto do mundo. Com a contribuição compulsória, um sindicato não precisava ser representativo nem defender os interesses dos trabalhadores para existir, já que a renda garantida pelo Estado – e que em 2017 chegou a mais de 4 bilhões de Reais (ou 1,25 bilhão de dólares) – era razão suficiente para sua existência, numa clara distorção dos valores que devem orientar e justificar a organização sindical.
Por isso, a mesma reforma que privilegiou a negociação coletiva também promoveu a independência dos sindicatos, algo que está no cerne da Convenção 98 e que os peritos preferem não mencionar.
É porque a reforma acaba com esse estado de coisas – e não pelos pontos levantados pelas centrais nas observações aos peritos - que está sendo atacada. Os sindicatos terão de trabalhar muito mais agora, terão de negociar muito mais. E empregadores e trabalhadores, como um todo, ganharão muito com isso.
Está claro que não há motivos técnicos para que o caso do Brasil seja examinado por esta Comissão e é lamentável que a Organização tenha se deixado instrumentalizar politicamente dessa maneira.
Mas, como se vê, barganhas políticas mantidas em sigilo podem ser mais decisivas do que os méritos técnicos do caso.
Como demonstramos, análises apressadas e sem base técnica podem ser suficientes para expor um país, se os interesses políticos assim o requerem, e levá-lo a prestar esclarecimentos a esta Comissão, descrita nos meios de imprensa brasileira, num ano eleitoral, como se fosse um verdadeiro tribunal da inquisição, não importa o quanto o país esteja comprometido em cumprir com suas obrigações.
Tal sistema não atende às demandas e desafios do mundo do trabalho, nem as expectativas que temos em relação à OIT. Num momento em que a Organização se aproxima de seu centenário, é chegada a hora de reformar o sistema de forma a torná-lo mais coerente com o mundo do trabalho e com princípios democráticos e inclusivos, como o devido processo, que é exigido de todas as agências do sistema ONU. Tripartismo, ou bipartismo, não é um cheque em branco para se fazer o que se quiser.
Há muitos anos, o Grupo que reúne os 33 países da América Latina e Caribe – GRULAC – vem denunciando esse estado de coisas e é solenemente ignorado.
Está na hora de começar a ouvir o que temos dito, pois o sistema de supervisão normativa corre o sério risco de perder credibilidade e, com isso, tornar-se irrelevante.
Numa organização tripartite, causa espanto que não haja nada de tripartite no sistema regular de supervisão normativa.
Diferentemente de outras agências, os governos não têm papel na seleção de peritos ou na definição de métodos de trabalho.
Diferentemente de outras agências, não há método efetivamente universal de supervisão normativa, o que faz parecer que é sempre o mesmo grupo de países que descumpre seus compromissos. Essa situação privilegia a seletividade à transparência e universalidade.
Reitero a falta de consenso quanto os métodos de trabalho correntes desta Comissão.
Se quisermos aumentar o nível de cumprimento e apoio aos instrumentos da OIT, devemos incluir as perspectivas dos governos na elaboração das listas, de forma a que obedeçam a critérios técnicos; na redação de conclusões, para que sejam efetivamente implementadas; e no que diz respeito aos métodos de trabalho em geral, para que sejam prestigiados.
A composição do Comitê de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações (CEACR) também deve ser revisada para refletir a diversidade e a qualidade técnica que esperamos desse órgão.
Os critérios para a elaboração das listas de casos a serem examinados também devem ser reexaminados, de forma a assegurar que as decisões sejam exclusivamente de natureza técnica.
O Brasil tem interesse em continuar o debate com os atores sociais com vistas a aprimorar sua legislação trabalhista e está preparado para isso.
Permanecemos comprometidos com nossas obrigações junto à OIT e estamos convencidos de que não violamos nenhuma convenção com a modernização de nossa legislação.
Ao contrário, a lei 13.467, de 2017, promove e reforça a negociação coletiva, conferindo plena eficácia à Convenção 98.
Instamos a uma profunda mudança no sistema antes que seja tarde e nos colocamos à disposição para empreender de boa fé um esforço coletivo para melhorar o sistema para todos.
Obrigado.
Ministro do Trabalho da República Federativa do Brasil (Discurso proferido na Comissão de Normas)
Senhor Presidente,
É com grande pesar que hoje me dirijo a esta Comissão. Estamos testemunhando um jogo político que não deveria ter lugar nesta organização e que depõe contra a qualidade do sistema de supervisão normativa cujo fortalecimento sempre defendemos.
Membro fundador, o Brasil ratificou 97 Convenções da OIT, das quais 80 encontram-se em vigor. Somos um dos Estados mais expostos à supervisão normativa da organização. Nosso desempenho no contexto dos mecanismos de controle da OIT é exemplar.
Todos os anos, o Governo brasileiro apresenta a integralidade das suas Memórias, demonstrando a plena vigência e implementação dos instrumentos que ratificamos. Além disso, reúne-se periodicamente a Comissão Tripartite de Relações Internacionais, espaço em que as normas da OIT e sua aplicação são amplamente discutidas, em plena aplicação do diálogo social promovido pela Convenção 144.
O respeito do Brasil aos mecanismos de controle da Organização Internacional do Trabalho evidencia-se, ainda, pelo compromisso em responder prontamente a todos as observações e pedidos de informações dos órgãos de controle.
Com todas essas credenciais, e sem motivos que justificassem a urgência desse exame, é difícil entender por que os peritos, descumprindo seu mandato de analisar a aplicação dos instrumentos da OIT na lei e na prática, não esperaram o ciclo regular de memórias para tratar da aplicação da Lei 13.467/2017, prejulgada em importantes aspectos já alguns dias após sua entrada em vigor. Tão apressada foi essa análise que até os artigos das normas examinadas estavam trocados.
Por ser um país comprometido com a OIT e com seu sistema de supervisão normativa, causa-nos grande desconforto o tratamento enviesado, parcial e pouco técnico do caso brasileiro.
Com isso, a OIT se torna peça de manobra em um jogo em que se combinam motivações político-partidárias e interesses corporativos, como as barulhentas e desrespeitosas manifestações nos últimos dias evidenciam.
Não são os trabalhadores que estão sendo prejudicados pela modernização, mas alguns sindicatos acostumados a viver à sombra do Estado e sem nenhum compromisso com os trabalhadores que dizem representar.
A prova cabal disso é que das mais de duas dezenas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram propostas no Supremo Tribunal Federal contra pontos da reforma, nenhuma - repito, nenhuma - trata dos pontos objeto de observação das centrais ao Comitê de Peritos. Dois terços delas, por outro lado, tratam do fim do imposto sindical, o verdadeiro motivo por trás dos ataques ao Governo.
Por que o fim do imposto sindical não é questionado na OIT, se é tão atacado em casa? Porque se essa medida, que aproxima o Brasil da imensa maioria dos países do mundo e promove a autonomia e independência dos sindicatos, conforme preconizado pela Convenção 98, fosse questionada, estaria evidenciada a fragilidade de todo o caso levantado pelas centrais.
Pôs-se fim, com a reforma, a uma provisão que foi criada, nos anos 1940 por um Governo que queria os sindicatos sob seu controle e que se inspirara, para tanto, na experiência da Itália de Mussolini. Para alguns, isso parece ser uma situação defensável ainda hoje.
O Comitê de Peritos afirma que a possibilidade hipotética de que negociações possam modificar provisões legais mais favoráveis aos trabalhadores desestimularia negociações coletivas e, portanto, seria contrária aos objetivos da Convenção 98, em análise que serve como uma luva à tese de alguns grupos políticos de que o Governo estaria promovendo a precarização do trabalho.
O Comitê esquece que só haverá precarização se os sindicatos assim o desejarem, voluntariamente preferindo pactuar um acordo ruim a permanecer com as provisões legais; se os órgãos de fiscalização laboral não funcionarem; se a justiça do trabalho não existir; se a Constituição da República for rasgada. Nada disso aconteceu nem acontecerá.
Esquece de dizer que os sindicatos não são obrigados a pactuar condições menos favoráveis do que a lei e que uma negociação que não preveja a possibilidade de concessões de lado a lado, só assegurando vantagens a uma das partes, não oferecerá à outra qualquer incentivo para negociar. É princípio básico de qualquer negociação que haja concessões de lado a lado.
Mas parece que os peritos nunca participaram de uma negociação coletiva.
Em países como o Brasil, que possuem uma legislação trabalhista extremamente ampla e detalhada, querer amarrar as negociações coletivas somente a pontos não cobertos pela legislação ou acima das provisões legais, seria reduzir de maneira irracional seu escopo e alcance, contrariamente ao que a C.98 estabelece quando determina que o Governo promova negociações o mais amplas possíveis. Isso se reconhece no Manual da OIT sobre o tema e tem sido reafirmado reiteradamente pela Comissão de Liberdade Sindical, em em larga jurisprudênciarecomendações recorrentes.
Mas parece que os peritos não estão familiarizados com os trabalhos técnicos da OIT.
O Comitê de Peritos também se esquece de mencionar que, no sistema legal brasileiro, um conjunto amplo de direitos trabalhistas possui proteção constitucional, não sendo passível de revogação por nenhuma reforma, nem mesmo reforma à própria Constituição, direitos esses que foram acolhidos pela Lei 13467/2017.
Também se esquece de mencionar que as 80 Convenções que estão em vigor no Brasil fazem parte do nosso ordenamento jurídico, não sendo afetadas pela presente reforma.
Mas parece que os peritos não sabem como funciona o sistema legal brasileiro, ainda que reconheçam, no estudo geral, de forma algo contraditória com suas observações sobre as alegações das centrais, que a proteção constitucional assegurada a eles no Brasil é exemplo que deve ser copiado.
Esses direitos, cabe reiterar, não são passíveis de derrogação e foram expressamente excluídos da possibilidade de qualquer negociação, o que prova que o objetivo da reforma não foi revogar direitos, mas, consolidando-os, garantir o maior espaço possível para a negociação coletiva, assim implementando de maneira mais efetiva o que a C.98 estabelece.
Mas não foi só isso que o Comitê de Peritos esqueceu de mencionar, ao especular sobre possíveis efeitos da reforma.
O Comitê também esqueceu de mencionar que, no Brasil, era comum no passado a anulação de cláusulas trabalhistas de acordos coletivos, ou de acordos inteiros, pelo judiciário, em razão de julgados sem qualquer amparo legal objetivo, o que gerava insegurança jurídica e desestimulava, mais uma vez, a negociação coletiva.
Somente dando força de lei aos acordos e protegendo-os desse tipo de desrespeito paternalista à autonomia da vontade das partes – por meio da prevalência do negociado sobre o legislado – é que se pode, efetivamente, prestigiar a negociação coletiva, como defendido pela OIT.
Mas parece que os peritos não levaram em conta as condições nacionais na análise do caso brasileiro.
Causa surpresa ainda que centrais sindicais questionem esse ponto, já que a lei incorpora aqui proposta feita originalmente em 2011 por um dos maiores e mais fortes sindicatos do país – o sindicato dos metalúrgicos do ABC.
Ao que tudo indica, parece que o projeto é bom, mas foi apresentado na hora errada, pelo Governo errado.
Alega-se que a prevalência do negociado sobre o legislado abre a possibilidade de que sindicatos negociem em desfavor dos trabalhadores.
Não é essa a experiência que temos com negociação coletiva no Brasil, porém. Estudos mostram que, em 2016, ano de forte crise econômica no país, mais da metade dos sindicatos negociou reajustes salariais acima da inflação, enquanto a imensa maioria logrou garantir a preservação do emprego num momento em que as demissões avultavam.
Verifica-se que, desde a aprovação da nova lei, os sindicatos no Brasil já estão incorporando nos acordos e convenções coletivos as provisões contidas no novo ordenamento, o que mostra não ter havido desestímulo às negociações coletivas com a nova legislação.
Mas parece que quando a análise prática desmente as teorias que melhor servem aos interesses políticos, é melhor ignorar a prática e aferrar-se às teorias.
Além das garantias constitucionais, os trabalhadores contam com a proteção do sistema de homologação de convenções e acordos coletivos, que exige a comprovação de que o acordo foi aprovado em assembleia representativa da categoria; contam com o sistema de inspeção do trabalho, composto por profissionais de carreira aptos a identificar e combater administrativamente fraudes e violações; contam com o ministério público do trabalho, único no mundo, que sempre pode provocar uma ação judicial quando perceber descumprimento de preceito legal, como tem feito, e contam com a própria justiça do trabalho, com profissionais especializados que, em 2017, antes da entrada em vigor da nova lei, receberam mais de 4 milhões de ações novas.
O Comitê esquece-se de dizer, ainda, que, no Brasil, há muitos sindicatos – hoje são 17.509 entidades sindicais registradas – e muitos tem feito muito pouco pelos seus representados.
Não é difícil saber por que são tantos, em evidente discrepância com o resto do mundo. Com a contribuição compulsória, um sindicato não precisava ser representativo nem defender os interesses dos trabalhadores para existir, já que a renda garantida pelo Estado – e que em 2017 chegou a mais de 4 bilhões de Reais (ou 1,25 bilhão de dólares) – era razão suficiente para sua existência, numa clara distorção dos valores que devem orientar e justificar a organização sindical.
Por isso, a mesma reforma que privilegiou a negociação coletiva também promoveu a independência dos sindicatos, algo que está no cerne da Convenção 98 e que os peritos preferem não mencionar.
É porque a reforma acaba com esse estado de coisas – e não pelos pontos levantados pelas centrais nas observações aos peritos - que está sendo atacada. Os sindicatos terão de trabalhar muito mais agora, terão de negociar muito mais. E empregadores e trabalhadores, como um todo, ganharão muito com isso.
Está claro que não há motivos técnicos para que o caso do Brasil seja examinado por esta Comissão e é lamentável que a Organização tenha se deixado instrumentalizar politicamente dessa maneira.
Mas, como se vê, barganhas políticas mantidas em sigilo podem ser mais decisivas do que os méritos técnicos do caso.
Como demonstramos, análises apressadas e sem base técnica podem ser suficientes para expor um país, se os interesses políticos assim o requerem, e levá-lo a prestar esclarecimentos a esta Comissão, descrita nos meios de imprensa brasileira, num ano eleitoral, como se fosse um verdadeiro tribunal da inquisição, não importa o quanto o país esteja comprometido em cumprir com suas obrigações.
Tal sistema não atende às demandas e desafios do mundo do trabalho, nem as expectativas que temos em relação à OIT. Num momento em que a Organização se aproxima de seu centenário, é chegada a hora de reformar o sistema de forma a torná-lo mais coerente com o mundo do trabalho e com princípios democráticos e inclusivos, como o devido processo, que é exigido de todas as agências do sistema ONU. Tripartismo, ou bipartismo, não é um cheque em branco para se fazer o que se quiser.
Há muitos anos, o Grupo que reúne os 33 países da América Latina e Caribe – GRULAC – vem denunciando esse estado de coisas e é solenemente ignorado.
Está na hora de começar a ouvir o que temos dito, pois o sistema de supervisão normativa corre o sério risco de perder credibilidade e, com isso, tornar-se irrelevante.
Numa organização tripartite, causa espanto que não haja nada de tripartite no sistema regular de supervisão normativa.
Diferentemente de outras agências, os governos não têm papel na seleção de peritos ou na definição de métodos de trabalho.
Diferentemente de outras agências, não há método efetivamente universal de supervisão normativa, o que faz parecer que é sempre o mesmo grupo de países que descumpre seus compromissos. Essa situação privilegia a seletividade à transparência e universalidade.
Reitero a falta de consenso quanto os métodos de trabalho correntes desta Comissão.
Se quisermos aumentar o nível de cumprimento e apoio aos instrumentos da OIT, devemos incluir as perspectivas dos governos na elaboração das listas, de forma a que obedeçam a critérios técnicos; na redação de conclusões, para que sejam efetivamente implementadas; e no que diz respeito aos métodos de trabalho em geral, para que sejam prestigiados.
A composição do Comitê de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações (CEACR) também deve ser revisada para refletir a diversidade e a qualidade técnica que esperamos desse órgão.
Os critérios para a elaboração das listas de casos a serem examinados também devem ser reexaminados, de forma a assegurar que as decisões sejam exclusivamente de natureza técnica.
O Brasil tem interesse em continuar o debate com os atores sociais com vistas a aprimorar sua legislação trabalhista e está preparado para isso.
Permanecemos comprometidos com nossas obrigações junto à OIT e estamos convencidos de que não violamos nenhuma convenção com a modernização de nossa legislação.
Ao contrário, a lei 13.467, de 2017, promove e reforça a negociação coletiva, conferindo plena eficácia à Convenção 98.
Instamos a uma profunda mudança no sistema antes que seja tarde e nos colocamos à disposição para empreender de boa fé um esforço coletivo para melhorar o sistema para todos.
Obrigado.
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