(Autor da ilustração acima: Maurits Cornelis Escher)
Na série “A ‘reforma’ já era”,
que agora atinge o seu quinto título, o esforço tem sido o de demonstrar que a
“reforma” trabalhista está fadada a ser destruída pelos seus próprios defeitos,
que vão se revelando a cada instante e de forma ainda mais grave.
Com a MP
808, publicada em edição especial do Diário Oficial da União, em 14 de novembro
de 2017, a mesma questão se repete, restando evidenciado, de uma só vez, que:
a) o projeto de lei da “reforma”
trabalhista não foi elaborado com o mínimo cuidado técnico, não foi embasado em
estudos, avaliações, pesquisas e projeções; não foi fruto de reivindicação
popular; e não foi precedido de com os setores diretamente interessados;
b) a lei que resultou do projeto
é, por isso, confusa, contraditória e não confiável mesmo para os empregadores
que a pretendam aplicar buscando melhor eficiência produtiva ou, simplesmente,
para obterem maior margem de lucro;
c) o resultado das alterações
legislativas revela ausência de compreensão do alcance jurídico do que foi
escrito e despreocupação gramatical ou mesmo com a lógica;
d) a lei foi impulsionada por
prática não democrática, tanto que se tenta, agora, pela mesma lógica, por meio
de Medida Provisória, impor mudanças na lei;
e) há soberba na elaboração da
lei, tal como agora, na edição da MP, também elaborada em desprezo à ordem
constitucional;
f) a soberba dos patrocinadores
da lei foi ao ponto de manterem reféns as instituições responsáveis pela
elaboração das leis brasileiras, a Presidência da República, a Câmara dos Deputados
e o Senado Federal, sendo que tais instituições, para levarem adiante, de forma
acelerada, a agenda do capital financeiro internacional, estão descumprindo,
extrapolando ou terceirizando as suas funções;
g) a pressão para o advento de
uma MP com tamanha abrangência explicita a inconformidade com relação à
resistência constitucional anunciada no seio do Poder Judiciário trabalhista,
que demonstrou sua indisposição para ceder aos comandos do poder econômico.
Estamos, desde o início, falando
que a Lei nº 13.467/17 é repleta de inconsistências, inconstitucionalidades e
inconvencionalidades e os defensores da lei diziam que manifestações neste
sentido eram atos de rebeldia ou de boicote; que a lei estava pronta e acabada,
e que o passo seguinte era apenas o da sua aplicação e ponto.
Pois muito bem, a MP 808 prova
que estávamos certos, pois, à guisa de reparar erros, foram introduzidas 85
(oitenta e cinco) modificações na Lei nº 13.467/17.
Ou seja, segundo reconhecido na
MP 808, a Lei nº 13.467/17 era mesmo inaplicável.
Além disso, a MP 808 contrariou
posições que vinham sendo publicamente manifestadas por defensores da lei
quanto, por exemplo, aos termos e limites da parametrização da reparação (antes
mal denominada “indenização”) por dano extrapatrimonial.
As modificações, inclusive, foram
baseadas em muitos dos argumentos apresentados pelas avaliações críticas ao
conteúdo da Lei nº 13.467/17, muitos deles expressos nos Enunciados aprovados
na II Jornada da Anamatra, instituição que foi dura, indevida e injustamente
criticada por repetitivos e inconsistentes editoriais de jornais de grande
circulação.
Enfim, onde estão agora os tais
defensores da Lei nº 13.467/17 que diziam que lei é para ser aplicada e que
vieram a público para dizer que os juízes estavam cometendo ato de
“desobediência civil” ao apontarem as impropriedades da lei?
Pedirão desculpas?
Não é necessário. Basta que
enfiem a viola no saco!
Fato é que não demorou nem 05
cinco dias para que um pouco da verdade viesse à tona.
Dissemos um pouco porque, de
fato, o número de acertos que se tentou fazer está longe de representar a
totalidade dos problemas que a Lei nº 13.467/17 tinha e ainda possui.
E a vigilância se faz necessária
porque os defensores da “reforma” – que pouco se importam sequer em saber o que
está efetivamente dito na lei – não assumirão publicamente que estavam errados,
não pedirão desculpas e ainda virão com o argumento de que os acertos
necessários foram feitos e, agora, é “só aplicar”.
O problema, meus caros, é que em
vez de atingir o objeto de tonar a lei aplicável, a MP 808 só conseguiu piorar
as coisas, criando uma espécie de balbúrdia jurídica total, podendo-se prever
até mesmo que alguns dos defensores da “reforma” possam, agora, se colocarem
contra o texto normativo inscrito na MP, considerando que ela, em alguns
aspectos, foi um retrocesso. Talvez preconizem que as normas sejam
interpretadas ou requeiram novas modificações, inaugurando-se um círculo sem
fim, cada vez mais complexo.
Com a MP 808/17 só se conseguiu
dar vazão ao dito popular de que nada é tão ruim que não possa ser piorado,
ainda mais se pensarmos que com a tramitação da MP no Congresso é possível
propor alterações no seu texto. E dada a sua abrangência, essas alterações
poderão colocar em discussão praticamente toda a “reforma”, sendo que, enquanto
isso, a MP provisória continuará produzindo efeitos jurídicos, embora incertos.
Fato é que se conseguiu instaurar
o estágio pleno da insegurança jurídica.
E se antes era um desafio
conseguir aplicar a lei, agora é completamente impossível.
Senão vejamos.
1. A inconstitucionalidade da MP
e a explicitação da ilegitimidade da Lei nº 13.467/17
Como preconiza o art. 62 da CF, o
Presidente só pode editar Medida Provisória em caso de relevância e urgência, e
jamais como forma de corrigir “defeitos” de uma lei, que foi aprovada pelo
Senado Federal sob a condição de que esses “defeitos” seriam superados por
Medida Provisória.
Independente de se analisar o seu
conteúdo, bom ou ruim, a MP 808 é uma ofensa direta ao Estado de Direito, um
arroubo autoritário.
O próprio Senador Ricardo
Ferraço, em seu relatório, refere que a Lei nº 13.467/17 “respeita a hierarquia
das leis, não invadindo temas que são reservados ao texto constitucional”, já
que "conforme a Constituição no inciso I de seu art. 22, compete
privativamente à União legislar sobre direito do trabalho. Adicionalmente,
conforme o caput do art. 48, cabe a este Congresso Nacional dispor sobre todas
as matérias de competência da União”. Portanto, é do Congresso a competência
para editar lei sobre questão trabalhista, não podendo, para tanto, ser
utilizado o recurso de Medida Provisória, que sabidamente serve apenas para
situações de urgência e relevância.
O relatório afirma, ainda, que “a
proposição não modifica os arts. 7o e 8o, nem altera qualquer artigo,
parágrafo, inciso ou alínea da Constituição”; que “quando afirmamos que
respeitamos por óbvio a hierarquia das leis, é para responder à tola tese de
que esta reforma trabalhista ataca direitos constitucionais. Fosse esta a
intenção, ela seria um tiro no pé, uma vez que prontamente a Corte
Constitucional julgaria procedente a profusão de ações diretas de
inconstitucionalidade que seriam pugnadas contra a norma. Esta narrativa é tão
verossímil quanto à batalha de Itararé, a batalha que nunca houve". Ainda,
que “fundamentalmente, esta proposta se motiva por um específico princípio
constitucional: o da dignidade da pessoa humana. É sob esta perspectiva que
devemos entender uma reforma que intenciona que as pessoas realizem seu
potencial e persigam seus sonhos”. E que "Não há e não poderia haver na
proposta qualquer dispositivo contrário ao sagrado direito constitucional de
acesso à Justiça, especialmente por paparte dos mais pobres." Essa última afirmação está, inclusive,
grifada no relatório.
A MP é a prova irrefutável de que
nada disso corresponde à realidade.
Além disso, a MP extrapola os
limites do espúrio acordo feito com o Senado.
A alteração promovida no artigo
59-A não estava apontada no relatório do Senado como necessária. Ao contrário,
o Parlamento fez elogios à flexibilização ali promovida.
As alterações, portanto, não
atendem o suposto “acerto" promovido entre o Presidente da República e o
Parlamento, e que de acordo com Ferraço legitimou a rejeição de todas as
propostas de emenda e o encaminhamento de votação do texto tal como trazido da
Câmara dos Deputados.
Ao contrário, as mudanças ora
realizadas constituem, como já dito, uma espécie de resposta à reação daqueles
que denunciaram a impossibilidade de aplicação da Lei nº 13.467/17, em razão de
suas impropriedades técnicas e inconstitucionalidades.
2. Artigo por artigo
a) Art. 59-A
O Art. 59-A passa a ter como
redação, "Em exceção ao disposto no art. 59 e em leis específicas, é
facultado às partes, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de
trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e
seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos
para repouso e alimentação”.
Ou seja, não se permite mais que
o ajuste seja feito por acordo individual, como havia previsto a Lei nº
13.467/17.
“Um avanço”, diriam alguns... Mas
é inconcebível considerar que qualquer tipo de recuo na Lei nº 13.467/17 possa
constituir um avanço, ainda mais vindo de uma iniciativa inconstitucional.
Um passo à frente depois de 100
passos atrás ainda resultam em 99 passos de derrotas.
Além disso, essa visão obscurece
o fato mais profundo de que nenhuma jornada de trabalho de 12 horas, como
jornada normal, está autorizada pela Constituição (basta ler o inciso XIII do
art. 7º).
E se, por um lado, poderia ser
verificado algum recuo, com a exclusão do acordo individual, por outro, a
alteração proposta visou afastar a aplicação da lei do comerciário (Lei nº
12.790/13), que, em conformidade com a Constituição, impede a prática da
jornada de 12 horas.
O parágrafo único do Art. 59-A
foi transformado em § 1º, com idêntica redação: “A remuneração mensal pactuada
pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso
semanal remunerado e pelo descanso em feriados e serão considerados compensados
os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam
o art. 70 e o § 5º do art. 73”.
Criou-se um § 2º: “É facultado às
entidades atuantes no setor de saúde estabelecer, por meio de acordo individual
escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, horário de trabalho
de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso,
observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.”
A tentativa de não aplicação da
Constituição ao setor mais afetado pela prática de jornadas inconstitucionais
de 12h é evidente. Trata-se, claramente, de um adendo feito sob encomenda do
setor que mercantilizou a saúde. E a redação é péssima, pois refere que as
entidades firmarão acordos individuais. Além disso, é preciso pontuar que nada
justifica a exceção, autorizando firmar o regime 12x36 por acordo individual,
justamente para um setor em que a extensão da jornada é ainda mais prejudicial,
sabidamente potencializadora de doenças físicas e mentais.
A MP reitera o incentivo já
anteriormente dado pelo legislador ao descumprimento do direito ao intervalo,
autorizando, expressamente, também no § 3º, que o intervalo não seja concedido,
transformando o direito do empregado ao intervalo no direito do empregador de
não conceder o intervalo e pagar o valor correspondente, sem qualquer acréscimo
punitivo.
Na visão do legislador, o
intervalo para repouso e alimentação não é um direito do empregado e sim uma
faculdade do empregador, do que resulta a possibilidade, juridicamente
admitida, de um empregado trabalhar 12 horas seguidas sem comer nem descansar.
A previsão daria inveja aos
industriais dos primórdios da Revolução Industrial! E se pensarmos que ainda se
incentivou a prática de horas extras no dito regime 12x36, inclusive em
atividade insalubre, conforme se extrai da previsão contida no parágrafo único
do art. 60, então se poderia chegar ao fato, sem efeito jurídico específico, de
um trabalho prestado durante 14 horas seguidas sem alimentação e em atividade
insalubre, o que, certamente, causaria inveja aos escravistas – se bem que
muitos deles ainda estão por aí...
Também aqui, vale lembrar, não
havia pacto prévio de ajuste de norma por MP, de tal sorte que a alteração só
pode ser compreendida como uma resposta às críticas feitas à Lei nº 13.467/17 e
que, nesse sentido, ratificam a má redação e a impropriedade daquela norma,
dando plena razão aos juízes e advogados que, preocupados em fazer valer a
ordem constitucional, apontaram suas incoerências.
b) Art. 223-C
O Art. 223-C ganha nova redação
para incluir, de modo absolutamente desnecessário em razão da ordem
constitucional vigente, a “etnia, a idade e a nacionalidade” como bens de ordem extrapatrimonial a serem
resguardados, além de ter feito um reparo técnico alterando a expressão “pessoa
física”, que não se fala mais há muito tempo, para “pessoa natural”.
Também, em lugar de sexualidade,
utilizam-se as expressões “gênero” e “orientação sexual”, respondendo
claramente às críticas tecidas por aqueles que atuam na área jurídica quanto à
impropriedade da redação original.
E ainda assim não se atendeu o
preceito básico, constitucionalmente assegurado, do enfrentamento contra a
discriminação racial (inciso IV, art. 3º), que é, como se sabe, a mais
recorrente e grave no âmbito das relações de trabalho[i], aliada, na maioria
das vezes, com interseccionalidade, às questões de gênero e de orientação
sexual.
Aqui, portanto, novamente
trata-se de ajuste que reconhece a pouca técnica e a forma açodada e
ultrapassada com que a Lei nº 13.467 tratou de questões fundamentais.
Novamente, nenhuma relação se tem
com os problemas reconhecidos pelo Parlamento e ajustados previamente com o
governo federal. Apenas uma resposta às críticas duramente desqualificadas pela
mídia e pelo próprio governo, e que agora se revelam acertadas.
c) Art. 223-G
O Art. 223-G, em seu § 1º, também
ganha alteração que se caracteriza claramente como resposta às inúmeras
críticas formuladas pelos intérpretes do Direito do Trabalho e apontadas como
“rebeldia” pelo governo e pela grande mídia.
Manteve-se, no entanto, a
tarifação, com alteração da base de cálculo, que deixa de ser o valor do
salário, para passar a ser "o valor do limite máximo dos benefícios do
Regime Geral de Previdência Social”. Não se resolve, portanto, a
incompatibilidade da norma com o sistema jurídico vigente ou mesmo com a
própria razão pela qual se reconhece a possibilidade de ressarcimento monetário
em face de lesão extrapatrimonial. Exatamente por tratar de dano
extrapatrimonial, o valor da lesão não pode ser aferido a priori, eis que dependerá
da análise das circunstâncias do caso concreto.
Esse é, inclusive, o entendimento
atual do STJ (Súmula 326).
No § 3º tentou-se corrigir a
impropriedade da expressão “Na reincidência entre partes idênticas, o juízo
poderá elevar ao dobro o valor da indenização”, pois seria como se o agressor
só pudesse ser considerado reincidente se cometesse o mesmo ilícito, mais de
uma vez, em relação à mesma pessoa, o que feria toda a base da regulação
jurídica. Mas, para corrigir, a MP trouxe expressão ainda mais imprecisa: “Na
reincidência de quaisquer das partes, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da
indenização”. De fato, não se melhorou a expressão anterior. A anterior foi
abandonada e se trouxe outra em sentido completamente novo e, ao mesmo tempo, inteligível,
pois, afinal, o que é “reincidência de quaisquer partes”?
Talvez se tenha tentado dizer que
na verificação da reincidência não importa se o ofendido foi, ou não, a mesma
pessoa, mas não é isso o que está dito. De todo modo, deixemos assim e compreendamos
que seja isso o que está dito.
De todo modo, a alteração
corrobora, novamente, as críticas feitas à Lei nº 13.467/17.
Incluiu-se um § 4º nesse
dispositivo, estabelecendo que “Para fins do disposto no § 3º, a reincidência
ocorrerá se ofensa idêntica ocorrer no prazo de até dois anos, contado do
trânsito em julgado da decisão condenatória”. Ou seja, foi criado um lapso de
dois anos para conferir uma espécie de salvo-conduto ao ofensor, que, portanto,
recebe maior proteção na MP do que o ofendido.
Por fim, no § 5º dispôs-se que:
“Os parâmetros estabelecidos no § 1º não se aplicam aos danos extrapatrimoniais
decorrentes de morte”.
Novamente o governo, em atitude
patética, tenta responder às resistências que foram formuladas à lei. O § 5º é
resultado da ampla crítica formulada à tarifação de dano em situações de
extrema gravidade, como aquela que resulta morte do trabalhador. E cria uma
situação absurda na qual a morte é “premiada" com uma indenização
diferenciada.
É evidente que a
inconstitucionalidade do dispositivo não se resume a tais situações, mas o fato
de a MP tentar corrigir essa aberração revela nitidamente o completo fracasso
da “reforma”, reforçando nossos argumentos de que se trata de uma lei
inconstitucional, ilegítima, inconvencional, ilegal, mal redigida e, por tudo
isso, destinada a não ser aplicada.
Importante pontual que outra
questão não foi enfrentada e continua, assim, em aberto, que diz respeito à não
aplicação do artigo 223-G, na sua totalidade, aos danos extrapatrimoniais
decorrentes de acidentes do trabalho, vez que o acidente do trabalho é um
instituto próprio, sempre referido de forma específica quando a ordem jurídica
a ele se refere (artx. 7º, XXVIII; 109, I; 201, § 1º da CF, por exemplo).
d) Art. 394-A
A alteração no art. 394-A, para
determinar o afastamento da empregada gestante, de ambiente insalubre, enquanto
durar a gestação, com o cuidado perverso de excluir, “nesse caso, o pagamento
de adicional de insalubridade” também é resposta às críticas feitas à reforma e
acolhimento de tese aprovada na II JORNADA realizada pela ANAMATRA, segundo a
qual: "A AUTORIZAÇÃO LEGAL PERMITINDO O TRABALHO DA GESTANTE E LACTANTE EM
AMBIENTE INSALUBRE É INCONSTITUCIONAL E INCONVENCIONAL PORQUE VIOLADORA DA
DIGNIDADE HUMANA, DO DIREITO À REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES AO TRABALHO, DA
PROTEÇÃO INTEGRAL AO NASCITURO E À CRIANÇA E DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE.
ADEMAIS, O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL É DIREITO FUNDAMENTAL GARANTIDO
PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA.
INCIDÊNCIA DOS ARTS. 1º, III; 6º; 7º, XXII; 196; 200; 201, II; 203, I; 225; 226
E 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; CONVENÇÃO 103 E 183 DA OIT; ARTS. 25, I E II DA
DUDH”.
O faz, porém, novamente de forma
inconstitucional, pois até piora o que já estava ruim, na medida em que antes
ao menos se garantia o recebimento da remuneração adicional e, agora, o texto
do artigo exclui, expressamente, o recebimento.
Se dirá que ao menos a empregada
gestante foi afastada da atividade insalubre, mas não como uma garantia e sim
como uma punição, pois sua remuneração foi diminuída no período, em prejuízo,
inclusive, de uma gestação com maior tranquilidade.
Além disso, a possibilidade pelo
exercício do trabalho nas atividades insalubres nos graus mínimo e médio está
dada no § 2º e deixa de ser uma opção, pois diante da diminuição da remuneração
a tendência é que opção seja buscada pela trabalhadora, ainda mais diante da
concorrência perante outras que ajam dessa forma, sendo que o atestado médico,
para possibilitar esse trabalho, deveria ter que provar cientificamente que o
trabalho insalubre não gera dano à gestante e ao feto.
Do jeito que está regulada a
proibição não terá efeito concreto.
O governo, aqui, dá o golpe
dentro do golpe, pois descumprindo o compromisso supostamente assumido com o
Parlamento (que se extrai do relatório de Ferraço), finge afastar a gestante do
trabalho em condição insalubre para novamente permiti-lo nesse parágrafo. O
requinte de perversidade está na disposição de que a trabalhadora - sem qualquer
garantia contra a despedida após cinco meses da data do parto - poderá
“voluntariamente” apresentar atestado que permita trabalhar em condições de
agressão à sua saúde e a de seu filho.
Do mesmo modo, o § 3º, cuja
redação passa a ser “A empregada lactante será afastada de atividades e
operações consideradas insalubres em qualquer grau quando apresentar atestado
de saúde emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de
saúde, que recomende o afastamento durante a lactação." faz com que a
norma siga incompatível com o sistema jurídico trabalhista, nacional e
internacional.
e) Art. 442-B
De plano, há de se destacar que
causa espécie uma legislação trabalhista se preocupar em regular o trabalho
autônomo, pois o que o Direito do Trabalho normatiza é o outro lado dessa
moeda, qual seja, o trabalho subordinado.
A intenção é clara: abrir
supostos espaços legais para que um trabalho subordinado seja compreendido como
autônomo e, consequentemente, não tenha a incidência dos direitos trabalhistas.
Trata-se, pois, de um movimento autofágico de uma lei trabalhista que está
preocupada com a sua própria negação.
Tarefa ingrata, no entanto, vez
que os artigos 2º e 3º da CLT continuam vigentes e definem, de maneira há muito
integrada à doutrina trabalhista, as figuras do empregador e do empregado,
respectivamente. E o artigo 9º da CLT, ademais, deixa claro que “serão nulos de
pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou
fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
O art. 442-B tem seu caput
alterado para supressão da expressão "com ou sem exclusividade”. Novamente
trata-se de resposta às críticas formuladas à possibilidade de contratação de
autônomo exclusivo. De novo, nada além do reconhecimento das incoerências da
lei e, portanto, de veracidade das críticas a ela formuladas por juízes e
advogados.
Esse dispositivo ganha o § 1º,
estabelecendo que “É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no
contrato previsto no caput”, ou seja, o exato contrário do que havia disposto a
lei cuja vigência não tinha sequer uma semana!
É certo que não apenas a
exclusividade determina a caracterização da relação de emprego e que essa
redação não afastará, como aliás pontua Ferraço em seu relatório, quando
afirma, em relação à “reforma”, que: “nenhum destes dispositivos afasta a
competência da Justiça de Trabalho de reconhecer a relação de emprego quando
presentes os seus requisitos, previstos nos arts. 2o e 3o da CLT: trabalho
prestado por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e
subordinação”.
O § 2º incluído nesse dispositivo
estabelece que “não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o
fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços”.
É certo o fracasso de regras que
pretendam dizer o que não é determinada relação social, assim como é certa a
importância que a primazia da realidade tem na análise jurídica dessas
relações.
O texto normativo está gastando
palavras inutilmente, pois é como se dissesse: empregado é empregado; autônomo
é autônomo!
O § 3º dispõe que “O autônomo
poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que
exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato
de trabalho, inclusive como autônomo”.
Mais uma tremenda bobagem.
Dispor, em lei, que o trabalhador pode ter mais de um vínculo de trabalho, seja
ele autônomo ou subordinado, é nada dizer. É exatamente o mesmo que ocorre em
relação à disposição de que: “Fica garantida ao autônomo a possibilidade de
recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação
de cláusula de penalidade prevista em contrato” (§ 4º).
O § 5º, cuja redação é
“Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e
trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas
relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que
cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado
prevista o art. 3º”.
Chuva no molhado, que, de todo
modo, revela a tentativa desesperadora de conseguir que a lei “golpista”
permita que se cometam fraudes contra a ordem jurídica.
Incide no mesmo equívoco e com um
agravamento: segue não havendo disposição expressa acerca de quais seriam esses
“requisitos legais” a serem observados. Resta, novamente, a proposição:
autônomo é autônomo, empregado é empregado!
O § 6º dispõe que “presente a
subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício”. Ainda bem que
a MP 808 disse isso, pois, do contrário, nenhum profissional da área jurídica
trabalhista saberia!
Fica, no entanto, a dúvida: seria
soberba ou ignorância daqueles que elaboraram a MP? Da análise do conjunto da
“reforma” pende-se mais para a soberba, pois em algumas passagens da Lei nº
13.467/17 chega-se a dizer que a Constituição deve ser respeitada, como se o
respeito a Constituição dependesse dessa “autorização”.
Ao menos se tem aqui, nesse
dispositivo da MP, a confissão de que a regulação não passou de uma tentativa
de fraudar a lei por meio da lei, afastando a configuração da relação de
emprego onde efetiva relação de emprego existe.
O § 7º fixa que "o disposto
no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça atividade relacionada ao
negócio da empresa contratante." A nossa criatividade para dizer a mesma
coisa de maneiras diferentes não é tão grande quanto a dos autores da MP, então
não temos mais nada a dizer a respeito, ficando, assim, sem comentário o § 7º.
f) Art. 452-A
O Art. 452-A foi alterado em seu
caput, para substituir a expressão “deve ser celebrado” por “será celebrado” e
para acrescentar (desnecessariamente, haja vista o art. 29 da CLT) a expressão
“registrado na CTPS”. Acrescenta, ainda, o aposto “ainda que previsto acordo
coletivo de trabalho ou convenção coletiva”, também irrelevante no contexto da
“reforma”, porque não estabelece a necessidade de previsão em norma coletiva,
apenas a faculdade.
A expressão "deve conter
especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor
horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do
estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”,
que continha o caput desse dispositivo passa a constar nos incisos a ele
acrescidos.
O inciso I determina que conste
do contrato “identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes”, o II
“valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor
horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho
noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12”. A exigência de
observância do valor devido aos demais empregados passa a constar no § 12: “O
valor previsto no inciso II do caput não será inferior àquele devido aos demais
empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função”.
Mantém-se, no entanto, como letra
morta, o disposto na Constituição, inciso VII, art. 7º, a “garantia de salário,
nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável”, sob o
falso argumento de que o recebimento do salário mínimo é apenas devido a quem
cumpre jornada integral de oito horas, o que se trata de uma interpretação
totalmente indevida da Constituição, que em nenhum momento diz isso. Pela
obrigatoriedade da literalidade, salário mínimo é o mínimo e ponto!
Incluiu-se, ainda, no art. 452-A,
o inciso III, determinando que conste “o local e o prazo para o pagamento da
remuneração”, novamente uma resposta às críticas formuladas pela doutrina
trabalhista.
O § 2º piora a condição anterior,
fixada pela Lei nº 13.467/17, pois em lugar de um dia útil, o empregado passa a
ter “o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado”. De novo, a
alteração responde à crítica acerca da dificuldade, inclusive, de cômputo desse
prazo, dependendo do horário em que a comunicação tiver sido feita ao
empregado.
A multa, absolutamente
inconstitucional, não é alterada[ii].
O § 6º, que dispunha pagamento ao
final de cada período de prestação de serviço e que foi amplamente criticado
pela dificuldade que geraria inclusive para a contabilidade e organização do
empregador, foi alterado para dispor: “Na data acordada para o pagamento,
observado o disposto no § 11, o empregado receberá, de imediato, as seguintes
parcelas.”
Se a situação já era ruim para o
trabalhador agora ficou pior, pois a tal “data acordada”, ainda mais em se
tratando de um trabalhador intermitente, sempre será a mais distante possível
do trabalho realizado.
O referido § 11, acrescentado
pela MP, dispõe que “Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o
pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser estipulado por
período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de
prestação de serviço”.
De novo, não se trata de honrar o
ajuste feito com o Parlamento, já que a única crítica tecida por Ferraço foi no
sentido da não limitação das categorias para as quais tal contrato seria
aplicável. A alteração é - outra vez - resposta às críticas formuladas pela
doutrina trabalhista, evidenciando a má técnica legislativa.
O pior é que segue admitindo que
haja convocação excedendo o período de um mês e não foi incluída cláusula que
garanta valor mensal mínimo de remuneração. Segue, portanto, havendo ofensa
direta à Constituição, que diz que o salário mínimo é direito fundamental dos
trabalhadores.
A MP ainda acrescenta a esse
dispositivo o § 10 dispondo que “O empregado, mediante prévio acordo com o
empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos §
1º e § 2º do art. 134”.
Ao estabelecer a possibilidade de
fracionamento corrobora a tese de que tal período deva ser remunerado, como
aliás determina a Constituição, ratificando a crítica já feita no decorrer
deste estudo.
O § 13, também acrescentado,
estabelece que “Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será
devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da
incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213,
de 1991; o § 14: “O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência
Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991” e o
§ 15: “Constatada a prestação dos serviços pelo empregado, estarão satisfeitos
os prazos previstos nos § 1º e § 2º." Ora, o § 13 pretende retirar do
trabalhador o direito à remuneração em relação aos primeiros quinze dias
consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, promovendo um
retorno à lógica do Século XVIII.
Também, neste ponto, é evidente a
tentativa de ajustar equívocos insuperáveis da “reforma”, ao propor modalidade
de trabalho completamente precária e infensa à proteção constitucionalmente
assegurada.
O remendo, pior do que o soneto,
apenas sublinha a percepção de que essa modalidade de contratação também está
destinada ao fracasso.
Acrescentou-se, ainda, um Art.
452-B, para estabelecer que “É facultado às partes convencionar por meio do
contrato de trabalho intermitente: I - locais de prestação de serviços; II -
turnos para os quais o empregado será convocado para prestar serviços; III -
formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços;
IV - formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços
previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do art. 452-A.” como se
houvesse na realidade brasileira, em que existem milhões de desempregados,
alguma possibilidade de “ajuste” entre as partes para a fixação das condições
de trabalho.
O Art. 452-C, também acrescentado
pela MP, dispõe que: “Para fins do disposto no § 3º do art. 443, considera-se período
de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado
intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º
do art. 452- A”.
O § 1º refere que “Durante o
período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer
natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade
econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de
contrato de trabalho”, o que além de ser completamente inútil, pois como já
afirmamos nada impede o trabalhador de manter mais de um vínculo de emprego,
logo essa “faculdade” não precisa ter previsão legal, apenas chancela a
supressão do direito constitucional às férias, pois de nada adianta um
empregador reconhecer o direito ao descanso, mas a atividade laboral seguir
sendo prestada para os demais.
A MP reforça, assim, a perversão
do sentido de liberdade, dando a entender que o trabalhador é livre quando
presta serviços a muitos empregadores ao mesmo tempo, esquecendo-se de que esse
dado apenas reforça a sua submissão e dependência.
Esse dispositivo ganha, ainda, um
§ 2º, que estabelece: “No contrato de trabalho intermitente, o período de
inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será
remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho
intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de
inatividade”.
Além da péssima redação, esse
confuso dispositivo apenas está buscando repetir o que a definição de trabalho
intermitente já contempla, trazendo, ainda, um recado, numa clara tentativa de
desestímulo à remuneração do período à disposição, em expressa contrariedade à
norma do caput do art. 4o da CLT.
Ainda assim, o que efetivamente
faz é ratificar a necessidade de descaracterização dessa modalidade absurda de
contrato, sempre que evidenciada a fraude.
A vontade de precarizar é de tal
modo intensa, que a fúria legislativa segue, criando um art. 452-D que diz:
“Decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo
empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última
convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente,
será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho
intermitente”.
Novamente é preciso pontuar que
essa alteração, longe de significar resultado do pacto formulado entre
Parlamento e governo, constitui uma resposta (perversa) às críticas formuladas
quanto à possibilidade de o empregado permanecer eternamente vinculado ao
contrato, sem qualquer chamado, perdendo, portanto, inclusive o direito à
rescisão.
Entretanto, a forma de solucionar
o problema é ilegal, pois admite o reconhecimento da rescisão após um ano de
“inatividade”, desrespeitando, portanto, o caráter sinalagmático que deve
informar a relação de trabalho e rompendo com a regra de contraprestação mensal
dos deveres principais dessa relação jurídica, mesmo sem a prestação de
serviços.
Ora, se não houver convocação por
mais de um mês, já há razão suficiente para a rescisão do vínculo, mediante
aplicação analógica do que dispõe o art. 474 da CLT (A suspensão do empregado
por mais de 30 (trinta) dias consecutivos importa na rescisão injusta do
contrato de trabalho).
Incluiu-se, ainda, um art. 452-E:
“Ressalvadas as hipóteses a que se referem os art. 482 e art. 483, na hipótese
de extinção do contrato de trabalho intermitente serão devidas as seguintes
verbas rescisórias: I - pela metade: a) o aviso prévio indenizado, calculado
conforme o art. 452- F; e b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço - FGTS, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11
de maio de 1990; e II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas”.
E § 1º: “A extinção de contrato
de trabalho intermitente permite a movimentação da conta vinculada do
trabalhador no FGTS na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 1990,
limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos”.
Nada alterado, portanto, senão a
forma de redação dessas regras.
O § 2º desse dispositivo introduz
mais uma perda de direito, como se tudo que já se produzira pela Lei nº
13.467/17 não fosse já suficiente: “A extinção do contrato de trabalho
intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de
Seguro-Desemprego”.
Interessante que a MP não tem
exposição de motivos, mas ainda que tivesse, nada justificaria que o
trabalhador intermitente, já precarizado em seus direitos mais elementares,
perdesse acesso ao seguro-desemprego, quando da perda involuntária do trabalho.
Trata-se de regra, uma vez mais, flagrantemente inconstitucional.
De todo modo, serve para
demonstrar que mesmo o “regulador” não considera que o trabalho intermitente
seja emprego, embora seja claro que para efeitos estatísticos, com o fim de
tentar justificar o “sucesso” da “reforma” na criação de empregos vai integrar
os trabalhados intermitentes ao rol dos empregos criados.
Mas se é assim a modalidade
criada, em sua totalidade, não passa pelo crivo da constitucionalidade, eis que
aos trabalhadores a Constituição garante, no inciso I, do art. 7º, o direito à
relação de emprego e, no inciso, II, o recebimento do seguro-desemprego, no
caso de desemprego involuntário.
Se o trabalho intermitente é
emprego, os trabalhadores intermitentes terão direito ao seguro-desemprego,
tantas quantas forem as suas relações. Se a modalidade não é inconstitucional,
na íntegra, pois o avesso da relação de emprego é o trabalho subordinado e não
pode haver, assim, relação de trabalho que não é, ao mesmo tempo, relação de
emprego e trabalho autônomo.
Aliás, reforça a crença do
“regulado” de que não está cuidando de um emprego, a regra que estabelece, sem
critério algum, o pagamento pela metade de algumas verbas rescisórias (452-F, I
– acima), o que não encontra qualquer suporte constitucional.
O Art. 452-F refere que “As
verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos
valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.
§ 1º No cálculo da média a que se refere o caput, serão considerados apenas os
meses durante os quais o empregado tenha recebido parcelas remuneratórias no
intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de
trabalho intermitente, se este for inferior”.
O § 2º desse dispositivo menciona
que: “O aviso prévio será necessariamente indenizado, nos termos dos § 1º e §
2º do art. 487”.
Neste ponto o elaborador da MP
808 revela sua incapacidade de compreensão da legislação trabalhista. Aviso
prévio é tempo. Não é rubrica. É tempo para organização do trabalhador, ou da
empresa, para encarar o término do contrato. Não há, portanto, como aplicar uma
regra que nega o próprio instituto que busca regular.
Concretamente, todo esse
emaranhado de normas regulando o trabalho intermitente é apenas um disfarce,
para parecer que se estão garantindo direitos nesse tipo de trabalho, que, de
fato, é um estágio muito próximo da própria supressão da condição humana do
trabalhador, pois, no fundo, tudo não passará de um cálculo meramente
matemático em que o empregador oferecerá um valor X para o trabalho e dentro
desse valor fará uma distinção de parcelas, como se estivesse respeitando
direitos, mas que, efetivamente, direitos não são.
Falando da realidade, não
existissem todos esses dispositivos, que, como se vê, não nada asseguram ao
trabalhador, e só houvesse a possibilidade de se contratar trabalhadores pela
regra da intermitência, sem direito algum, os valores desembolsados pelas
empresas seriam exatamente os mesmos.
Essa lógica matemática
inquestionável é o suficiente para negar validade a esse tipo de contratação
que, praticamente, generalizada, destrói toda a base do Estado Social
brasileiro, conduzindo-nos, todos, trabalhadores intermitentes ou não, à
barbárie.
E não cola o argumento de que é
melhor para os desempregados essa precariedade do que nada, porque todo o
aparato constitucional dos direitos sociais se consagrou exatamente para romper
essa lógica econômica que já foi experimentada e conduziu a humanidade a duas
guerras mundiais.
O “regulador” autoritário bem
sabe disso, pois tenta evitar que se proceda a troca do empregado efetivo, com
plenos direitos, pelo intermitente (art. 452-G), mas não consegue, e não quer,
na verdade, impedir que os novos postos de trabalho sejam preenchidos por essa
via precária, o que, inclusive, deixa o efetivo em situação de extrema
fragilidade perante o empregador.
Diz o art. 452-G: “Até 31 de
dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por
prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo
empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito
meses, contado da data da demissão do empregado”.
E o Art. 452-H estabelece que “No
contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das
contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com
base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante
do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-A”.
Fato é que a regulação do
trabalho intermitente segue sendo flagrantemente inconstitucional, conforme
teses aprovadas na II JORNADA realizada pela ANAMATRA:
“É INCONSTITUCIONAL O REGIME DE
TRABALHO INTERMITENTE PREVISTO NO ART. 443, § 3º, E ART. 452-A DA CLT, POR
VIOLAÇÃO DO ART. 7º, I E VII DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E POR AFRONTAR O
DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR AOS LIMITES DE DURAÇÃO DO TRABALHO, AO
DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO E ÀS FÉRIAS REMUNERADAS”.
“A PROTEÇÃO JURÍDICA DO SALÁRIO
MÍNIMO, CONSAGRADA NO ART. 7º, VII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ALCANÇA OS
TRABALHADORES EM REGIME DE TRABALHO INTERMITENTE, PREVISTO NOS ARTS. 443, §
3º, E 452-A DA CLT, AOS QUAIS É TAMBÉM
ASSEGURADO O DIREITO À RETRIBUIÇÃO MÍNIMA MENSAL, INDEPENDENTEMENTE DA
QUANTIDADE DE DIAS EM QUE FOR CONVOCADO PARA TRABALHAR, RESPEITADO O SALÁRIO
MÍNIMO PROFISSIONAL, O SALÁRIO NORMATIVO, O SALÁRIO CONVENCIONAL OU O PISO
REGIONAL”.
g) Art. 457
No art. 457, § 1º, a alteração
também foi irrelevante. Acrescenta-se em lugar de “as gratificações legais” a
expressão “as gratificações legais e de função”. Ou seja: nada muda.
No § 2º, acrescentou-se em
relação à ajuda de custo, o aposto “limitadas a cinquenta por cento da
remuneração mensal”, o que representa, novamente, resposta às críticas
formuladas a esse dispositivo, o que, diga-se de passagem, não resolve sua
impropriedade.
Ora, se se tratar efetivamente de
ajuda de custo não será remuneração, como, aliás, nunca foi. Se se tratar de
salário simulado, assim será considerado por força do art. 9o da CLT.
Logo, novamente aqui a MP nada
altera.
Foi suprimida a expressão
“abono”, e isso certamente em resposta às críticas formuladas à “reforma”, tal
como a que consta de Enunciados aprovados na Jornada de estudos realizada pelos
Juízes do Trabalho da Quarta Região, segundo os quais: “I – A partir da
interpretação histórica do ordenamento jurídico, o abono mencionado no §2o do
art. 457 da CLT é somente o abono decorrente de lei de política salarial. II -
A verba denominada abono em contrato de trabalho ou em regulamento de empresa
tem natureza jurídica salarial. III - A verba denominada abono nas normas
coletivas tem sua natureza jurídica definida na própria norma coletiva e, no
silêncio desta, tem natureza jurídica salarial. IV - Sempre que se destinar a
mascarar salário em sentido restrito, a verba denominada abono, seja pelo
contrato de trabalho ou pela norma coletiva, tem natureza jurídica salarial”.
Acrescenta-se, ainda, a esse
artigo 457, um § 12, no qual se lê: “A gorjeta a que se refere o § 3º não
constitui receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será
distribuída segundo os critérios de custeio e de rateio definidos em convenção
coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, que é uma disposição completamente
desnecessária.
O § 13 refere que “Se inexistir
previsão em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, os critérios de
rateio e distribuição da gorjeta e os percentuais de retenção previstos nos §
14 e § 15 serão definidos em assembleia geral dos trabalhadores, na forma
estabelecida no art. 612”.
O § 14: “As empresas que cobrarem
a gorjeta de que trata o § 3º deverão: I - quando inscritas em regime de
tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo,
facultada a retenção de até vinte por cento da arrecadação correspondente,
mediante previsão em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, para
custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua
integração à remuneração dos empregados, hipótese em que o valor remanescente
deverá ser revertido integralmente em favor do trabalhador; II - quando não
inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva
nota de consumo, facultada a retenção de até trinta e três por cento da
arrecadação correspondente, mediante previsão em convenção coletiva ou acordo
coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e
trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, hipótese
em que o valor remanescente deverá ser revertido integralmente em favor do
trabalhador; e III - anotar na CTPS e no contracheque de seus empregados o
salário contratual fixo e o percentual percebido a título de gorjeta”.
O § 15: “A gorjeta, quando
entregue pelo consumidor diretamente ao empregado, terá seus critérios
definidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, facultada a
retenção nos parâmetros estabelecidos no § 14” e o § 16: “As empresas anotarão
na CTPS de seus empregados o salário fixo e a média dos valores das gorjetas
referente aos últimos doze meses”.
Todas disposições desnecessárias
que dizem o óbvio ou o que já consta no texto de lei.
O § 17 estabelece que “Cessada
pela empresa a cobrança da gorjeta de que trata o § 3º, desde que cobrada por
mais de doze meses, essa se incorporará ao salário do empregado, a qual terá
como base a média dos últimos doze meses, sem prejuízo do estabelecido em
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
O
§ 18: “Para empresas com mais de sessenta empregados, será constituída
comissão de empregados, mediante previsão em convenção coletiva ou acordo
coletivo de trabalho, para acompanhamento e fiscalização da regularidade da
cobrança e distribuição da gorjeta de que trata o § 3º, cujos representantes
serão eleitos em assembleia geral convocada para esse fim pelo sindicato
laboral e gozarão de garantia de emprego vinculada ao desempenho das funções
para que foram eleitos, e, para as demais empresas, será constituída comissão
intersindical para o referido fim” .
O § 19: “Comprovado o
descumprimento ao disposto nos § 12, § 14, § 15 e § 17, o empregador pagará ao
trabalhador prejudicado, a título de multa, o valor correspondente a um trinta
avos da média da gorjeta por dia de atraso, limitada ao piso da categoria,
assegurados, em qualquer hipótese, o princípio do contraditório e da ampla
defesa”
O § 20: “A limitação prevista no
§ 19 será triplicada na hipótese de reincidência do empregador”.
O
§ 21: “Considera-se reincidente o empregador que, durante o período de
doze meses, descumprir o disposto nos § 12, § 14, § 15 e § 17 por período
superior a sessenta dias”.
A má técnica legislativa e a
quase ingênua vontade de colocar tudo no texto de lei se revela, também, pelo
fato de que o § 4º desse artigo se mantém, especificando que: “Consideram-se
prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços
ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de
desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas
atividades”.
Ao mesmo tempo, se inclui o § 22
que diz: “Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador,
até duas vezes ao ano, em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro, a
empregado, grupo de empregados ou terceiros vinculados à sua atividade
econômica em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no
exercício de suas atividades”.
Novamente verifica-se uma
tentativa desesperada de fazer ajustes na péssima redação da “reforma”, que, ao se referir a desempenho “superior ao
ordinariamente esperado”, impede que valores pagos pelo trabalho normalmente
exigido do empregado sejam qualificados como prêmios para efeito da
precarização pretendida pela norma.
Agora, dois parágrafos com
dizeres diferentes tratarão da mesma conceituação, e o que é mais bizarro,
mantendo a expressão que concretamente impedirá a aplicação de ambas as regras.
Por fim, é incluído um § 23:
“Incidem o imposto sobre a renda e quaisquer outros encargos tributários sobre
as parcelas referidas neste artigo, exceto aquelas expressamente isentas em lei
específica”.
Quanto à remuneração,
reafirmou-se a conclusão exarada na II JORNADA de Direito Material e Processual
promovida pela ANAMATRA: “EXPRESSÃO "AINDA QUE HABITUAIS" CONSTANTE
DO § 2º DO ART. 457, DA CLT, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467/17. A
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTIGOS 195, I E 201, CAPUT E § 11, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL REVELA QUE A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INCIDE SOBRE OS GANHOS
HABITUAIS, A QUALQUER TÍTULO, PARA SE PRESERVAR O EQUILÍBRIO FINANCEIRO E
ATUARIAL DO RGPS - REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL COM IGUAL RAZÃO, A
INTERPRETAÇÃO DO ART. 457, § 2º, DA CLT, EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO,
DENOTA QUE NÃO IMPORTA O TÍTULO ATRIBUÍDO PELO EMPREGADOR À PARCELA, PORQUANTO,
PARA TER NATUREZA JURÍDICA SALARIAL, BASTA QUE ELA SEJA HABITUAL E DECORRENTE
DO TRABALHO PRESTADO POR CONTA ALHEIA, SENDO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO O ROL DO
§ 1º E ADMITINDO-SE OUTRAS PARCELAS SALARIAIS, TAIS COMO ADICIONAIS, IMPORTÂNCIAS
VARIÁVEIS E GRATIFICAÇÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. A NÃO INTEGRAÇÃO NA
REMUNERAÇÃO DAS PARCELAS RELACIONADAS NO ART. 457, §§ 2º E 4º, DA CLT DEPENDE
DE QUE EFETIVAMENTE SIRVAM A PROPICIAR CONDIÇÕES PARA REALIZAÇÃO DO TRABALHO OU
SE RETIRAM A SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS AO COTIDIANO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. 2.
PRÊMIOS. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO A DESEMPENHO PROFISSIONAL DIFERENCIADO. A
CONCESSÃO HABITUAL DE PRÊMIOS, DESVINCULADA DO REQUISITO DE DESEMPENHO
PROFISSIONAL SUPERIOR AO ORDINARIAMENTE ESPERADO (ART. 457, §4º, DA CLT),
CONSTITUI FRAUDE (ART. 9º, CLT), INTEGRANDO A REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO A
PARCELA PAGA FORA DOS PRECEITOS LEGAIS”.
h) Art. 510-E
Garante o art. 510-E:
“A comissão de representantes dos
empregados não substituirá a função do sindicato de defender os direitos e os
interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas, hipótese em que será obrigatória a participação
dos sindicatos em negociações coletivas de trabalho, nos termos dos incisos III
e VI do caput do art. 8º da Constituição."
A fragilização da atuação
sindical, no entanto, se extrai do conjunto da “reforma” e o fato da MP dizer
isso não altera em nada a realidade que a Lei nº 13.467/17 pretende
implementar.
Depois da Lei nº 13.467/17
praticamente destruir os sindicatos, a MP 808 vem e diz que a participação dos
sindicatos está garantida. Ora, pois...
i) Art. 611-A
No artigo art. 611-A, ao dispor
que “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os
incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição, têm prevalência sobre a
lei quando, entre outros, dispuserem sobre”, a MP 808 tenta dar uma “força”
para os sindicatos, mas o faz, apenas, retoricamente, como se texto de lei
fosse local apropriado para isso. Ora, no aspecto específico das fontes de
recursos dos sindicatos nada se tratou e, simplesmente, dizer que “ao sindicato
cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas” (III) e que “é obrigatória
a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (VI), não
altera a realidade que se antevê da aplicação concreta da Lei nº 13.467/17 e,
agora, também da MP 808/17.
O inciso XII desse artigo que, na
Lei nº 13.467/17, se expressava de forma restrita “enquadramento do grau de
insalubridade”, foi alterado para: “enquadramento do grau de insalubridade e
prorrogação de jornada em locais insalubres, incluída a possibilidade de
contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes
do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas
de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas
regulamentadoras do Ministério do Trabalho”.
Se quis, pela MP, abranger todas
as possibilidades jurídicas que a expressão restrita deixava em aberto, mas,
mesmo assim, não se conseguiu.
O enquadramento não significa
negação da existência da insalubridade. Lembre-se que art. 191 da CLT
estabelece que a "eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:
I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos
limites de tolerância; ou II - com a utilização de equipamentos de proteção
individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a
limites de tolerância”.
Não se esqueça que o inciso XXIII
do art. 7º da CF estipulou como direito dos trabalhadores, “adicional de
remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da
lei”.
De todo modo, o enquadramento
deve possuir alguma base técnica, não podendo ser arbitrário, já que o art. 189
da CLT dispõe que "serão consideradas atividades ou operações insalubres
aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os
empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados
em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos
seus efeitos”, e o art. 190 estipulou que “O Ministério do Trabalho aprovará o
quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os
critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos
agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do
empregado a esses agentes”. Previu, ainda que “As normas referidas neste artigo
incluirão medidas de proteção do organismo do trabalhador nas operações que
produzem aerodispersóides tóxicos, irritantes, alérgicos ou incômodos”
(parágrafo único do mesmo artigo).
Não se trata, pois, apenas de uma
questão financeira e os parâmetros técnicos foram fixados na Portaria 3.214/78
e seus Anexos.
Assim, somente por uma razão
técnica que justifique a fixação a respeito fora dos parâmetros legais, para
uma melhor proteção da saúde, se poderá considerar válida a cláusula normativa
a respeito.
Portanto, a norma coletiva, para
ter validade, terá que aliar a previsão acerca do adicional devido com prova
técnica que demonstre seja tal adicional efetivamente adequado para afrontar o
dano causado ao trabalhador. Do contrário, certamente deverá ser observado o
art. 192: "O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos
limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a
percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte
por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se
classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo”, bem como a previsão do art.
195, no sentido de que a "caracterização e a classificação da
insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho,
far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do
Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho".
No § 5º, que dizia, “Os
sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho
deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou
coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos”,
tentou-se superar os impedimentos interpretativos que se vinham construindo
para evitar sua aplicação e, então, se estabeleceu: “Os sindicatos subscritores
de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho participarão, como
litisconsortes necessários, em ação coletiva que tenha como objeto a anulação
de cláusulas desses instrumentos, vedada a apreciação por ação individual."
– grifou-se.
O autor da MP, no entanto, não
leu direito os termos das críticas e não conseguiu seu intento de empurrar
goela abaixo da prática processual trabalhista essa fórmula processual absurda
que tenta obstar o acesso à ordem jurídica justa.
Destaque-se, primeiramente, que
se trata de norma processual e não poderia ser tratada em Medida Provisória.
Em segundo lugar, cumpre
verificar que ainda se está cuidando de ação anulatória, não tendo incidência,
pois, nas reclamações trabalhistas nas quais o reclamante questiona a
aplicabilidade da cláusula, contrapondo-a à norma legal. Neste caso,
tecnicamente, o que se verifica é um conflito de normas, podendo o juiz aplicar
uma em detrimento da outra, sem a necessidade de declara a nulidade daquela que
afastou, não tendo, pois, incidência o § 5º do art. 611-A.
j) Art. 911-A
A MP 808 criou mais um artigo na
CLT, o 911-A, com o seguinte teor:
"Art. 911-A. O empregador
efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do
trabalhador e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e
fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
§ 1º Os segurados enquadrados
como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais
empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de
trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão
recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração
recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota
aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.
§ 2º Na hipótese de não ser feito
o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a remuneração total
recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário
mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de
qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para
cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios
previdenciários."
O § 1º é, por assim dizer, uma
obra fantástica. Primeiro, assume como regular o recebimento mensal de salário
inferior ao salário mínimo, atingindo, inclusive, e até, principalmente, o
trabalho intermitente, ainda que não referido expressamente.
O interessante é que no dia da
votação no Senado do PLC 38/17, que deu origem à Lei nº 13.467/17, os Senadores
e Senadoras, que defenderam a reforma, disseram, expressamente, que era
ridícula a argumentação contra o trabalho intermitente, no aspecto de que os
trabalhadores receberiam menos que um salário mínimo porque isso não iria
acontecer. Neste aspecto, valeria, inclusive, uma anulação do processo
legislativo, pelos próprios Senadores, afirmando que foram enganados, sob pena
de terem que assumir, publicamente, que mentiram para a polução brasileira.
O curioso é que quando se
recusou, na própria MP 808, aos trabalhadores intermitentes, o
seguro-desemprego, praticamente se negou a sua condição de empregados e, agora,
quando já se começa a entender que a generalização do trabalho intermitente vai
destruir a Previdência Social, considera-se o intermitente como segurado
empregado, tentando estimulá-lo a contribuir, de forma facultativa, com a
Previdência Social, mas de forma um tanto quanto ineficaz. Primeiro, porque se
o trabalhador recebe menos que o salário mínimo não terá a menor condição
financeira de ainda dispor de parte de seu ganho para contribuir com a
Previdência. Segundo, porque a Constituição garante ao segurado o recebimento
de benefícios previdenciários pelo valor do salário mínimo (art. 201, § 2º da
CF).
Assim, adotado o parâmetro
jurídico irresponsavelmente trazido pela Lei nº 13.467/17 e pela MP 808/17, o
cálculo atuarial não iria bater, mas a culpa não é do trabalhador.
Percebendo isso, o “regulador” da
MP se vendo entre ficar para a história como quem levou a Previdência Social à
bancarrota em uma única cartada e impor mais um sacrifício aos trabalhadores
não teve a menor dúvida e expressou uma pena de morte aos trabalhadores, que é
que representa o § 2º do art. 911-A.
No § 1º se disse que a
complementação é facultativa, mas, no § 2º, deixa-se claro que a não
complementação exclui o trabalhador da condição de segurado, não adquirindo
benefícios e perdendo carências, e o faz, inclusive, desconsiderando a
contribuição parcial já efetuada pelo trabalhador.
Concretamente, a MP realiza um
estelionato institucional contra os trabalhadores intermitentes, que se
tipifica, também, como uma apropriação indébita.
Em nome de superávit e da tal
recuperação econômica, seria melhor logo que o governo mandasse matar milhões
de pessoas. Mas, de uma forma indireta e, de fato, nem tão indireta assim, foi
o que fez!
l) Regra de temporariedade
Diz o art. 2º da MP: “O disposto
na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos
contratos de trabalho vigentes”.
A previsão, no entanto, não pode
ir ao ponto de contrariar o artigo 5o, XXXVI, da Constituição: “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”; ou
de negar vigência ao artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42, Lei de Introdução às
normas do Direito brasileiro, que explicita o direito fundamental,
estabelecendo que: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
Lembre-se que no § 2º do mesmo
art. 6o, esclarece-se: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu
titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do
exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a
arbítrio de outrem”.
Não se olvidem, ainda, as regras
do art. 9º da CLT (“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos
na presente Consolidação”) e do art. 468 da CLT (“Nos contratos individuais de
trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo
consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente,
prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta
garantia”).
São Paulo/Porto Alegre, 15 de
novembro de 2017 (dia da República, que um dia há de vir)
[i].
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/11/13/negros-ganham-metade-da-renda-de-brancos-e-igualdade-levara-mais-de-70-anos-aponta-oxfam/
[ii]. De fato, o art. 3º da MP
revogou o § 4º do art. 452-A, que previa a multa em questão (nota de rodapé
inserida em 16/11/17).
Fonte:
http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-reforma-ja-era-parte-v-mp-808-a-balburdia-total
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